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Campanhas de doação e voluntariado médico são formas de fazer a diferença

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O Rio Grande do Sul vem enfrentando o que pode ser considerada a maior catástrofe da história do estado. Com chuvas torrenciais, que se iniciaram no dia 27 de abril e ficaram ainda mais fortes no dia 29 do mesmo mês, os municípios gaúchos se viram debaixo d’água – mais de 90% das cidades foram atingidas pelas enchentes, totalizando 467 das 497 delas. Até o fechamento desta matéria, o número de óbitos era de 169, enquanto mais de 580 mil pessoas estavam desalojadas.

As causas para as inundações são diversas. Mudanças ambientais, decorrentes do aquecimento global, têm ligações com o colapso pelo qual o estado vive atualmente (o governo do Estado indica que, em dez dias, choveu no Rio Grande do Sul o equivalente esperado a três meses). Os efeitos do El Niño também estão relacionados, já que o fenômeno impossibilitou a chegada de frentes frias no estado e ocasionou o aquecimento das águas do oceano Pacífico, antecipando as chuvas. Não obstante, a falta de investimento público também foi um fator que contribuiu para o desastre.

Na tentativa de conseguir se salvar ou contribuir com os resgates, muitas pessoas tiveram contato com a água contaminada das enchentes, o que acende um preocupante alerta aos serviços de Saúde, uma vez que, agora, surgem uma série de doenças associadas. Entre elas, leptospirose (causada pelo contato com a urina do rato), diarreias, gastroenterites, além de casos de hepatite A e E e infecções de pele.

Uma reportagem exibida pelo Fantástico, revista eletrônica da Rede Globo, no dia 26 de maio, relata que os casos de leptospirose explodiram em Porto Alegre – em três unidades de Saúde da cidade foi observado que, a média da doença, que costumava ser de cinco casos por mês, subiu para 63, com outros 50 sendo investigados sob suspeita. Apesar de a água estar baixando, a preocupação ainda é proeminente, já que a leptospira (bactéria causadora da doença) permanece viva no lodo enquanto ele estiver úmido pelo período de 10 a 15 dias.

O diretor adjunto de Responsabilidade Social da Associação Paulista de Medicina, sanitarista e médico de Família e Comunidade, Paulo Celso Nogueira Fontão, destaca que, dentre a ameaça das doenças, a dengue é a menos provável de acometer o estado, devido ao clima frio do Rio Grande do Sul. No entanto, sinaliza a importância de se atentar aos problemas respiratórios.

“Todo aumento de demanda deve alavancar a procura por ajuda e socorro no sistema de Saúde. Com a mudança de tempo e o inverno rigoroso chegando, doenças respiratórias serão, talvez, a grande demanda da Saúde do Rio Grande do Sul, que, este ano, afeta famílias sem ter moradia e sem uma estrutura de vida minimamente organizada, sem contar que muitos desses serviços estarão fechados por terem sido parcial ou totalmente destruídos por conta da força das águas”, explica.

Gerson Junqueira Júnior, presidente da Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), relata que, diante do atual momento, o sistema de Saúde poderá se tornar sobrecarregado, causando determinados problemas, como demora no atendimento aos pacientes, falta de leitos e recursos escassos. Para ele, seria fundamental haver um bom planejamento e organização necessários para melhorar ou solucionar tais questões.

Neste sentido, o médico pontua que, no caso de pessoas que tenham que entrar em contato com as águas das chuvas, a primeira medida é sempre a prevenção. “Usar roupas de proteção, especialmente voluntários e profissionais em atuação no resgate. É essencial que pessoas que entraram em contato com a água e que estão sentindo algum sintoma procurem imediatamente por atendimento médico – o diagnóstico precoce previne complicações e faz com que os sintomas sejam controlados de maneira mais eficaz. Além disso, a vacinação é primordial na prevenção de doenças, protegendo a população e reduzindo a probabilidade de surtos em grandes grupos.”

Voluntariado médico
Diante das circunstâncias em que o Rio Grande do Sul se encontra, o voluntariado médico é uma medida substancial para lidar com a situação e fornecer o apoio necessário à população vulnerável. A ajuda pode ser feita de forma presencial – no caso daqueles que tenham a possibilidade de se deslocar para o estado – e também por meio da Telemedicina, com atendimentos remotos.

“O voluntariado médico é essencial de diversas formas, seja por meio da atuação direta nos abrigos e instituições que estão acolhendo os desabrigados ou no atendimento por Telemedicina. Ainda são importantes, sejam estudantes ou profissionais, as atuações na triagem de medicamentos que estão sendo destinados em grandes quantidades às vítimas das enchentes”, relata Junqueira.

