Evidências da Cochrane Brasil são discutidas em Webinar APM

Nesta edição, na última quarta-feira (19), foram apresentadas evidências da Cochrane Brasil em relação à prevenção e aos tratamentos da Covid-19. Os convidados também falaram sobre a utilização da Telemedicina durante a pandemia

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A Associação Paulista de Medicina transmitiu, em seu canal no YouTube, a 15ª edição do Webinar APM. Nesta edição, na última quarta-feira (19), foram apresentadas evidências da Cochrane Brasil em relação à prevenção e aos tratamentos da Covid-19. Os convidados também falaram sobre a utilização da Telemedicina durante a pandemia.

“A Associação, no já tradicional Webinar APM, vai tratar de um assunto extremamente interessante, sobre o qual a instituição se debruça já há muitas décadas. Quando pensamos em Medicina Baseada em Evidências, pensamos em dois nomes: Archibald Cochrane e Álvaro Atallah. Portanto, hoje é um privilégio ter Atallah moderando este encontro”, introduziu o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, passando a palavra ao diretor da Cochrane Brasil.

E o moderador do webinar começou argumentando que a Medicina Baseada em Evidências responde perguntas estruturadas associadas a desenhos adequados de pesquisa, buscando meios para respondê-las e levando em consideração a qualidade do nível de evidência.

Assim, Atallah apresentou a metodologia PICO, acrônimo de Problema, Intervenção, Controle e Outcome (Desfecho). Cada um desses itens é uma pergunta a ser respondida na hora de pesquisas sobre uma determinada patologia.

“São vários tipos de estudo. Para pesquisar um diagnóstico, precisamos de um estudo de acurácia e, para prognósticos, necessitamos de estudos coortes. Com ensaios clínicos randomizados, pesquisamos tratamentos e profilaxia”, explicou o também professor Titular da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp).

Atallah, que ainda é diretor Científico da APM, lembrou que neste ano a Associação transformou sua Diretoria de Economia Médica em Diretoria de Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências e tem investido em educação continuada na área. “Já gravamos cursos sobre pesquisa clínica e estratégia de busca de evidências, que estarão à disposição dos colegas em breve.”

Tromboembolismo e Covid-19
Na sequência, o professor Adjunto da Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da EPM Aécio Flávio Teixeira de Gois falou estar esperançoso com o trabalho desenvolvido nessa área na Escola, que tem todo o seu currículo permeado pela questão das evidências. “Esse embasamento é importante para a formação e análise crítica do médico que precisamos colocar no mercado de trabalho”, argumentou.

Na sequência, Gois entrou no tema da embolia pulmonar que, como disse, tem proporcionado um grande aprendizado nessa era pandêmica. “A cada 37 segundos, uma pessoa morre de embolia pulmonar no mundo – é a terceira maior causa de morte cardiovascular. Diferente do infarto e do acidente vascular cerebral (AVC), que as pessoas conseguem ter ideia dos eventos, a embolia tem um impacto populacional, em termos de as pessoas pensarem nela, muito menor.”

Em sua avaliação, isso é muito importante para pensar a emergência. “Precisamos que o conhecimento [sobre a embolia] chegue mais forte, para que as pessoas consigam chamar serviços de emergências”, completou.

Na chegada da Covid-19 ao Brasil, quando a recomendação era de que as pessoas buscassem o hospital apenas em casos muito graves, houve um retardamento da procura dos pacientes pelas emergências. Desta forma, segundo Gois, muitos casos de embolia pulmonar surgiram de forma tardia nos hospitais, o que é muito prejudicial, visto que a precocidade faz diferença na hora do tratamento.

“Lembrando que o diagnóstico de embolia pulmonar e o tratamento bem feito faz com que a emergência tenha mortalidade na casa dos 6%. Se não tratada, evolui para até 30%. Precisamos prestar atenção nisso”, declarou o também coordenador da Residência Médica em Medicina de Urgência da EPM.

Telemedicina
Ronald Flumignan, professor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Vascular e Endovascular da EPM, iniciou a sua intervenção mostrando o impacto da Covid-19 no cenário cirúrgico, apresentando uma coorte internacional multicêntrica, com trabalho publicado no The Lancet.

“Avaliaram mais de 1.200 pacientes cirúrgicos de todo o mundo, analisando os fatores de risco para o prognóstico cirúrgico. E a mortalidade em 30 dias desses pacientes com Covid-19 é praticamente o dobro do paciente – com o mesmo aspecto e estágio clínico pré-operatório – sem a doença. Normalmente, temos 14% de mortes. Na mostra, foram mais de 28%”, descreveu.

Entrando em seu principal tema, Flumignan realizou uma diferenciação conceitual. “A Telessaúde é um termo mais geral, reservado a qualquer procedimento, aula, orientação, sem, necessariamente, relação médico-paciente. A Telemedicina, por sua vez, fica dentro da Telessaúde. É algo que envolva o propósito de fornecer cuidados de saúde, tenha a intenção de superar barreiras geográfica, use vários tipos de tecnologias da informação e comunicação e tenha a intenção de melhorar os resultados de saúde.”

