Em mais uma edição de sua tertúlia acadêmica, a Academia de Medicina de São Paulo (AMSP) teve palestra de Marilene Rezende de Melo, sobre o tema “Doenças que se apresentam de formas diferentes em homens e mulheres”, na última quarta-feira (11). O evento híbrido – realizado no espaço Maracá da Associação Paulista de Medicina (APM), com transmissão on-line – foi apresentado por José Luiz Gomes do Amaral, presidente da AMSP e da APM.
Especialista em Patologia Clínica e vice-presidente da Associação Brasileira de Mulheres Médicas (ABMM), a acadêmica Marilene Melo iniciou sua apresentação relembrando o início das discussões sobre saúde e gênero nas principais entidades médicas do mundo. A igualdade de gênero na Saúde garante que homens e mulheres, ao longo de toda a vida, tenham as mesmas condições e oportunidades para uma vida saudável, contribuindo para o desenvolvimento da Saúde de forma geral.
“Em 1995, em Pequim, ocorreu a 4ª conferência mundial de mulheres, em que foram discutidos assuntos relacionados à saúde das mulheres. Depois de dias de congresso, a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou que fossem estabelecidas e realizadas iniciativas em prol da saúde de homens e mulheres. A partir deste momento, começaram a surgir programas de Saúde voltados para o assunto e, no ano de 2015, a disciplina de Diferenças de Gênero já estava presente na grade de diferentes faculdades de Medicina dos Estados Unidos”, informou a palestrante.
Apesar da existência de diversos estudos e anos de discussões sobre o tema, algumas polêmicas ainda são levantadas em relação à conceituação de sexo e gênero. Desta forma, Marilene enfatizou que sexo se refere à diferenciação biológica como cromossomas, perfil hormonal, órgãos sexuais internos e externos. Já o conceito de gênero está relacionado aos atributos socioculturais do sexo biológico.
Doenças frequentes
Segundo dados apresentados pela acadêmica, no Brasil, as doenças cardiovasculares – como infarto, AVC e síndrome do coração partido – matam duas vezes mais mulheres do que o câncer de mama. Ainda, afirmou que a cada 10 mortes por infarto, seis são em mulheres. Destacou também que os sintomas podem se manifestar de formas diferentes: nos homens, pode haver uma dor forte no peito, e nas mulheres, pode haver dor na mandíbula, nos braços e nas costas.
Na epidemiologia do Acidente Vascular Cerebral (AVC), observa-se que as mulheres são proporcionalmente mais afetadas (53,5% dos eventos são notificados em pessoas do sexo feminino), com maior risco de sofrer um AVC ao longo da vida, sendo a terceira causa de morte entre elas, e a quinta em homens.
Marilene Melo ressaltou que, para casos de doenças cardíacas, o perfil lipídico é recomendado, pois os resultados são avaliados em conjunto com outros fatores de risco, com o intuito de desenvolver um plano de tratamento e acompanhamento médico. De acordo com pesquisas apresentadas, o resultado do tratamento realizado nos homens é significativamente melhor, com índices de 26%, versus 11% das mulheres.
Entre os fatores de risco abordados pela palestrante, destaque para a dislipidemia (níveis elevados de gordura no sangue), privação de sono e osteoporose. De acordo com ela, apesar de ocorrer em ambos os gêneros, a osteoporose tem maior incidência nas mulheres, principalmente após a menopausa, consequência da queda do hormônio estrogênio, responsável por equilibrar a saúde dos ossos nas mulheres.
Podendo aumentar o risco para diversas doenças, a privação de sono atinge principalmente mulheres na fase pré-menopausa. A especialista ressalta, ainda, que pessoas que dormem menos de cinco horas por noite podem sofrer elevação no nível de ácidos graxos, causando redução da ação da insulina no organismo e aumento das chances de desenvolver diabetes tipo 2. “As mulheres relatam que precisam de mais sono, porém têm maior débito, e são mais propensas a ter sintomas de insônia e apresentam taxas mais altas de apneia do sono.”
Doenças multifatoriais
Dando continuidade à palestra, a acadêmica ressaltou a importância do cuidado com os olhos, e os fatores que influenciam nas doenças oculares e afetam mais as mulheres, como esteroides, hormônios pituitários, glicocorticoides, insulina, fatores genéticos ligados aos cromossomos sexuais e fatores autossômicos específicos do sexo e epigenética.
“De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), grande parte dos cegos no mundo é composta por mulheres. Catarata, diabetes e degeneração macular relacionada à idade são as causas de perda gradual da visão central em pessoas acima de 50 anos. Vale ressaltar ainda que em agressões domésticas, face e olho são atingidos com frequência, se tornando, infelizmente, um fator de risco importante para as mulheres”, destacou.
Assim como a gravidez, o período da menopausa também traz diversas mudanças e até mesmo incômodos para o corpo, inclusive os olhos. É comum a mulher ter a síndrome do olho seco, sensibilidade à luz e coceira nos olhos. Esclerose múltipla, artrite reumatoide, lúpus e síndrome de Sjögren também são algumas das doenças que comprometem a visão das mulheres com mais frequência. “Por outro lado, outras doenças oculares são mais identificadas em homens, entre elas sífilis ocular, necrose retiniana aguda e progressiva”, complementou Marilene.
Abordando a questão da dor – considerada uma experiência multifatorial e podendo ser influenciada pela cultura, idade, gênero, emoções, estado cognitivo e expectativas -, disse ser mais intensa e frequente nas mulheres, que tendem a fazer maior uso de analgésicos e a desenvolver dores crônicas ao longo da vida.
A palestrante da tertúlia ainda fez uma breve observação sobre as doenças imunológicas, salientando que há diferenças entre os gêneros em relação a idade do aparecimento, recorrência, severidade dos sintomas, tempo de remissão e resposta terapêutica. “Cerca de 8% da população desenvolve uma ou mais doenças autoimunes, sendo que 75% ocorrem em mulheres. A tendência para o aparecimento de doenças como lúpus, hipertireoidismo, vitiligo e cirrose biliar primária é de nove mulheres para cada homem.”
Ao finalizar a apresentação, Marilene presenteou Amaral com um exemplar do livro ‘Principles of Gender-Specific Medicine: Gender in the Genomic Era’, obra abrangente sobre as diferenças específicas do sexo na pesquisa médica básica e clínica, escrito por Marianne J. Legato, especialista em Medicina específica de gênero. “É absolutamente histórico, as pesquisas apresentadas certamente ajudarão na prática da Medicina para os próximos anos”, agradeceu o presidente das instituições.
Fotos: Marina Bustos