Representantes da ABMM realizam palestra na Faculdade de Medicina da USP

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) recepcionou - na última segunda-feira, 22 de agosto - representantes da Associação Brasileira de Mulheres Médicas (ABMM) para a realização de uma aula acerca do tema “Doenças que se apresentam de forma diferente em homens e mulheres"

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A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) recepcionou – na última segunda-feira, 22 de agosto – representantes da Associação Brasileira de Mulheres Médicas (ABMM) para a realização de uma aula acerca do tema “Doenças que se apresentam de forma diferente em homens e mulheres”.

A palestra, liderada por Marilene Rezende Melo, aconteceu na sala da Congregação da Universidade, reunindo estudantes, professores, o diretor da instituição, Tarcísio Eloy Pessoa de Barros Filho, e o coordenador da graduação, Milton de Arruda Martins.

Ao iniciar a apresentação, Marilene salientou a importância de se falar sobre quais são as principais doenças que se apresentam de formas distintas nas mulheres e nos homens. A especialista relembrou que, em 1995, em Pequim, aconteceu a Quarta Conferência Mundial Sobre as Mulheres, evento decisivo para determinar que em todas as atividades sociais, econômicas, culturais e, principalmente de Saúde, fosse referenciado o gênero feminino.

“A sintomatologia dos sexos é muito diferente, fazendo com que morressem muito mais mulheres do que homens. Isso acontecia porque a mulher não sente uma dor forte como o homem em casos graves. Ela sente uma dor no braço, na mandíbula, náuseas, automaticamente atribuindo os sintomas a condições não graves. Desta maneira e sem procurar ajuda profissional, os casos se agravavam e essas pacientes acabavam indo a óbito”, explicou.

Cardiologia  

Responsável por apresentar temas relacionados à saúde cardiovascular na mulher, foi convidada a presidente da ABMM, Elizabeth Giunco Alexandre. Para a médica, o encontro em Pequim representava um dia histórico para a Associação, de modo que a Cardiologia teve um papel de protagonismo na caminhada da Medicina para a atenção às diferenças de sexo e de gênero.

“Durante a pandemia, a Covid-19 despertou uma atenção ainda maior em relação à interação de sexo e gênero na saúde e na doença, visto que os homens, apesar do mesmo agente etiológico, eram mais vulneráveis à miocardite infecciosa ou pós-vacinal, despertando a necessidade de investigar tais situações e caminhar neste sentido”, descreveu.

A especialista detalhou que, conforme estudos publicados no periódico Circulation Research, é importante que os profissionais da área da Saúde parem de usar o termo “atípico” ao descreverem situações que ocorrem com as mulheres. Isso porque as situações representam, na realidade, uma privação de conhecimentos sobre a dor na mulher e as consequências por ela trazidas, já que nos insights clínicos frequentemente há uma predominância da amostra masculina em detrimento da feminina.

Além disso, há um impacto muito forte de sexo e gênero em relação a determinadas condições, como insuficiência cardíaca, cardiopatias, cardiomiopatia periparto – que é uma doença específica do sexo feminino, com considerações únicas –, cardiomiopatia do estresse e AVC. Sendo assim, é possível constatar que mulheres enfrentam uma carga desproporcional de mortalidade e incapacidade após sofrerem acidente vascular cerebral.   

“A sugestão é incluir no currículo das escolas médicas os programas de treinamento e prática clínica. Precisamos facilitar a integração de aspectos de sexo e de gênero para os professores, conscientizar lideranças para obter a informação mais atualizada que está amplamente difundida e, por fim, permitir a integração multidisciplinar, porque é isso que a Medicina de sexo e gênero é”, acrescentou a presidente da ABMM.

