Multidisciplinaridade é a palavra da vez. No III Congresso Paulista de Dor, que acontece entre os dias 28 e 30 de setembro na sede da Associação Paulista de Medicina (APM), centenas de médicos, residentes, acadêmicos e outros profissionais da Saúde – em busca de atualizações no diagnóstico e no tratamento da dor nas mais diversas especialidades – atestarão que ciência e arte não são como durante muito tempo se convencionou pensar, campos antípodas.
Além das atividades científicas divididas em cinco módulos diários – que serão encabeçadas por profissionais renomados e versarão sobre Neurologia, Psiquiatria, Geriatria, Endocrinologia, Reumatologia, Ortopedia, Medicina Aeroespacial, Medicina do Esporte e outras áreas –, as oficinas “A dor de ouvir a dor” ocorrerão duas vezes ao dia. Confira a programação completa em congressopaulistadedor.com.br/evento/cpd2023/programacao/gradeatividades/todas.
Andréa del Fuego, Pedro Paulo Marino Rodrigues Ayres, Fabiana Carelli, Wagner Kuroiwa, Fabiana Prando, Lucélia E. Paiva e Wellington Nogueira tratarão de literatura, CRM, aquarela, arte em geral, contação de histórias, luto no consultório e ludicidade, respectivamente. Todas as oficinas estão listadas em congressopaulistadedor.com.br/site/cpd2023/oficinas.
As inscrições, que serão aceitas até o início do evento, devem ser feitas em congressopaulistadedor.com.br/site/cpd2023/inscricoes; os valores para cada categoria podem ser consultados no mesmo endereço. Vale frisar que há apenas 20 vagas disponíveis por oficina, e é possível se inscrever nelas sem necessariamente participar do Congresso.
Teoria e prática com Andréa del Fuego
A vencedora do Prêmio José Saramago não faz rodeios: “Falaremos sobre processos de criação, sobre imaginação, sobre sensações que a escrita desperta no nosso corpo e na nossa mente, e partiremos para a prática. Depois da apresentação de alguns exercícios e estímulos distintos, discutiremos o resultado desse trabalho com a leitura de um ou dois textos”. Os participantes da Oficina de Escrita, das 8h10 às 12h10 da quinta-feira, 28, encontrarão na sala “A dor de ouvir a dor I”, no 3° andar, uma autora que se encantou pela Medicina.
Quando começou a ler relatos de pacientes com doenças crônicas em redes sociais, Andréa, mestra em Filosofia pela Universidade de São Paulo, não esperava transformar o ofício médico em material literário – mas se viu, a certa altura, frequentando o Grupo de Estudos e Pesquisa Literatura, Narrativa e Medicina (GENAM) da USP, devorando papers e estudando listas inteiras de doenças para conceber “A Pediatra”, romance finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura sobre uma especialista nada afeita a crianças.
Para Hélio Papler, integrante da Comissão Organizadora, a presença de Andréa no evento é fundamental. “A escrita, a criação de personagens e a construção de enredos nos permitem desenvolver o olhar para o outro, que é a base da relação médico-paciente”, comenta.
Aquarelando com Fabiana Carelli
Também na sala “A dor de ouvir a dor I”, no 3° andar, entre 10h20 e 12h10, Fabiana Carelli, escritora, ilustradora e Professora Associada (Livre-Docente) de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da USP, que junto com Carlos Eduardo Pompilio coordena o GENAM, guardará surpresas para os participantes da Oficina de Arte (Aquarela).
“Quero mostrar que trabalhar com aquarela não é algo meramente lúdico”, explica. “Nada de ‘estou aqui e relaxarei pintando’. Preciso pensar como essa linguagem artística se relaciona com a minha prática profissional, o que pode trazer de novo, de que maneira é capaz de transformar o modo como atuo, como enxergo meu paciente e como me enxergo. É uma possibilidade transformadora.”
Fabiana pontua que embora muitos médicos se mostrem céticos quanto à arte e suas várias manifestações, é sempre tempo de expandir o olhar e lembrar que cientistas e artistas já foram as mesmas pessoas.
“Basta ter em mente um homem como Leonardo da Vinci. No Renascimento, o que entendemos como ciências duras e o que entendemos como ciências humanas andavam lado a lado na construção do conhecimento. Depois do século XVIII, com a especialização das ciências, é que tudo começou a se fragmentar, infelizmente. Os médicos, como profissionais do cuidado, não podem encarar seus pacientes como números, como patologias ambulantes. Há uma pessoa ali, diante deles, que precisa ser escutada. A arte entra nesse processo de humanização”, defende.
“A menor distância entre duas pessoas é uma história” com Fabiana Prando
Também das 10h20 às 12h10, na sala “A dor de ouvir a dor II”, no 4° andar, a contadora de histórias e escritora Fabiana Prando abordará palavras, vínculo e ludicidade em um encontro imperdível.
Os participantes receberão o Trickster, jogo de cartas narrativo criado pela artista, e conhecerão a história do jogo e seus desdobramentos acadêmicos, com ênfase no conceito de resiliência narrativa e nas iniciativas do Trickster em outros contextos. Haverá ainda a experiência da roda e da escuta de uma história, bem como criação coletiva de narrativas.
A Oficina de Contação de Histórias provará que elas não são coisa “de criança”. “Trazer a narração de histórias para o público adulto é, na verdade, um retorno às origens dessa prática ancestral. Contamos histórias ao redor do fogo desde os primórdios da humanidade. A oralidade precede a escrita e toda a nossa tradição erudita e literária teve sua origem na palavra dos narradores de ‘boca’. Assim, de boca em boca, histórias como As mil e uma noites chegaram até os dias de hoje.”
Fabiana, uma espécie de Sheherazade moderna, pondera que o interesse por boas histórias contadas não desapareceu, apenas migrou para outras manifestações culturais: música, teatro, cinema, TV, stories de redes sociais.
A arte, para ela, ajuda a não sucumbir em meio à dor. “Quando adoecemos, adquirimos uma nova cidadania, como bem escreveu Susan Sontag, mas quando ouvimos histórias, nos conectamos com a essência desse curioso e enigmático ser humano que é, na minha concepção, algo entre o animal e o divino. No contexto da saúde e da dor, elas conseguem atuar com a porção etérea, imaginativa e – por que não – anímica das pessoas. Isso ajuda muito na travessia dos processos de adoecimento e dor. Minha máxima é ‘A menor distância entre duas pessoas é uma história.’”
Ouvidos afiados com Milena Malzoni
Música para todos os ouvidos também tomará conta do III Congresso Paulista de Dor. Entre 16h10 e 18h, na sala “A dor de ouvir a dor II”, no 4° andar, os participantes farão um passeio pela história da quarta arte antes de adentrarem o campo da neurociência e se debruçarem sobre a dor.
“Quais hormônios são liberados durante o fazer musical? O que já existe de pesquisa nessa área? Onde estão os relatos de caso? Atravessaremos cada pergunta e terminaremos com uma dinâmica bastante especial: um exercício envolvendo música e dança”, adianta Milena, que é musicista com formação em Piano Erudito, graduada em Propaganda & Marketing, pós-graduada em Neurociência Comportamental e certificada em Programação Neurolinguística, e que vê no ensino da música e da dança a ferramenta mais poderosa que existe para desenvolver o cérebro e o bem-estar psicoemocional.
“A ciência tem apontado como a música é capaz de mudar nossos processos de dor e transformar a fisiologia do nosso cérebro por completo. Aprender a tocar um instrumento, por exemplo, pode ser revolucionário. Precisamos falar mais e sobre isso”, defende, animada.