Tertúlia Acadêmica debate impacto social do desenvolvimento sexual

Na última quarta-feira, 12, foi realizada a edição de agosto da Tertúlia da Academia de Medicina de São Paulo em conjunto com a Associação Paulista de Medicina (APM)

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Na última quarta-feira, 12, foi realizada a edição de agosto da Tertúlia da Academia de Medicina de São Paulo em conjunto com a Associação Paulista de Medicina (APM). A aula, que aconteceu através da plataforma virtual Zoom, foi ministrada por Berenice Bilharinho de Mendonça, Professora Titular de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), apresentando o tema “O Impacto Social das Diferenças do Desenvolvimento Sexual”.

Moderador da Tertúlia, o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral ressaltou a importância da discussão. “É emocionante como a gente se descobre depois de muitos e muitos anos desvendando um mundo completamente diferente. Nós, médicos, temos o compromisso de olhar o mundo e a vida pelos olhos de nossos pacientes. Nós descobrimos que o universo vai além do XY e caminhamos para ter o que é desejado como diversidade”, disse.

Berenice iniciou a aula relembrando o Banquete de Platão, texto escrito 380 a.C., que conta a história de amigos que se reúnem para um banquete e combinam de se encontrar novamente. Durante a ocasião, eles decidem aproveitar o tempo falando sobre o amor. Na visão do grupo, o desenvolvimento do amor surge da união de dois corpos. A partir da análise deste corpo, os deuses consideraram aquela criatura muito poderosa e decidiram dividi-la em duas partes, criando o homem e a mulher e desenvolvendo a procura de uns aos outros.

Desta forma, a professora evidenciou como surgiu o desenvolvimento sexual e psicossexual nos seres humanos. O primeiro é um processo dinâmico, regulado por genes e hormônios, resultando no desenvolvimento dos órgãos sexuais internos e externos. Já o segundo, uma diferenciação dos ovários ou testículos, evidenciando que o desenvolvimento de ambos os órgãos não está ligado ao desenvolvimento cerebral.

A médica descreveu que para existir um corpo feminino ou masculino o processo se inicia quando termina o desenvolvimento cromossômico e que não são os cariótipos X ou Y que fazem os indivíduos desenvolverem um corpo ou uma identidade feminina ou masculina.

“Em algumas situações clínicas, existe a manifestação, no mesmo indivíduo, do tecido testicular e ovariano. O paciente acaba desenvolvendo testículos e um útero. A nomenclatura para esta condição mudou muito ao longo do tempo, com o objetivo de não causar constrangimento aos pacientes. Primeiro foi intersexo, depois sexo reverso, hermafroditismo, distúrbios do desenvolvimento sexual e ultimamente a gente usa o termo ‘diferenças do desenvolvimento sexual’, porque é isso o que são essas alterações.”

O desenvolvimento sexual se classifica como uma condição congênita na qual o desenvolvimento cromossômico, gonadal ou genital é atípico e possui três etapas. A primeira, é a determinação sexual, ou seja, o desenvolvimento da gônada; a segunda é a diferenciação sexual, que é o desenvolvimento dos genitais; e a terceira é a diferenciação cerebral.

No entanto, a abordagem para esta questão ainda é vista como grande dificuldade para os profissionais médicos, que muitas vezes não conseguem transmitir informações sobre a genitália atípica devido à complexidade do tema. Além disso, há questões sobre como irão designar o gênero, as formas de tratamento hormonais e cirúrgicas disponíveis para estes pacientes e ainda preocupação com a vida sexual e fertilidade futura.

Existe, ainda, a preocupação por parte dos familiares. “A gente fez um questionário para entender quais são os principais problemas que essas famílias enfrentam. O primeiro é a questão do preconceito. 82% das mães entrevistadas disseram ter medo do que a sociedade pode fazer com os seus filhos. O segundo é a questão da fertilidade, se o filho vai ter algum distúrbio em relação a sua identidade de gênero. E sobre os pacientes também, 75% fala sobre o preconceito. A genitália é mantida em segredo, até dentro da própria família, o que torna muito difícil para que a situação e o tratamento sejam vistos como algo natural.”

Para falar sobre o desenvolvimento psicossexual, a médica também dividiu o termo em três partes. A identidade de gênero, o papel de gênero e a orientação sexual, visto que o desenvolvimento destas três características possui influência genética, hormonal, familiar e social.

“A diversidade de gênero se caracteriza por indivíduos nascidos com órgãos sexuais típicos e variações no comportamento sexual padrão. Existe a transexualidade, que é quando o indivíduo apresenta um desconforto com o sexo de seu nascimento e o sentimento de inadequação no papel social deste gênero. E há a travestilidade, situação na qual o homem se veste com roupas e acessórios femininos porque sente o prazer emocional ou sexual fazendo isso”, mencionou.

Questão de gênero no esporte

A área dos esportes olímpicos é uma das que mais apresentam questões ligadas ao desenvolvimento sexual. Um dos fundamentos principais dos esportes é o de que todos os indivíduos são livres para praticá-los. Se observou, no entanto, que há prevalência de mulheres com cromossomos XY, com altos níveis de testosterona, que passam por grandes constrangimentos.

“A diferença no desempenho atlético entre homens e mulheres é conhecida por ser predominantemente devida a níveis mais altos de hormônios androgênicos nos homens, resultando em um aumento de força e desenvolvimento muscular. Para tentar tornar a competição mais justa, foi designado que atletas femininas estariam qualificadas para participar de jogos, como as Olimpíadas, caso estivessem de acordo com algumas condições”, mostrou.

As condições envolviam ter níveis de testosterona abaixo da faixa masculina normal ou ter níveis andrógenos com resistência, ou seja, sem apresentar nenhuma vantagem competitiva. “Isso perdurou até o ano de 2014, quando uma atleta indiana escreveu uma carta que tocou bastante as pessoas do comitê. Ela evidenciava que as suas condições hormonais não mudavam quem ela era. Ela havia nascido, sido criada e se identificava como mulher, por isso, gostaria de representar o país dela nos jogos sem precisar fazer um tratamento hormonal que colocasse a sua vida em risco, pois ela havia treinado a vida inteira segundo todas as normas e aquelas condições às quais mulheres com as mesmas características que ela eram submetidas simplesmente não eram justas.”

Berenice trouxe para debate a questão de transexuais no esporte. Ela contou a história de Tiffany, jogadora de vôlei que teve que enfrentar os estigmas da sociedade e das próprias colegas de profissão por ser transexual. “Ela foi pioneira e nos faz pensar em um mundo mais inclusivo. Porém, por ter sido a primeira, a sociedade e a imprensa não souberam lidar. Só que ninguém escolhe ser trans, o indivíduo nasce assim, e até durante a transição é um processo longo, doloroso, repleto de julgamentos. Nós precisamos pensar em um mundo mais inclusivo para as pessoas trans.”

A palestrante encerrou a sua palestra afirmando que conhecimentos dos processos biológicos contribuem para compreender e aceitar as diversas diferenças da natureza e dos seres humanos, pois apenas o respeito pelas diversidades pode ser capaz de tornar a sociedade mais completa e feliz.