Paulo Fontão, por sua vez, reforça que o voluntariado é sempre bem-vindo, principalmente em uma situação de emergência como esta, mas que precisa ser feito de forma organizada para que se tenha efeito e não sobrecarregue quem está nas áreas afetadas.

“Existem muitos caminhos para o voluntariado, como o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, que aceita esse tipo de colaboração. Mas também, as sociedades de especialidades, que organizaram mutirões, a Força Nacional de Saúde e o Ministério da Saúde. O atendimento, especialmente de questões de saúde mental ou troca de receitas que tenham sido perdidas nas enchentes, pode ser feito por Telemedicina”, indica Fontão.

O médico também lembra que, por conta do nível de devastação, a ajuda deverá ser mantida por muito tempo. “Não estamos falando de um estado que não tenha uma Medicina bem-organizada ou um serviço de Saúde capilarizado. É um estado com uma excelente formação em diversas áreas médicas e que tem excelentes serviços, com boa estrutura e ótimas universidades. No entanto, é claro que muitos profissionais também foram envolvidos nesta tragédia e perderam, inclusive, suas próprias casas e a estrutura de trabalho. Por isso, temos que chegar com humildade e delicadeza.”

Todavia, ele defende que o voluntariado não deve se restringir à Medicina, mas sim, como um papel de cidadania. “Quando pensamos em Saúde, pensamos em casa adequada para morar, água adequada para beber, alimentação adequada para comer e vestimenta adequada para o clima cada vez mais rigoroso. Temos que ofertar roupas, agasalhos, cobertas. Há incontáveis maneiras de ajudar fora do exercício da Medicina. Antes de pensarmos ‘como posso atuar com o meu voluntariado médico?’, temos que pensar em como fazer isso enquanto cidadãos.”

Fontão também reforça que o Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul estão liberando o visto médico para médicos de diferentes regiões do País poderem atuar livremente no estado. Ou seja, um profissional pode ter registro em São Paulo, mas atuar no RS durante este período sem necessariamente ter uma inscrição secundária. A ação será realizada temporariamente, em razão da situação emergencial.

Doações
Tanto a Associação Paulista de Medicina quanto a Associação Médica do Rio Grande do Sul estão recebendo doações para a população afetada pelas enchentes. A sede social da APM está recebendo alimentos, roupas e demais mantimentos a serem encaminhados e distribuídos pelos municípios do RS – incluindo água, produtos de higiene e limpeza, jogos de cama, rações para animais, fraldas, entre outros.

As Regionais da Associação Paulista de Medicina também estão completamente engajadas neste ato de solidariedade. Piracicaba arrecadou 5,8 toneladas em água, velas e cestas básicas – todos os produtos já foram enviados e chegaram no município de Canoas. Guarulhos vem recebendo doações de medicamentos (com embalagens lacradas e dentro da validade). Bauru, Campinas, Ribeirão Preto, Santos, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São José dos Campos, São José do Rio Preto, Sorocaba e Taubaté são Regionais que também estão envolvidas nas doações.

Na Associação Médica do Rio Grande Social, a sede da instituição foi utilizada como ponto de arrecadação de doações. “Inicialmente, operávamos como uma central de distribuição de todos os tipos de necessidades e chegamos a atender mais de 100 instituições cadastradas. Houve uma solidariedade muito grande e o Teatro AMRIGS ficou completamente lotado sendo necessária mudança de estratégia. Chegamos a funcionar como ponto de recebimento exclusivamente de medicamentos e insumos médicos”, explica o presidente da entidade.

Em parceria com o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), a Amrigs criou o Fundo Solidário, com o objetivo de unificar doações na área de Saúde e ampliar a oferta de teleconsultas para a população afetada. “Além disso, atuamos em parceria com a Unimed Porto Alegre e a SOS Unimed, com uma organização operacional no gerenciamento médico de pacientes que chegavam em locais estratégicos da cidade, como Pontal do Barra, Sarandi, Gasômetro e Viaduto da Dom Pedro”, relata Gerson Junqueira.

As doações para o Fundo Solidário podem ser feitas por meio de depósito na conta bancária do Banco Unicred, Agência 2710/Conta. Os interessados também podem entrar em contato com a Amrigs para atuar como voluntários no atendimento virtual.

Fotos: Rafa Neddermayer/Agência Brasil