A seguir, o especialista mostrou que, apesar de parecer, a Telemedicina é discutida já há muito tempo, inclusive pela Organização Mundial de Saúde. Ele apresentou um relato de um jornal científico do século XIX sobre um atendimento por telefone, uma semente para o que o temos hoje. Na publicação, um médico descrevia o atendimento a uma mãe preocupada com a situação de seu filho. Ouvindo a tosse da criança pelo telefone, ele realizou o diagnóstico.

O palestrante abordou, ainda, as resoluções que normatizam a Telemedicina no Brasil e lembrou de algumas necessidades básicas para a prática, como garantia de segurança e a utilização de plataformas adequadas e do certificado digital.

Cochrane Brasil
O terceiro palestrante da noite, o diretor-adjunto da Cochrane Brasil, Luis Carlos Uta Nakano, falou mais sobre o sistema de evidências do centro. Antes, tratou da situação do País em relação à Covid-19. Segundo Nakano, apesar de números crescentes, vemos uma tendência de decréscimo de óbitos.

“O que a Ciência fez sobre esse inimigo que ninguém conhece? Precisamos ter dados, gerar conhecimento. Quando vamos ao ‘Dr. Google’ e jogamos Covid-19 na pesquisa, temos mais de cinco bilhões de registros de sites falando a respeito. Não é diferente da Pubmed, que tem mais de 40 mil artigos científicos já produzidos – é uma enxurrada de conhecimento”, refletiu.

O desafio, portanto, é transformar esse volume em informações que sejam úteis para a tomada de decisão dos médicos. “Aí que entra a expertise da Cochrane Brasil, que filtra através de metodologia e melhores evidências científicas o que a gente pode conseguir desses dados brutos.”

Nakano relatou que, desde o começo da pandemia, o centro estabeleceu um espaço chamado Cochrane Covid-19 Reviews. Até o momento, o sistema tem 52 registros – são oito revisões rápidas publicadas, 31 em desenvolvimento, três revisões não-Cochrane e 11 ainda não iniciadas.

“Para chegar nisso, toda a base de 40 mil artigos já foi escaneada e filtrada, chegando em informações dignas de respeito. As revisões, apesar de rápidas, possuem 30, 40, 50 folhas, publicadas em menos de três, quatro semanas”, explicou o palestrante.

Ele, que também é professor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Vascular da EPM, ainda apresentou os assuntos tratados por essas publicações da Cochrane: são 24 sobre prevenção e transmissão da Covid-19, 11 sobre o tratamento, oito sobre diagnóstico e prognóstico, cinco sobre saúde mental e três sobre epidemiologia.

Discussão
Após as palestras, houve espaço para discussão entre convidados, moderadores e espectadores. O presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, começou questionando a necessidade de uma anticoagulação em um paciente com hipoxemia não acentuada, com pequeno comprometimento pulmonar, sem muita alteração de D-dímero, que toleraria uma ventilação em ar ambiente.

Para Aécio Gois, mesmo sem D-dímero, no contexto da doença inflamatória e pensando em um paciente internado, a hipoxemia é muito potente como potencial trombogênico. Dessa forma, é indicada a profilaxia não terapêutica. “E qual profilaxia? Tem alguns estudos experimentais mostrando pequena vantagem da heparina não fracionada em relação à heparina de baixo peso molecular. Mas acho que qualquer uma das duas anticoagulações são absolutamente possíveis”, disse.

Amaral também refletiu sobre a prática da Telemedicina neste momento. “A APM fez pesquisas recentes e um substancial número de médicos disse que já praticava. Mas estão praticando Telemedicina mesmo ou não? Pois o número de usuários de plataformas digitais e de prontuários era pequeno. Consentimento informado pelo médico praticamente não há uso. Será que isso é Telemedicina ou responder dúvidas?”, questionou.

Ronald Flumignan apresentou duas vias de interpretação. Pela definição da OMS, levando ao pé da letra, mesmo uma ligação fora de hora, ou uma mensagem, pode ser definida como Telemedicina. Pela legislação brasileira – que prevê as ferramentas mencionadas pelo presidente da APM – a Telemedicina tem de obedecer a alguns pré-requisitos.

“É necessária a identificação correta e documentada do médico e do paciente, com certificado digital de preferência, e que seja documentado o atendimento e armazenado para registro futuro, como um prontuário qualquer. Se for levar ao pé da letra o registro brasileiro, poderíamos chamar as intervenções menos usuais de Telemedicina, mas não de mais adequado. Seria como uma ‘consulta de corredor’. É uma consulta? É. Mas não é o ideal.”

O presidente da Associação discutiu, ainda, a questão da quarentena em São Paulo. Ele mencionou que cada cidadão entende o conceito de uma forma e a pratica de maneira distinta. “Andei pelo centro de São Paulo e fiquei chocado com o nível de aglomeração e a ausência de proteção, como máscaras. Cada vez que você vê alguém desrespeitando os procedimentos recomendados, você imagina que aquela pessoa – ou os contaminados por ela – será seu paciente no hospital na semana seguinte”, acrescentou.

Em relação ao tema, Luis Nakano relembrou que, nos primeiros dias do novo coronavírus no Brasil, a pandemia foi muito respeitada em São Paulo. A situação, no entanto, já se alterou muito: “Hoje, em São Paulo, se afrouxou tudo. Parece que já tem vacina ou cura. Acho que só respeita o isolamento social e as prevenções, como lavar as mãos e usar máscaras, quem sofreu de perto alguma perda.”

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