A Síndrome de Burnout foi oficializada recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um estresse crônico, no local de trabalho, não administrado com sucesso. No dia 28 de outubro, o 22º Webinar da Associação Paulista de Medicina (APM) contou com a colaboração do psiquiatra Luiz Antonio Nogueira Martins para falar sobre a prevenção, os sintomas, o diagnóstico e o tratamento desta doença que afeta cada vez mais médicos e profissionais da Saúde.
Incluída na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que deve entrar em vigor em 1º de janeiro de 2022, Martins explicou que a Síndrome de Burnout é sinalizada por dimensões elementares de sensação de esgotamento ou exaustão de energia, aumento de distanciamento mental (afastamento emocional) do trabalho ou sentimentos de negativismo ou cinismo (ceticismo) e uma sensação de ineficácia e falta de realização.
“É um processo de degradação profissional que vai intensificando, como irritabilidade nas relações de trabalho, conflito com outros profissionais e usuários, ausências, afastamentos, licenças, excesso ou falta de confiança, erros intensos e acidentes, desde ferimentos perfurocortantes ou automobilísticos. Além de desenvolver com o passar do tempo certo ceticismo, negativismo e uma perda de capacidade de ter empatia ao sentimento alheio”, caracterizou o médico, que é Livre-Docente pela Escola Paulista de Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp).
Historicamente, o psicólogo alemão Herbert Freudenberger é considerado o precursor sobre o assunto na literatura científica. No primeiro momento, ele conceituou a síndrome como fenômeno de desgaste, facilmente observável em profissionais que trabalham diretamente com pessoas, estando expostos a pressões emocionais repetidas, durante um período prolongado.
Em 1980, a caracterizou como “estado de fadiga ou frustração derivado da devoção a uma casa, modo de vida ou relação que não produz a recompensa desejada”. “Na primeira descrição, Freudenberger relacionou Burnout como uma doença comportamental; na segunda, vivência emocional”, analisou Martins, que também é especialista em Psicopatologia e Psicoterapia.
Em 1981, as autoras Christina Maslach e Susan Jackson descreveram a doença como forma particular de estresse relacionado ao contexto social, em que os profissionais estão expostos de forma continuada ao impacto de uma relação interpessoal de cuidado, em condições frequentemente problemáticas ou conflitivas.
Quadro clínico e prevalência
São sintomas atribuídos à doença, no aspecto físico: fadiga, cefaleia, distúrbios gastrointestinais, alterações de sono e dores musculares; no aspecto psíquico: falta de concentração, humor depressivo, ansiedade, rigidez, ceticismo, desinteresse, baixa autoestima; e no aspecto comportamental: irritabilidade, absenteísmo, erros profissionais, disfuncional, antissociabilidade com consultas rápidas e rotulações depreciativas.
Estudos apontam que a prevalência de Burnout entre médicos fica em torno de 1,5 a 22%. Os médicos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) são os mais afetados. Nas UTIs adultas, os índices ficam entre 9% e 22%, enquanto nas UTIs pediátricas, ficam em 12%.
Os fatores de risco estão relacionados a longas jornadas de trabalho, ambientes insalubres, insuficiência de recursos técnicos e humanos. Residentes e profissionais em início de carreira são os mais afetados. Como forma de prevenção e intervenção, Martins recomendou levar em consideração o contexto ocupacional e a interação do profissional com o ambiente.
“Por exemplo, a remuneração não é muito vantajosa, no entanto, o local de trabalho é próximo da moradia do médico, faz com que releve alguns aspectos compensatórios. Se ele mora distante do local de trabalho, já é um fator possível para chegar estressado e amplificar os problemas já lá existentes. Por outro lado, se o ambiente é amigável e há colaboração entre todos, torna-se um local agradável. Quando condensam para um lado positivo, é compensador; quando todas possibilidades condensam para o lado negativo, é bastante prejudicial para o profissional”, sintetizou.
Martins reiterou a necessidade de as instituições desenvolverem programas de qualidade de vida, criação de equipes multiprofissionais, grupos de reflexão sobre a tarefa assistencial e serviços de consultoria psiquiátrica para melhorar as condições de trabalho. “É fundamental reduzir a burocracia, adequar a quantidade de pacientes atendidos ao número de profissionais e educar permanente os profissionais com reuniões científicas dos serviços, aperfeiçoamento/atualização e estímulo à participação em congressos”, acrescentou.
O especialista enfatizou: “O médico tem que admitir que é um ser humano com suas vulnerabilidades e limitações, refletir sobre necessidades e aspirações, desenvolver atividades físicas e de lazer e buscar ajuda profissional em situações difíceis”.
A reunião virtual foi coordenada pelo diretor Científico da APM, Álvaro Nagib Atallah, que compartilhou a própria história de vida, ainda residente, quando foi diagnosticado com Síndrome de Burnout. “Comecei a ter arritmias cardíacas, pensava ser um estresse momentâneo”, relembrou.
Por fim, o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, reforçou a necessidade de haver união entre médicos e profissionais de Saúde para melhor enfrentamento da doença. “Dez anos atrás, convivi com a Organização Mundial dos Profissionais da Saúde. A cada dois anos, especialistas e profissionais da Saúde se reuniam para definir projetos e colocá-los em prática. É importante reproduzir algo dessa natureza aqui no Brasil, especificamente sobre a saúde mental. Se não nos ajudarmos mutualmente, perderemos a chance de diagnosticar precocemente situações dessa natureza e intervir com mais efetividade na recuperação dos colegas.”