A Academia de Medicina de São Paulo realizou mais uma edição de sua tradicional Tertúlia Acadêmica na última quarta-feira, 13 de setembro. Como palestrante, a acadêmica Magda Maria Sales Carneiro Sampaio, pediatra e imunologista, abordou o tema “Doenças raras: o dilema na demora do diagnóstico”.
O presidente da AMSP, Helio Begliomini, recordou a trajetória profissional da confreira. “Magda é recifense, graduada pela Universidade Federal de Pernambuco e veio para São Paulo fazer a residência, onde ficou e contribuiu para o engrandecimento da Medicina com a sua atividade. Se notabilizou particularmente no estudo das imunopatologias e é com muita alegria que a recebemos.”
A palestrante relembrou que, de acordo com uma sessão especial da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em dezembro de 2021, foi reconhecido que 300 milhões de pessoas ao redor do mundo viviam com doenças raras – número equivalente à população dos Estados Unidos. Para a especialista, o tema é de interesse mundial, de modo que Saúde deve ser promovida com ênfase em reabilitação e educação.
Ela destacou também que não existe um consenso predeterminado sobre o que é uma doença rara, mas que com a difusão dos testes genéticos, a identificação de disfunções vem crescendo gradativamente. Exemplo disso são estudos realizados na França, que demonstram que cerca de 5% a 6% da população mundial têm alguma dessas doenças, enquanto pesquisas do Estados Unidos determinam que o número pode chegar a 10%. No entanto, é válido salientar que, apesar de raras, não são necessariamente doenças graves.
Problemáticas
No Brasil, atualmente, a estimativa é que se tenha, pelo menos, 12 milhões de pessoas com doenças raras. “Somos raros, mas somos muitos. O conceito de ‘raridade’ é estatístico e qualquer doença que tenha uma frequência inferior a 2 mil será considerada rara, independentemente de ser genética ou não, de aparecer em crianças ou em adultos”, iniciou.
De acordo com Magda Sampaio, a questão é que as doenças ocorrem com condições e manifestações diferentes, acometendo, às vezes, um sistema ou vários, com casos mais graves e outros de menor gravidade. “Cerca de 80% das doenças raras são de origem genética, com a questão da consanguinidade e, em média, 75% delas aparecem na infância.”
Nos casos de doenças genéticas relacionadas à consanguinidade, é apontado que o Nordeste tem o maior número de casamentos consanguíneos (entre 6% e 12%), número 13 vezes menor no Sul e Sudeste. No entanto, acredita-se que este problema esteja diminuindo, estando atribuído à maior autonomia feminina, como poder de escolha e novas oportunidades de emprego e estudos.
Para a acadêmica, o grande problema das doenças raras é a demora no diagnóstico – o que é frequente mesmo nos países desenvolvidos, com uma média de cinco anos para os resultados. Apesar deste cenário aos poucos estar se modificando, os testes ainda são caros e o acesso é limitado.
Além disso, a falta de geneticistas também é uma complicação para os médicos que lidam com pacientes com doenças raras. “Em 2022, tínhamos apenas 342 em todo o território nacional. Além de poucos, são mal distribuídos e quase dois terços estão no Sul ou Sudeste. No Nordeste tem poucos e no Norte praticamente nada. Sem geneticista não se faz nenhum diagnóstico. Também há poucos locais de formação e poucas residências.”
Iniciativas
No intuito de identificar doenças raras e, assim, proporcionar melhor assistência no tratamento, nos últimos 20 anos, foram desenvolvidas algumas iniciativas no Brasil em prol dos pacientes. Entre elas está a triagem neonatal, realizada em recém-nascidos e que possibilita a identificação de diversas enfermidades, como fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme e outras hemoglobinopatias, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase.
“A triagem neonatal é uma das iniciativas mais promissoras e que dão mais frutos. Outra grande iniciativa do Ministério da Saúde é de 2014, com a criação da portaria nº 199, que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Pessoa com Doença Rara no âmbito do Sistema Único de Saúde, incluindo incentivos financeiros para custeio. A criação desses centros de referência, especializados, já são 18 centros de referência em doenças raras, 17 hospitais universitários e 4 serviços dedicados à triagem neonatal. Apesar de estarem concentrados no Sudeste e no Sul, já existem alguns no Nordeste”, explicou.
A palestrante apresentou ainda alguns dos trabalhos que são realizados nesses centros, com projetos que buscam proporcionar uma interação entre algumas das principais universidades de Medicina de São Paulo com o SUS. Recentemente, a FMUSP aprovou a fundação do Centro Integrado de Doenças Genéticas, congregando diferentes departamentos, institutos e laboratórios, visando levar ao desenvolvimento da assistência do ensino e da investigação da área da genética e genômica humanas.
Ao concluir a apresentação, Magda Sampaio destacou a necessidade de se explorar as doenças genéticas. “A esperança para doenças monogenéticas é a terapia gênica, em que você evita as complicações de um transplante. Essa é a grande expectativa. Os recursos que existem atualmente são caríssimos, mas temos a honra de ter um grupo de pesquisa da melhor qualidade para mudar isso.”
Texto: Julia Rohrer
Fotos: Alexandre Diniz