De acordo com levantamento da Associação Paulista de Medicina – São José do Rio Preto, divulgado nesta quinta-feira (29), em coletiva de imprensa virtual, um em cada dois médicos já sofreu agressão por parte de pacientes e familiares. A pesquisa – realizada entre 5 e 19 de março deste ano, via plataforma Survey Monkey, com a participação de 354 profissionais da região de São José do Rio Preto – aponta que as cenas de violência vão desde ataques físicos a psicológicos, passando por situações de assédio sexual.
“A agressão aos profissionais da Saúde, embora não seja novidade, é sempre muito pouco discutida. Nos cabe, nesse sentido, enquanto representantes da classe, pautar esse assunto, muitas vezes subnotificado, principalmente na situação que vivemos atualmente, de estresse social elevado por conta da pandemia”, destaca o presidente da Regional da APM, Leandro Freitas Colturato.
A primeira pesquisa exclusivamente com médicos de São José do Rio Preto foi motivada pelo aumento das denúncias informais de agressão levadas para a Regional da APM. Os números se aproximam de outros alarmantes, de pesquisas estaduais, sendo inclusive um dos maiores do Brasil.
No estado de São Paulo, 71,12% já sofreram algum tipo de violência no ambiente de trabalho, segundo levantamento do Conselho Regional de Medicina, de 2018, o que dava conta de que a taxa no estado era de 7 vitimados em cada 10. Em São José do Rio Preto, os dados apontam 55,08% casos de agressão.
Os dados da região também se aproximam aos do conjunto da América Latina: 66,70%, em 2015, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde. “Com isso, observamos que os nossos números são exponencias, escancarando a péssima e a dura realidade que os médicos da nossa região vivem. Sem dúvida nenhuma, é muito mais grave do que imaginávamos”, alerta Colturato.
Exemplos mundiais
O presidente da APM Estadual, José Luiz Gomes do Amaral, reitera que atenção à saúde é um direito fundamental do cidadão e um dever do médico trabalhar com todos os recursos disponíveis para oferecer uma assistência de qualidade. Eventualmente, dadas as dificuldades em ambientes de trabalho, muitas vezes não há consecução das finalidades, isso faz com que a violência se torne um problema constante.
Ao trazer exemplos de alguns países, ele acrescenta que a agressão não é uma realidade especificamente brasileira. “A primeira vez em que me choquei com essa situação foi em uma visita ao funcionamento de uma estrutura de trauma em Orlando, na Flórida, um lugar onde só se imagina que seja cercado de felicidades e de aproximações entre as pessoas. O primeiro atendimento era feito a uma distância enorme entre pacientes e profissionais de triagem, separados por uma mesa, além da vigilância hospitalar fortemente armada.”
Quando foi presidente da Associação Médica Mundial, Amaral relembra que em um dos eventos realizados em Londres, entre as discussões com os médicos do país estava a dificuldade dos profissionais de atender várias comunidades em função do ambiente de insegurança que cercava os serviços de Saúde.
“Em 2010, tive a oportunidade de acompanhar desta vez o impacto que a guerra ao tráfico causava na atenção à saúde dos mexicanos, tendo como consequência sequestro de profissionais e coações constantes a que eram submetidos; muitos se recusavam prestar serviços em determinados locais.”
Aqui no Brasil, compara o presidente da APM, as dificuldades atingem não só as regiões periféricas das cidades grandes, mas as localidades mais bem situadas sob o ponto de vista econômico, social e cultural. “Não conseguimos prover recursos humanos em quantidade e qualidade suficiente para atender as comunidades, além das denúncias de violência.”
Perfis e casos de agressão
São José do Rio Preto e região têm aproximadamente 2.500 médicos. Desta forma, os 354 que se propuseram a responder o questionário representam 15%, número evidentemente representativo. Com relação ao perfil dos pesquisados, 68% são homens e 32% mulheres, sendo a maioria (35%) com faixa etária entre 36 e 45 anos, seguido por 31%, com mais de 56 anos. Sobre o tempo de formação, 55,7% possuem mais de 20 anos de titularidade e 95% são especialistas.
Quando se especificam as agressões aos profissionais nos sistemas de Saúde, 57,63% dos casos são cometidos no SUS; 95,76%, nos atendimentos a pacientes de planos; e 96,5%, são usuários de assistências particulares. “Observamos que, na Medicina privada, assistências onde teoricamente os pacientes que usufruem do convênio possuem um nível socioeconômico e intelectual melhor, são os que mais causam agressão aos nossos colegas”, analisa Colturato.
Entre os entrevistados, 63,28% já assistiram cenas de violência física, psicológica e/ou assédio sexual contra algum profissional da saúde enquanto exercitava a profissão.
“Entendemos que é muito importante acharmos os pontos mais frágeis para que possamos diminuir esses dados. Em consonância, cada vez mais é perceptível que quanto mais tempo o médico tem de carreira, mais chance terá de presenciar ou ser vítima desses atos. Também temos um problema maior, que entendo como subnotificação porque, muitas vezes, o médico e o profissional da Saúde se sentem constrangidos em denunciar a violência”, assevera a diretora de Defesa de Classe da APM São José do Rio Preto, Paula Fialho Saraiva Salgado.
Crescimento dos casos
“Segundo a impressão dos médicos, esses números de agressão a profissionais vêm crescendo nos últimos anos. Estamos extremamente preocupados com esta questão percentual de toda a ordem, não só de agressão física, mas emocional. A pesquisa contribui para o acervo de problematizações que se tem hoje sobre a violência ao médico no Brasil”, enfatiza o presidente da Associação Médica Brasileira, César Eduardo Fernandes.
Fernandes reitera o compromisso da AMB no enfrentamento à violência, apoiando a iniciativa do Projeto de Lei 6.749, em tramitação na Câmara Federal, que prevê o agravamento de punições para que as agressões sejam tipificadas no Código Penal brasileiro.
O diretor de Defesa Profissional da APM Estadual, Marun David Cury, afirma que a população é vítima. Em um ponta, a saúde pública não satisfaz totalmente os anseios dos usuários. “Quem está na linha de frente, atendente, enfermeiro e médico, infelizmente, para muitos munícipes representam o prefeito, o secretário de saúde e assim por diante. E os usuários despejam a insatisfação em cima deles, criando situações danosas aos profissionais. Na outra ponta, a saúde suplementar, com a invasão por uma série de empresas que vendem a verticalização da assistência, obrigando o médico a atender em média oito pacientes e constrangendo os usuários, virou um gatilho para ascensão dos casos de agressão.”
No dia 27 de julho, a Associação Paulista de Medicina acionou os Ministérios da Justiça e da Saúde, o Governo do Estado de São Paulo, as Secretarias de Segurança Pública e Saúde, além da Procuradoria Geral de Justiça, requerendo providências urgentes para garantir a segurança dos profissionais de São José do Rio Preto e região.
“A Saúde tem suas mazelas. Nós, médicos, somos atores desse cenário, não somos responsáveis por essas dificuldades dos sistemas público e suplementar, não somos responsáveis pela gestão da saúde nem pela formulação de políticas de saúde, somos trabalhadores da saúde, somos tão vítimas quanto eventualmente são os pacientes, frustrados enquanto às suas expectativas com relação à saúde”, conclui Fernandes.