Na última quarta-feira, 10 de junho, a Associação Paulista de Medicina reuniu especialistas para debaterem sobre o “Perioperatório em tempos de Covid-19” em mais uma edição de seu webinar. O evento, transmitido pelo YouTube, foi moderado pelo presidente da instituição, José Luiz Gomes do Amaral, e pelo diretor do curso de Medicina do Centro Universitário de Várzea Grande (Univag), José Eduardo de Aguilar-Nascimento.
O primeiro convidado a discutir o tema foi Pedro Portari Filho, professor associado da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), que falou sobre os motivos que levaram o Brasil e outros países ao redor do mundo a suspenderem os procedimentos cirúrgicos eletivos.
Em primeiro lugar, Portari apontou que há a necessidade de postergar essas intervenções eletivas para prover hospitais com equipamentos e leitos destinados à internação e à retaguarda de pacientes com Covid-19. Ainda no início de março, relatou, as entidades e sociedades cirúrgicas europeias publicaram recomendações para a diminuição das cirurgias eletivas, iniciativa que foi acompanhada pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC).
“Em um segundo momento, percebeu-se que os pacientes que eram internados tinham de ter um fluxo muito restrito. Isso porque houve um aumento em torno de 40% de complicações no pós-operatório em pacientes que internaram sem Covid-19 e foram contaminados no perioperatório, aumentando a morbidade. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica propôs vias livres de Covid-19 – hospitais ou partes deles em que se mantivesse o fluxo normal de internação –, mas isso é muito difícil, principalmente dentro da nossa realidade.”
Volta às atividades
Na sequência, Cervantes Caporossi, professor associado da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), falou sobre o retorno às atividades que começa a ser ensaiado em algumas localidades. E que, em diversos casos, é necessário, segundo sua avaliação – não somente para cirurgias em pacientes oncológicos, mas para outros com riscos de pancreatite ou hérnias, por exemplo.
Para realizar uma operação, o especialista aponta que o esforço máximo é que o paciente, no momento do procedimento, não seja portador de Covid-19. “Para isso, necessitamos de exames que façam respostas urgentes, embora a metodologia para isso ainda seja bastante difícil. Então, a gente procura um PCR negativo 48 horas antes da operação. Se isso não for possível, podemos lançar mão de testes rápidos.”
Caporossi também mencionou o Projeto Acerto como uma iniciativa que beneficiará muito os pacientes operados neste momento. O nome deste projeto é uma abreviação de “Aceleração da Recuperação Total pós-operatória”. Ele busca, fundamentando-se na Medicina Baseada em Evidências, tornar mais breve a recuperação dos indivíduos submetidos a intervenções cirúrgicas.
O especialista tratou, ainda, do pré-operatório, apontando que se essa situação sempre exigiu muita atenção, o que se torna ainda mais relevante agora em meio à pandemia. “Dentro desse processo, terapia e avaliação nutricional são muito importantes para diminuir a reação inflamatória dos pacientes”, exemplificou.
Dados e protocolos
O mediador Aguilar-Nascimento observou que a Covid-19 pegou todos de surpresa, de maneira muito rápida. “Embora o número de trabalhos tenha aparecido de forma muito intensa na literatura, ainda faltam estudos em Cirurgia. Isso nos deixa sem muitos dados e coloca o nível de evidência mais para baixo do que queríamos com estudos randomizados”, apontou.
João Manoel Silva Junior, diretor da Residência Médica de Anestesiologia do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo, reforçou que os protocolos como o Projeto Acerto, neste momento, serão muito importantes. “Queremos que os pacientes entrem no momento da cirurgia e tenha alta o mais rápido possível, principalmente quem não tem Covid-19.”
Na sequência, o anestesiologista deu algumas indicações sobre como preparar pacientes sem Covid-19 para as operações. “Primeiro, ele fica um tempo de resguardo: 14 dias em observação para verificar se desenvolve algum sintoma antes da cirurgia. Também podem ser feitos exames como o PCR até 48 horas antes. Se o paciente for infectado, a cirurgia tem que ter cuidado maior ou até ser postergada.”
Outra indicação dada por Silva Junior é a de que seja minimizado o jejum pré-operatório, pois isso diminui a necessidade de hidratação no intra e no pós-operatório. “A recomendação é de que seja realizada hidratação da melhor forma possível, tendo avaliação da necessidade. Mas com o máximo de parcimônia, pois a hidratação proporciona efeitos colaterais e aumenta náuseas e vômitos se feita em excesso, subindo a internação, o que menos queremos”, apontou.
Por fim, o presidente da APM argumentou que este momento de pandemia está rompendo barreiras que separam especialidades. Desta maneira, em seu entendimento, cirurgiões, anestesiologistas, clínicos, nutricionistas, fisioterapeutas, enfermeiros, e outros profissionais, estão se olhando pelos olhares dos demais e compartilhando informações para construir um ambiente cada vez mais seguro.
Amaral também lembrou que a redução de exames leva, consequentemente, a uma diminuição de diagnósticos, que por sua vez representam doenças que irão evoluir sem tratamento. “Isso é algo que vamos enfrentar com grande intensidade. Talvez aconteça em um momento em que os hospitais se encontrem depauperados em função do desgaste enorme da atenção à Covid-19. Talvez pessoas procurem serviços de saúde daqui a alguns meses e não consigam cobertura adequada. Todos temos que pensar muito além do nosso dia a dia, estamos em um momento de ruptura”, finalizou.