Webinar APM trata dos efeitos da Covid-19 nos programas de transplantes

“Transplantes em tempos de Covid-19” foi o assunto desta edição, coordenada por uma das maiores autoridades do mundo neste tema: José Medina Pestana, superintendente do Hospital do Rim

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Como nas últimas quartas-feiras – desde que a pandemia de Covid-19 impôs restrições aos eventos presenciais -, a Associação Paulista de Medicina realizou no último dia 24, via transmissão no YouTube, mais um Webinar APM. “Transplantes em tempos de Covid-19” foi o assunto desta edição, coordenada por uma das maiores autoridades do mundo neste tema: José Medina Pestana, superintendente do Hospital do Rim.

O especialista fez uma breve apresentação sobre evolução e propagação do novo coronavírus no Brasil e no Mundo. Medina mostrou dados que refletem evoluções distintas da pandemia em países e continentes diferentes e advertiu aos mais ansiosos que ela irá demorar a acabar por conta dessa heterogeneidade.

Em relação aos transplantes, ele lembrou das primeiras impressões brasileiras quando o novo coronavírus começou a se espalhar. “Ficamos assustados quando a Covid-19 chegou ao Brasil. Vimos muitos leitos de UTI destinados aos transplantes serem disponibilizados para o tratamento desta doença. E necessitamos de cooperação entre comunidades para manter a alma do transplante viva.”

O coordenador do Webinar, que também é professor Titular da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), afirma que a partir desse pensamento, foram realizados diversos encontros on-line entre os serviços de transplante no Brasil, para debater o assunto e estimular a realização segura dos procedimentos. Segundo relatou, em São Paulo, os números de transplantes se mantiveram, pois a maioria dos hospitais permitiram isolamento dos pacientes com Covid-19. Possibilidade que foi menor no Norte e no Nordeste, onde os hospitais de transplantes foram solicitados para atender à pandemia.

“No geral, a repercussão no Sistema Brasileiro de Transplantes foi de 40% de diminuição nos doadores e no número de transplantes de doadores falecidos”, indicou. E completou dizendo que os transplantes com doadores vivos praticamente foram interrompidos por prudência, como forma de não os expor ao vírus.

No Hospital do Rim, Medina indicou que a média de 60 transplantes com doadores falecidos ao mês se manteve e detalhou as medidas tomadas pela unidade: “Adquirimos três mil testes. Estabelecemos a tomografia de tórax a todos os receptores. Montamos um programa de Telemedicina; passamos a testar doadores falecidos com PCR (quando é positivo, não transplantamos); e fornecemos máscaras N-95 para todos os funcionários – administrativos e assistenciais”.

Resumindo, o especialista apresentou os dados globais desse período: de 11.875 pacientes transplantados, 237 tiveram Covid-19 e 68 deles evoluíram a óbito. “Cerca de 30%, o que ocorre já no mundo todo. Também houve 68 curados; 26 ainda estão em UTI; outros 26 em enfermaria; e 49 se recuperam em casa. Importante dizer que estão em outros hospitais, por uma parceria com a Secretaria de Saúde, mantendo o Hospital do Rim quase livre de Covid-19.”

Rotinas

Luciana Haddad, médica do Serviço de Transplantes de Órgãos Abdominais do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP), relatou que a sua unidade de trabalho montou um comitê sobre Covid-19 ainda em janeiro, se preparando para o atendimento intenso que iria ocorrer. Desta forma, os serviços de transplantes realizados no Instituto Central do HC foram encaminhados ao Instituto do Coração (InCor).

Isso permitiu que o hospital mantivesse a média de transplantes, até aumentando em relação ao ano passado, em alguns meses. O número só caiu durante os meses de adaptação das estruturas e da transferência de pacientes. Luciana indicou que também o HC interrompeu os transplantes com doadores vivos.

“Tivemos 26 transplantados hepáticos com Covid-19. Cinco transplantados recentes e 21 tardios. Foram 15 homens e 11 mulheres. Do total, 18 pacientes tinham ao menos uma comorbidade. Dos transplantados tardios, oito tinham imunossupressão tripla, um dado que chama a atenção. Neste grupo tardio, oito necessitaram de UTI e seis de ventilação mecânica; 16 tiveram alta e cinco foram a óbito, resultando em uma mortalidade de 31,25% – semelhante à dos pacientes que são internados pela Covid-19. Ainda estamos realizando pareamento dos dados, mas esse é o dado bruto”, apresentou.

Na sequência, Paulo Manuel Pêgo Fernandes, diretor da Divisão de Cirurgia Torácica do InCor do HC/FMUSP, falou sobre algumas particularidades dos transplantes cardíacos. Ele apontou que, na cidade de São Paulo, nos últimos anos praticamente só são transplantados os pacientes em prioridade – os que estão internados em hospitais, boa parte em UTI, recebendo drogas e outros tratamentos.

