Em mais uma edição de seu webinar, na última quarta-feira (18), a Associação Paulista de Medicina debateu os temas “Medicina e Espiritualidade e Psoríase – uma abordagem sistêmica, além da pele”, em parceria com as Regionais Presidente Prudente e Americana e apresentado por José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM.
Juliana Christina Kuhn Medina e Gisele Alborghetti Nai, respectivamente presidente e diretora Científica da APM Presidente Prudente, foram moderadoras do evento e apresentaram o palestrante Eduardo Vinicius Mendes Roncada, professor da Faculdade de Medicina do Oeste Paulista (Unoeste). Pela APM Americana, foram moderadores o presidente Renato Monteiro e o diretor Científico Auro Giorgi Ferreira Nobre. A palestra ficou a cargo de Alexandre Moreira Almeida, professor associado de Psiquiatria e diretor do Núcleo de Espiritualidade e Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Psoríase
“Psoríase, doença crônica que afeta 3% da população e possui comportamento sistêmico, além das lesões, pode conter outros comprometimentos, inclusive ter repercussões orgânicas e psicológicas, devido às lesões que causa. Por conta disso, o tratamento precoce é adequado devido às complicações”, iniciou a diretora científica da APM Presidente Prudente.
Na sequência, Eduardo Roncada trouxe suas observações sobre a doença, causas, tratamento e principais fatores de risco. A psoríase é uma doença inflamatória crônica, imunomediada, multifatorial, de herança poligênica e de ocorrência universal, causando impacto negativo na qualidade de vida física e socioemocional. Segundo o especialista, 80% das lesões ocorrem na forma de placas leve a moderada, e nos outros 20% de pacientes, na forma grave.
“No mundo, 2% a 4% da população convivem diariamente com a psoríase. Entretanto, sua prevalência é variável, podendo chegar a 9, 10 e até 11% em países como Itália, Noruega, Dinamarca e o Reino Unido. No Brasil, até 3% da população pode ser envolvida pelos estudos mais recentes, dos quais 33% desenvolvem artrite psoriásica. A doença afeta igualmente homens e mulheres, com pico de incidência dos 15 aos 20 anos e dos 55 aos 60”, ressalta Roncada.
O palestrante explica que a doença está associada a inúmeras comorbidades. Clinicamente, a psoríase se manifesta com placas descamativas cujo eritema varia de cores claras a vermelho rubro, com escamas finas a mais grossas, aderentes e crostosas, atingindo diversas áreas como couro cabeludo, extremidades, envolvimento articular, unhas, descolamento onicólise e a região de dobras.
“Vários fatores ambientais podem atuar como gatilhos, agravantes ou desencadeantes, entre eles o tabagismo, alterações do microbioma e pele, medicamentos como betabloqueadores e inibidores, o que promove um distúrbio nos queratinócitos que, de início, já secretam o fator de necrose alfa e várias citocinas pró-inflamatórias”, salienta.
A doença cutânea pode ter um amplo espectro de manifestações clínicas, sendo que 100% dos indivíduos em algum momento apresentam psoríase em placa; o couro cabeludo é envolvido em 40% a 90%; 50% têm lesões nas unhas; 30% a 41% desenvolvem artrite; e 5% a 25% têm comprometimento do esqueleto axial.
Em 2016, a Organização Mundial da Saúde definiu a psoríase como uma doença de grande impacto na qualidade de vida de seus portadores, de cursos crônico e imprevisível, associado a comorbidades, e que muitos pacientes sofrem desnecessariamente devido a diagnósticos incorretos ou atrasados, mostrando a necessidade do tratamento precoce.
“Eu costumo comparar a psoríase com um vulcão, prestes a entrar em erupção. Na doença, sabemos o que é físico, dor e comorbidades, mas partindo para os aspectos invisíveis, sociais e emocionais, podem evoluir para fadiga, isolamento social, ideal suicida, insônia, ansiedade e depressão”, conta.
O impacto social da doença é aferido pelo DLQI, índice de qualidade de vida, sendo que o desgaste psicossocial leva à ansiedade, depressão e constrangimento. Seus portadores têm vergonha das lesões, principalmente quando estão situadas em áreas de fácil visibilidade, o que prejudica interação e relacionamento social, levando o paciente ao isolamento e afetando negativamente atividades de lazer, práticas esportivas, trabalho e estudo.