Para garantir que o estudo seja efetivo e possibilitar um avanço na prevenção de complicações cardíacas, é necessário trabalhar com fatores de risco específicos do sexo feminino, como menopausa, doença hipertensiva da gestação, diabetes gestacionais, parto prematuro, uso de contraceptivos hormonais, síndrome do ovário policístico, doenças inflamatórias e autoimunes – todas condições que estão relacionadas ao risco cardiovascular no futuro, além de determinantes psicossociais, como depressão, ansiedade, violência doméstica e abuso sexual.

“Vamos precisar nos dedicar muito e aprender sobre esses impactos, porque a Medicina de gênero é a Medicina de precisão. É uma abordagem emergente para tratamento e prevenção de doenças que levem em consideração a variabilidade dos genes, os ambientes e o estilo de vida, permitindo que médicos e pesquisadores prevejam com mais precisão quais estratégias de tratamento e prevenção para uma determinada doença funcionarão e em quais grupos de pessoas”, complementou.

Sono

Abordando as diferenças entre o sono na mulher e no homem, esteve presente a vice-presidente da AMBB, Fátima Regina Abreu Alves. A palestra da especialista iniciou destacando que o sono, em geral, tem função reparadora, de conservação de energia, importante para o processo de recuperação e para a questão imunológica.

De acordo com a Classificação das Desordens do Sono, a insônia é descrita como uma insatisfação com a qualidade e a quantidade de sono. A insônia crônica pode ocorrer cerca de três vezes por semana, por pelo menos três meses, trazendo prejuízo ao funcionamento diurno, atualmente vista como uma comorbidade com abordagem individualizada. A circunstância pode ou não ser apoiada pela farmacoterapia, culminando em um posicionamento de redução das drogas em 50% às mulheres, devido ao efeito residual e da farmacocinética de tais medicamentos.

“As mulheres têm maior propensão para desenvolver insônia já a partir da metade dos 30 anos. Algumas previsões mostram que na faixa etária entre 80 e 89 anos, há uma prevalência de 32% de insônia nas mulheres, enquanto o valor para os homens é de 20%. Além disso, ela é comum em pacientes com câncer de mama, não só pelo diagnóstico, mas relacionada ao tratamento, estando associada também em casos de ansiedade, depressão e fadiga, sendo observada na menopausa e em comorbidades, podendo precipitar ou até desencadear o risco de insônia nesta fase”, indicou.

As diferenças entre homens e mulheres são observadas também na função das vias aéreas superiores, em que a do sexo feminino é mais estável do que a do sexo masculino. Sendo assim, a mulher é menos predisposta à ocorrência da síndrome de apneia obstrutiva do sono. Desta maneira, nas respostas ventilatórias e estímulos químicos, os homens são mais suscetíveis. Ademais, a disposição de gordura no corpo dos homens tem um impacto direto na apneia, estando localizada frequentemente nas regiões abdominal e cervical.

“A mulher enfrenta desafios durante toda a vida por conta das variações hormonais, que começam com o primeiro ciclo menstrual. A transição hormonal feminina mensal aumenta o risco para distúrbios do sono e para alterações na cobertura do sono em diferentes fases da vida, levando ao aumento de despertares noturnos. Com isso, o que quero propor é que devem ser incluídas na avaliação perguntas relativas ao sono, é muito importante que se promova dentro das faculdades e dos serviços de pesquisa uma agenda de estudo de diferenças de sexo e gênero, levando em consideração o sono dos pacientes”, destacou.

Osteoporose e obesidade

A secretária-geral da ABMM, Eliza Maria Moreira Garcez, assumiu a palavra em seguida, para falar sobre osteoporose. De acordo com a médica, a condição é mais diagnosticada na mulher, pois é mais comum pedir densitometria óssea para este grupo, principalmente na fase pré-menopausa, enquanto no caso dos homens, o exame não é tão regularmente solicitado.

“A ocorrência da osteoporose no homem está calculada, mais ou menos, nos 70 anos. Mas, apesar de ter menos ocorrência do que na mulher, as fraturas nos homens são mais graves. Os homens têm sido subdiagnosticados. Então, acho que a Medicina de sexo merece, pela sua importância, ser estudada e ensinada nas faculdades”, disse.