“Nesses que já estão internados, consequentemente expostos a maior risco de contrair o novo coronavírus, por estarem em UTI e em manipulação, certamente tem de ser feito o transplante se há a possibilidade. Primeiro porque pode não haver chance de outro órgão ofertado. Segundo, pois o paciente já está exposto aos riscos. Terceiro, pois a mortalidade nos pacientes em fila de espera não é pequena. Se demora muito para conseguir um doador, podem entrar em insuficiência múltipla de órgãos, tornando o transplante inviável”, apontou.

Pêgo argumentou que, após o susto inicial da chegada da Covid-19, a experiência foi auxiliando a manutenção ou não dos transplantes. “Se está em prioridade, realizamos. Se está mais estável, avaliamos caso a caso todos os riscos e benefícios de transplantar. É um período curto [desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil], mas parece uma eternidade, já que a situação muda a cada semana. E os hospitais e nós médicos fomos aprendendo a lidar com essas situações.”

Luiz Augusto Carneiro, professor Titular do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP, também falou sobre essa preocupação inicial, sobretudo em relação à evolução dos imunossuprimidos. “Aprendemos, porém, que o comportamento da Covid-19 no transplantado é parecido com a da população em geral. De qualquer forma, temos que ter muito cuidado para não transmitir a doença e para manter os serviços ativos. Existe uma população que continua precisando de transplantes.”

Experiência adquirida

Ao final do encontro, após algumas perguntas do público presente na transmissão, Medina propôs um epílogo em que os debatedores abordassem a forma com que estão lidando com as suas atividades em um momento tão delicado. Ele próprio apontou que nunca trabalhou tanto, mas que nunca se sentiu tão satisfeito em exercer a sua vocação médica.

“Temos uma atividade administrativa grande, organizando logística, protegendo colaboradores, pacientes e outros, além do atendimento na linha de frente, então estamos utilizando tudo o que aprendemos em seis anos de graduação e mais na Residência Médica. Jamais trabalhei e estudei assim”, resume.

Luciana Haddad afirmou que estes meses representam uma fase de aprendizado extremo, não só no que se refere à assistência, mas também às questões logísticas, organizacionais e gerenciais. “Há mais de 150 dias, temos reuniões diárias e muito trabalho, mas é uma oportunidade para reaprender, desde a Clínica Médica até a Infectologia. Cresci muito nestes três meses como profissional e como ser humano. [Esse período] Vai ficar na nossa história com todas as dificuldades e dores inerentes a uma pandemia dessa gravidade.”

Carneiro, por sua vez, se sentiu fora da zona de conforto. “Não vou dizer que não perdemos o sono, não saímos de nossa rotina. Mas a Covid-19 trouxe relevância a um aspecto muito importante: o da humanização. Tivemos muitas mortes e problemas, mas a humanização sairá mais forte.” O médico apontou que a solidariedade entre as equipes de Saúde, neste momento, além dos cuidados com os pacientes, se fortaleceu muito.

“Quando passamos por uma crise, como outros países já passaram, há um espírito de união e solidariedade, porque passam todos pelos mesmos problemas ao mesmo tempo. Você sente os medos e receios dos outros”, indicou Paulo Pêgo, que também reforçou a oportunidade de aprendizado, mas lembrou a angústia que afeta os médicos, temerosos por sua saúde e a de seus familiares.

José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM, trouxe à tona a sua juventude ao lado de Medina para tratar de uma mudança imposta pela Covid-19. “Nós éramos internos e

cruzávamos os corredores do hospital, para nós não havia barreiras, transitávamos em qualquer enfermaria. Não havia o que se convencionou, depois, a ser específico dessa ou daquela especialidade, era tudo Medicina, e bebíamos conhecimentos de todos. Esta pandemia vem acelerando esse processo de retornar a uma visão holística da prática médica.”

Na sequência, ele comentou sobre o cansaço e as dores de todos os médicos, que estão convivendo com muitos amigos em dificuldades e problemas de saúde, com perdas de pacientes e colegas. E contrapôs: “Mas, também não tivemos antes tamanha oportunidade de dar vazão à nossa compaixão, primeiro sentimento que nos levou a buscar uma escola de Medicina. O que podemos fazer como médicos é ajudar pessoas, aliviar sofrimento, e isso estamos praticando. É o que nos dá alento para superar as dores neste momento e nos preparar para um futuro que certamente será muitíssimo melhor, com mais possibilidades que víamos há seis meses”, concluiu Amaral.