Os médicos voltaram a se reunir virtualmente na última quarta-feira, 3 de junho, em mais uma edição do Webinar APM, transmitido via YouTube. O tema foi “Saúde da Mulher em tempos de Covid-19”, com o intuito de debater o impacto social do novo coronavírus sobre as mulheres, sejam elas pacientes ou profissionais de Saúde. O encontro foi moderado por José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina, e por César Eduardo Fernandes, diretor Científico da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Confira a íntegra no vídeo abaixo:
Joel Rennó Jr., colaborador médico do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), iniciou sua participação lembrando que há cada vez mais estudos relacionando o ciclo reprodutivo feminino a aspectos psicológicos e psiquiátricos. “Sabemos que alguns períodos de flutuação hormonal tornam as mulheres mais vulneráveis a quadros psíquicos de depressão e ansiedade. Em termos epidemiológicos, as mulheres são 2,7% mais propensas a ter depressão do que os homens.”
O especialista também afirmou que estamos em um momento em que não faltam gatilhos estressores. “O estresse crônico leva ao burnout, a um quadro psiquiátrico de depressão e à ansiedade. A falta de planejamento é um dos gatilhos. Ninguém sabe o futuro por conta da pandemia. Também há a questão de confinamento, muitas mulheres têm sobrecarga de tarefas. Muitas em home office têm filhos, relacionamentos que não vinham bem podem piorar, também há aumento dos episódios de violência contra mulher. Muito importante que todos esses fatores sejam levados em consideração”, argumenta Rennó Jr.
Na sequência, Cintia Cercato, professora da disciplina de Obesidade da Pós-Graduação da FMUSP, relembrou que esta condição é um fator de risco para formas graves de Covid-19. A especialista traçou uma trajetória da evolução das pesquisas desde o surgimento do coronavírus. Em um primeiro momento, a obesidade não foi levada tanto em consideração – também porque o índice de massa corpórea da população chinesa não é alto –, mas os dados de abril em diante mostram que ela aumenta os riscos.
Segundo a endocrinologista, a primeira publicação nesse sentido, realizada no Reino Unido, mostrou que cerca de 72% dos pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) com Covid-19 tinham excesso de peso e 40% eram obesos – uma frequência bem maior do que a de obesidade no país. “No Estados Unidos, dados consecutivos de 5.700 hospitalizações mostraram que a obesidade era o 2º principal fator de risco dos pacientes. Uma pessoa com IMC maior que 35 quilos por m² tem 3,5 mais chances de ir para a UTI do que uma com IMC normal.”
Cintia explica que essa situação vai além da relação entre obesidade e doenças crônicas. “Há condições relacionadas à própria obesidade, como a alteração mecânica pulmonar. Ou a obesidade abdominal, que empurra o diafragma para cima e reduz a capacidade pulmonar. Durante a pandemia de H1N1, também vimos que a obesidade está associada à redução de imunidade, tendo um prejuízo tanto na imunidade inata, quanto na adquirida”, relata.
Cirurgias
O presidente da Febrasgo, Agnaldo Lopes, iniciou sua contribuição ao debate trazendo informações publicadas no jornal científico The Lancet. Entre 1 de janeiro e 5 de fevereiro, 34 mulheres com Covid-19 no período de incubação, assintomáticas, foram operadas e todas elas tiveram pneumonia no pós-operatório. 44% necessitaram de UTI e 22% evoluíram a óbito. “Há uma relação muito forte entre a Covid-19 e o risco das cirurgias.”
Lopes afirmou que, neste momento, todas as cirurgias adiáveis devem ser postergadas. No entanto, há procedimentos que têm de ser realizados. Nesses casos, cuidados são recomendados. “O ponto chave é a busca ativa por sintomatologia. Não apenas no pré-operatório, mas também em um checklist na hora de entrar no centro cirúrgico. Em termos de equipe, é muito importante o uso de equipamentos de proteção individual (EPI). Se possível, a recomendação é testar pacientes e profissionais.”
O especialista também mostrou que a educação médica tem sido impactada neste momento. Pesquisa da Febrasgo indicou que o número de cirurgias diminuiu em 75% em quase 80% dos programas de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia.
José Luiz Gomes do Amaral, nesse sentido, indicou que os residentes de Anestesiologia, área em que é especialista, também não estão conseguindo praticar os procedimentos de sua especialidade, mas que nem tudo é negativo. “Essa experiência em Medicina, neste momento, é única. Eles crescerão demais nesse processo.”
O presidente da APM também afirmou que os médicos têm de analisar os riscos cirúrgicos e fatores que levam ao adiamento de uma cirurgia. “O primeiro, que sempre falo aos residentes, é que considerem o risco do próprio adiamento. Quando você posterga, você traz novos riscos. Frequentemente, inclusive, maiores aos riscos da condição clínica”, avalia.
Gatilhos
Cintia também falou sobre a situação de muitas mulheres que estão em casa, com índices altos de estresse, tendo alterações alimentares. “É o que chamamos de ‘comer emocional’. Um hábito que a pessoa busca alimentos ricos em açúcar e gordura, altamente palatáveis, por conta do estresse.”
Ela indica que a melhor maneira de evitar esse comportamento é não tendo acesso aos alimentos. “Quando falamos do comportamento alimentar, falamos de pistas visuais. Você ver o alimento, aumenta a motivação para comê-lo. A dica é deixar os doces, por exemplo, fora de visão. Não é proibido comer, é só buscar não ter excesso.”
Rennó Jr. reforçou a necessidade de observar quais são os gatilhos que desencadeiam comportamentos compulsivos que, além de comer doces, podem significar o aumento de consumo de álcool, tabaco, ansiolíticos, ou mesmo compras pela internet. A insônia também é um elemento de risco nesse sentido. “Muitas mulheres têm invertido o dia pela noite. E de madrugada, vendo a um filme, comem compulsivamente sem perceber os gatilhos. Elas relatam alívio da sensação de angústia e ansiedade, mas é um sentimento que vem seguido de culpa e remorso, o que piora o quadro de base ansioso ou depressivo.”
Desta forma, o psiquiatra recomenda essencialmente um trabalho psicológico durante a pandemia. “A gente pode chegar a um ponto de sobrecarga alostática. Em suma, isso significa o preço que o nosso organismo paga por todas as relações fisiológicas que o estresse desencadeia. O estresse pode ser benéfico, eventualmente, para uma fuga ou luta, mas o estresse crônico gera um custo alto para o organismo, em termos físicos e psicológicos”, finalizou.
Perdeu ou quer rever os dois primeiros webinars da APM? Confira os vídeos abaixo.