O poeta inglês do século XVIII Samuel Johnson dizia que na vida há duas certezas: a morte e os impostos. Apesar de considerar a síntese do ensaísta correta, Ronaldo Fernandes Rosa, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, adiciona um terceiro item para os médicos. Todos os profissionais, acredita, tratarão de pacientes com doenças ateroscleróticas – que estão intimamente ligadas ao envelhecimento.
A releitura foi feita durante a tertúlia de setembro da Academia de Medicina de São Paulo, realizada na última quarta-feira (11), na sede da Associação Paulista de Medicina, em que Rosa ministrou a palestra “Dislipidemia do idoso”. Sobre as doenças ateroscleróticas, o especialista relativizou a ideia de que sejam enfermidades de nosso tempo.
“Por muito tempo disseram que ocorriam por nossa alimentação, estresse, etc. Mas um estudo de 2013 destacou a aterosclerose ao longo de 4.000 anos de história. Fizeram ressonância em múmias do Egito e da América Latina e foi possível detectar placas calcificadas em várias partes. Ou seja, já se morria de doença aterosclerótica mesmo sem a vida de hoje. Fez-se, inclusive, um estudo para estimar as idades das múmias, e foi visto que quase 35% das acometidas estavam abaixo dos 30. É uma doença que persegue a humanidade há milênios e o estilo de vida ocidental foi apenas um fator a mais”, descreveu Rosa, que também é diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).
Sobre as ações da sociedade em que vivemos, o palestrante destacou a internet como elemento influenciador no uso da estatina, fármaco utilizado no tratamento das dislipidemias. Um estudo partiu da pergunta se o Google estava fazendo a intolerância à estatina crescer. “E a resposta encontrada é a de que nos países onde os pacientes utilizam o Google, há mais propensão a encontrar sites sobre os efeitos colaterais da estatina, resultando em níveis de intolerância maior.”
Paciente idoso
A evolução científica traz uma mudança de paradigma, e hoje quem tem 80 anos ainda possui um tempo aproximado de oito anos de sobrevida. Quem chega aos 85, deve viver ainda mais seis, e quem passa dos noventa, mais três (homens) ou cinco (mulheres). Desta maneira, o professor da Santa Casa entende que todos os pacientes merecem ser tratados.
“A diretriz europeia deixa a cargo do médico e seu julgamento clínico se vale a pena tratar pacientes com mais de 80 anos. Eu entendo – por conta das avaliações e estudos, mesmo considerando um número não muito grande de pacientes – que vale a pena tratar os que justifiquem a expectativa de vida”, argumenta. Rosa mostrou, na sequência, que no primeiro semestre deste ano foram incluídas menções a esse cenário na 3ª edição das Diretrizes em Cardiogeriatria.
Ele também mostrou que é possível realizar um trabalho adequado no Sistema Único de Saúde, como o do ambulatório de lipídios da Santa Casa de São Paulo. “Só utilizando medicamentos disponibilizados pelo SUS, tivemos resultados de acompanhamento com taxa de efeitos adversos absolutamente não significativa. É possível fazer isso no mundo real.”
“Por fim, fica a pergunta: será que um idoso de 90 anos deve ser tratado? A idade em si não é fator limitante, convém realizar análise sobre funcionalidade e prognóstico. Estando sempre atento para: o grau de risco para estratificar o risco cardiovascular; as peculiaridades da abordagem no estilo de vida; as interações medicamentosas e a função renal para tratamento farmacológico, considerando que o idoso normalmente já tem essa função comprometida.”
José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Academia de Medicina de São Paulo e da Associação Paulista de Medicina, acrescentou: “Percebi que esses fatores de risco cardiovascular, como sedentarismo, dieta e estresse, são muito dinâmicos. Então, nossa meta com relação ao tratamento das alterações lipídicas também tem que ser dinâmica, e adequada para a circunstância daquele momento”.
Texto: Guilherme Almeida
Fotos: Marina Bustos