Logo após, a conselheira fiscal da Associação, Francy Reis da Silva Patrício, fez uma breve apresentação a respeito do que se entende como obesidade, destacando que o distúrbio se define como o aumento do tecido adiposo no organismo, prejudicando pacientes e se classificando como um assunto que preocupa a Organização Mundial da Saúde – principalmente ao levar em consideração o número de jovens e crianças afetados.

“É necessário entender que a distribuição de gordura corporal também é diferente na mulher e no homem. Nas mulheres, é mais subcutânea, enquanto no homem é mais abdominal, concentrada nas vísceras. Além disso, as doenças relacionadas à obesidade se diferem, já que no sexo feminino são observadas mais pedras na vesícula, hemorroidas e colesterol alto, sendo que no homem está relacionada à pressão arterial, doenças coronarianas, cerebrovasculares e apneia do sono. São locutores muito importantes a serem encarados como fator de risco”, relatou.

Pediatria

Também conselheira fiscal da Associação Brasileira de Mulheres Médicas, Magda Maria Sales Carneiro Sampaio foi responsável por falar sobre as principais diferenças nas manifestações de doenças entre o sexo masculino e feminino, trazendo uma abordagem do ponto de vista pediátrico. Conforme a explicação da médica, estudos demonstram que a morbimortalidade, particularmente a mortalidade por infecções no período neonatal, é muito maior em meninos.

A descrição das imunodeficiências, atualmente chamadas de erros inaptos da imunidade, estão ligadas ao cromossomo X e trazem diversas respostas imunes codificadas. Se relacionam diretamente à suscetibilidade de homens e meninos terem maior tendência de complicações infecciosas, como foi observado durante o pico da pandemia de coronavírus, por exemplo. Por outro lado, no caso de meninas e mulheres, há uma tendência maior para doenças autoimunes.

“Temos outras situações em que existem diferenças citadas, como na puberdade. A questão maior em um número significativo de meninas e que preocupa muitas famílias, pediatras e endocrinologistas é a da puberdade precoce, que vem acontecendo em meninas de seis, sete anos. Por outro lado, nos meninos o problema se dá pelo retardo no aparecimento dos caracteres sexuais e secundários do estirão do crescimento”, esclareceu.

Além disso, outra diferença notável entre meninas e meninos pode ser observada em relação ao número de casos de infecção urinária, muito mais comum em pessoas do sexo feminino. “As ações preventivas durante as duas primeiras décadas da vida são muito importantes e nós temos essa preocupação.”

Importância do projeto

Finalizando a apresentação, Marilene Melo pontuou que está em trâmite um projeto de lei impondo que todas as faculdades de Medicina do estado de São Paulo devem colocar um capítulo de clínica médica a fim de ensinar aos alunos as diferenças de gênero. E existe o intuito de levar o projeto para o nível federal, englobando escolas médicas ao redor de todo o País para transmitir o conhecimento acerca do tema.

Também foram distribuídos folders aos participantes, contendo orientações sobre as principais doenças que se apresentam de forma diferente entre homens e mulheres, de que maneira elas acontecem e as principais formas de prevenção. Além disso, a Faculdade de Medicina da USP recebeu o livro Principles of Gender-Specific Medicine: Gender in the Genomic Era, da autora Marianne J. Legatto, especialista em Medicina de Gênero.

“Vamos ter que repensar o ensino da Medicina nos próximos anos e décadas, porque as diferenças entre sexo e gênero estão cada vez mais claras. Temos a Medicina de precisão, em que teremos que mudar o enfoque e insistir muito mais com os nossos alunos sobre um cuidado cada vez mais específico, relembrando que cada pessoa é diferente da outra e que o médico precisa ter isso claro. Dou parabéns a todas por esse trabalho fantástico”, concluiu Milton Martins.

Texto: Julia Rohrer

Fotos: Marina Bustos