Sono perfeito é uma expectativa almejada por muitos brasileiros, principalmente no contexto atual de mudança comportamental causado pela necessidade de isolamento social. Mas temos de ter em mente que a qualidade desse repouso é dinâmica em cada faixa etária e sexo. Afinal, e ser for insônia? Como descomplicar? Para discutir o tema, na última terça-feira (9), a Associação Paulista de Medicina realizou a segunda edição do “Sleep Talks”, em seu Instagram com especialistas no assunto.
“Quando recebemos um paciente com insônia, a primeira coisa é entender qual a expectativa dele de quão bem quer dormir. Sabemos que a média de sono da população adulta é em torno de 7 e 8 horas por noite, com alguma variante aceitável entre 6 e 9 horas; menos que isso, observamos evidências clínicas e metabólicas, afetivas e emocionais”, explica o psiquiatra e assistente do Programa de Transtornos do Sono do Instituto de Psiquiatria do HC/FMUSP, Alexandre Pinto de Azevedo.
Segundo Azevedo, muitas vezes o paciente com insônia crônica procura um especialista com a perspectiva de que precisa dormir muito para melhorar a qualidade do sono. “Ele chega preso à ideia de que é necessário ter um número de horas de sono para tratar o seu transtorno. Muito pelo contrário, precisamos promover uma satisfação no prolongamento do sono, prendendo-se menos à expectativa do número de horas estabelecido.”
Segundo a classificação internacional, as principais queixas de insônia são somáticas, cognitivas, afetivas e ocupacionais, podendo desencadear cefaleia, dores gastrointestinais, déficit de atenção, concentração, falhas de memória, irritabilidade e instabilidade de humor, diminuição do rendimento acadêmico e da produtividade do profissional. “Havendo uma dessas consequências associadas, podemos dizer que há transtorno de insônia”, afirma o médico.
A médica Andrea Toscanini, presidente do XVIII Congresso Paulista de Medicina do Sono, da APM, e organizadora do encontro on-line, aponta pontos importantes para a higienização do sono, como luminosidade, diminuição de ruídos e temperatura adequada do ambiente; alimentação adequada, com a não ingestão de estimulantes e de água perto do horário de dormir; não execução de atividades físicas 30 minutos antes de dormir; e estimulação ao organismo de acordar diariamente sempre no mesmo horário.
“Precisamos sincronizar o nosso relógio biológico do despertar à exposição da luz natural, ou seja, deixe a claridade invadir o ambiente ao despertar. E é importante frisar: só vá para a cama se estiver realmente com sono, não porque está na hora de dormir”, destaca.
Azevedo acrescenta que quaisquer atividades físicas podem interferir no componente sincronizador do sono vigília. “Devemos evitá-las próximo do horário de dormir porque aumenta a ativação cardiorrespiratória, a temperatura corporal e a pressão arterial, desacelerando a produção do pré-sono.”
Qualidade do sono
A Revolução Industrial foi um marco na mudança do padrão de sono das pessoas porque criou-se uma ideia de que dormir menos seria progresso e aumento produtivo. “Então, ficou registrado no consciente coletivo a ideia de que se durmo pouco, produzo mais, quando na verdade é o contrário, muitas empresas já observaram que o bem dormir dos funcionários aumenta mais a produtividade”, informa a médica do Sono.
Talvez isso explica ainda um diferencial entre insônia crônica e a simulação de insônia, que na verdade é falta de sono. O especialista convidado para a live relata que muitos pacientes demoram para dormir e têm dificuldade para despertar porque estão engajados em atividades e horários que deveriam ser usados para dormir.
“Na nossa sociedade de 24 horas, há um mito de que dormir menos é importante. E em algum momento da vida, quando posso e quero dormir mais, não consigo e denomino isso de insônia. E o pior é que algumas pessoas se sentem constrangidas pelo fato de dormirem cedo, porque são vistas como preguiçosas”, alerta.
Menos despertares ao longo das noites, assim como eventualmente os despertares rápidos no início do sono, podem também não representar quadro de insônia.
No entanto, Azevedo alerta os médicos não especialistas na área para prestarem atenção no sono de seus assistidos. “Isso é relevante porque o profissional dará a oportunidade de o paciente falar sobre. Temos de saber que a insônia é uma doença de alta prevalência na nossa sociedade, usualmente não relacionada à emoção. Lembre-se, negligenciá-la como algo menos importante pode trazer consequências clínicas significativas em longo prazo”, conclui.
Fotos: BBustos Fotografia