“De acordo com estudos, a psoríase só perde em desgaste na qualidade de vida para as neoplasias malignas, estando ao lado das doenças cardiovasculares e à frente dos distúrbios visuais e diabetes”, destaca.
Espiritualidade e Saúde
Alexandre Almeida foi o segundo palestrante da noite, trazendo dados e explicações sobre a polêmica ligação entre espiritualidade e Saúde. “É um assunto de vanguarda, apesar de não ser novo, traz muitas vantagens para a prática médica, e acrescenta mais empatia e humanidade na relação entre médico e paciente”, ressaltou Auro Nobre, na apresentação do especialista.
Almeida define a espiritualidade como a nossa relação ou contato com a dimensão transcendente da realidade, que é considerada sagrada. E a religião, o aspecto institucional ou comunitário da espiritualidade, como um conjunto de crenças, experiências e práticas relacionadas ao transcendente e ao sagrado. No Brasil, cerca de 5% das pessoas preferem não ter religião e 10% frequentam mais de uma.
Segundo os dados mais recentes sobre a religiosidade da humanidade, mais de 84% possuem alguma filiação religiosa e 16% preferem não ter nenhuma religião. “Ao contrário do que se imagina, o grupo de pessoas sem religião no planeta está diminuindo. Segundo projeções, o índice de 16% irá cair para 13%”, salienta.
De acordo com pesquisas publicadas pela Universidade de Oxford, após revisar mais 3.300 estudos sobre o tema, maiores níveis de frequência à religião estão geralmente associados a menores níveis de depressão ou recuperação da doença, menores taxas de comportamento suicida, tentativa ou morte por suicídio, menor uso ou abuso de substância e maior qualidade de vida, bem-estar e expectativa.
Embora ocorra com menor frequência, a religiosidade também gera potenciais efeitos negativos. “Um exemplo é o abandono de tratamentos devido a questões religiosas, o que pode ser uma causa de problema de saúde”, explica o médico.
Há vários mecanismos pelos quais a espiritualidade pode impactar o estilo de vida, sendo eles comportamento saudável, suporte social, sistema de crenças, enquadramento cognitivo e prática religiosas. “Um dos mecanismos mais importantes de como a espiritualidade atua na saúde é o coping religioso, que se baseia em como a pessoa enfrenta problemas, sendo de modo positivo ou negativo”, completa.
O especialista ainda enfatiza que o conceito é muito polêmico, pois as pessoas não aplicam na prática clínica, muito porque não foram treinadas na faculdade e residência médica e não têm o devido conhecimento das evidências. “Por outro lado, há evidências de que se for coletada a história espiritual em pacientes clínicos, há melhora do vínculo e satisfação desses pacientes”, ressalta.
Alexandre Almeida também trouxe observações sobre um famoso questionário para coletar a história espiritual, o FICA. Trata-se de um acrônimo, cada letra é uma pergunta que deve ser feita: Fé, importância e influência, comunidade e abordagem do cuidado. Por fim, cabe ao médico aplicar esse conhecimento e explorar com o paciente recursos benéficos de sua própria espiritualidade para lidar com o problema.
“Uma das razões para abordar a religiosidade com pacientes é o impacto na saúde, no prognóstico. A maioria dos pacientes deseja que esse tema seja abordado e faça parte de uma avaliação abrangente. Devo abordar de modo ético, jamais impondo perspectivas e visões, mas sempre buscando entender seu ponto de vista”, finaliza.
Debate
“Foram dois assuntos de extrema importância, que apesar de distintos, foram totalmente interligados. Complementando, vemos muito o conceito de espiritualidade ser aplicado na Obstetrícia, na dificuldade ou impossibilidade da gravidez, aborto ou má formação do bebê. A religiosidade é de extrema importância na aceitação, tratamento e evolução da criança”, afirmou Juliana Medina.
“Ambos os temas são muito palpitantes e pouco discutidos. Já atendi pacientes tomados pela psoríase e não sabia o que fazer. A religiosidade é tratada como tabu há muito tempo e hoje muitas pessoas já trabalham com esse conceito”, enfatizou Renato Monteiro.
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