Os primeiros indícios de uma possível nova Reforma Tributária no Brasil aconteceram em 2017. Desde então, a Associação Paulista de Medicina tem se apresentado ativamente contrária a qualquer proposta que gere aumento de impostos e cause prejuízo aos médicos e pacientes. Neste sentido, o tema vem sendo foco de diversas ações, reuniões, webinars e publicações nos diversos canais de comunicação da APM.
Entre as propostas mais relevantes sobre o tema, destaque para as PEC 110/2019, do Senado, e PEC 45/2019, da Câmara, que criam o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS). Além disso, há os PL 3.887/2020, que visa unificar PIS/ Cofins em uma só contribuição social (chamada CBS), e PL 2.337/2021, de reforma do Imposto de Renda, ambos do Poder Executivo.
Até o fechamento desta edição, a PEC 110/2019 – que era o projeto mais ativo – seguia paralisada no Senado Federal, com a promessa de não ser mais votada em 2022. Trata-se de uma importante vitória da classe médica e do setor de Serviços, após intensa mobilização em defesa da população, que seria a grande prejudicada com um aumento nos impostos. Ao que tudo indica, o assunto só voltará à cena em 2023, após as eleições e posse dos novos integrantes das casas legislativas e da Presidência da República.
O diretor de Defesa Profissional da APM, Marun David Cury, enfatiza que os médicos não são contrários a melhorias no complexo sistema tributário brasileiro, mas defendem que seja feita uma reforma administrativa antes da tributária, e que esta ocorra de forma a beneficiar as pessoas, e não aumentar os impostos. “É preciso discutir com a sociedade antes de levar adiante propostas sobre os temas, e fundamental que o País se reorganize administrativamente antes de alterar a arrecadação, já que atualmente não há sobras para investimentos.”
Prejuízos a todos
Para o economista e presidente da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse), João Diniz, se aprovada da forma como foi proposta, a PEC 110/2019 traria resultados catastróficos à Nação: “Qualquer reforma vai afetar positiva ou negativamente os setores fundamentais para a população, como a Saúde. O Brasil tem 43% de tributos sobre a folha de pagamento, o que é um absurdo. Para um país pobre e com 14 milhões de desempregados, é um absurdo maior ainda”. No segmento da Saúde, por exemplo, Diniz sinaliza que os atuais 3,65% de PIS e Cofins passariam para 12% com a unificação prevista pela PEC.
E mesmo com algumas compensações, significaria um efetivo aumento de carga tributária. “Para empresas do setor de Saúde, não existe carga intermediária para haver qualquer tipo de compensação, então seria trágica a aprovação do projeto nos moldes que está sendo pensado.
O economista corrobora com a ideia de que é possível ter alternativas às PECs 45 e 110, de forma menos
prejudicial. Uma delas é o Imposto sobre Movimentação Financeira, que colabora para identificar sonegações e informalidades, atingindo a todos de forma análoga e se classificando como uma movimentação linear. Outra possibilidade é a proposta Simplifica Já, que nacionaliza a legislação do ICMS e ISS, uniformizando as regras e taxas.
Na opinião do economista e vicepresidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcos Cintra, é necessário encaminhar projetos que sejam abrangentes e envolvam tributos sobre consumo, renda e
folha de pagamentos nas empresas. Ele, que já foi secretário especial da Receita Federal, indica que a discussão está travada há anos pelo fato de não ser possível realizar uma reforma tributária satisfatória atendendo isoladamente os interesses de cada setor.
“É necessário um projeto que não agrida entes federativos e que leve em conta os efeitos setoriais da distribuição da carga de impostos. A saída seria a criação de uma comissão de especialistas e a participação de todos os agentes públicos e privados envolvidos no processo para se concretizar propostas que criem o mínimo de discordâncias. Algo impossível de se atingir do modo como o processo vem sendo tocado até agora”, destaca Cintra.
Mobilização conjunta
Marun Cury enfatiza a importância da união de todas as instituições e setores que tendem a ser afetados pela Reforma Tributária. O setor de Serviços, no qual estão inseridas as empresas médicas, seria intensamente afetado diante da aprovação das propostas atuais de reforma. A PEC 110/19, por exemplo, prevê um aumento de carga tributária médio de 13,3% – com uma alíquota estimada em 25%.
O projeto beneficia grandes indústrias, mas desfavorece prestadores de serviços, gerando um grande cenário de insegurança. O impacto que traria para o setor da Saúde seria devastador, uma vez que aumentaria a carga sobre serviços hospitalares, laboratoriais e planos de saúde, representando um custo de mais de R$ 18 bilhões para os consumidores, afetando tanto o setor público quanto o privado.
Para Marcos Cintra, a proposta é incerta e simboliza um salto no escuro ao propor leis complementares que ferem a Constituição Brasileira a fim de criar regimes diferenciados. “O setor de Saúde está citado no relatório apresentado como um dos que teriam esse regime diferenciado. Porém, não há indicações seguras referentes a quais segmentos seriam incorporados nessa situação, se apenas hospitais ou consultórios médicos também, muito menos quais seriam as alíquotas”, expõe.
É fundamental que a população também se manifeste contra a Reforma Tributária. De acordo com João Diniz, é possível pressionar senadores através do envio de cartas e e-mails. E acentua a importância de os setores se posicionarem por meio da distribuição de informações relevantes que indiquem as dimensões trágicas que as propostas atuais podem acarretar, caso aprovadas.
“A Cebrasse tem feito isso há meses, com diversos manifestos. Vários estudos sendo apresentados nos gabinetes em relação ao impacto que isso vai trazer ao setor de Serviços. Vale mencionar que boa parte da não-votação da Reforma se deve a essa troca de informação, mobilização e sensibilização de senadores em relação aos impactos nefastos das PECs discutidas”, explica o presidente da instituição.
Já Marcos Cintra ilustra que entidades patronais e de trabalhadores possuem um papel fundamental no
sentido de atuar em uma Reforma Tributária de acordo com o que o País necessita. “É preciso olhar o processo de construção de um novo sistema de tributos de forma sistêmica, visando redistribuir a carga de impostos incluindo os contribuintes que atualmente não pagam quase nada por conta da informalidade e sonegação. Nesse sentido, reforço a ideia de criar uma comissão de especialistas que possa avaliar todos os projetos em discussão e apresentar uma proposta ampla de reforma tributária, que efetivamente atenda os interesses do País, e não apenas de um ou outro grupo público ou privado.
Histórico de ações
A APM é uma das organizações com maior participação em ações sobre o assunto, fortalecendo a sua contrariedade a propostas de Reforma Tributária que prejudiquem a classe médica e a população. Ainda em 2017, a Associação participou de uma reunião na Fiesp a respeito do tema. Em 2019, a entidade apresentou o tema às sociedades de especialidades e levou as principais demandas dos médicos para o senador Jorginho Mello.
No ano seguinte, mesmo quando a pandemia alcançou o seu auge e o isolamento social se tornou necessário, a APM continuou se posicionando à frente do assunto. Entre muitas outras ações desenvolvidas desde então, participou de reuniões com o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos; realizou dois webinars sobre os impactos da reforma para a sociedade, com as participações de Mello e do senador Major Olímpio; e recebeu o senador Ângelo Coronel no fim de 2021, para tratar do projeto sobre o imposto de renda.
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
*Publicada na edição 732 – Junho/Julho de 2022 da Revista da APM