Autonomia médica em xeque

Nos últimos meses, as denúncias feitas contra a Prevent Sênior, no contexto da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia em andamento na Câmara dos Deputados, voltaram a jogar luz sobre os problemas decorrentes da verticalização das operadoras de planos de saúde. Embora os possíveis desmandos ainda estejam sob apuração das autoridades competentes, esse modelo – em que uma empresa controla a rede hospitalar, ambulatorial e de exames a qual os pacientes têm acesso – saiu dos holofotes apenas dos médicos, profissionais e gestores da Saúde, ganhando destaque entre parlamentares e a sociedade.

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Nos últimos meses, as denúncias feitas contra a Prevent Sênior, no contexto da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia em andamento na Câmara dos Deputados, voltaram a jogar luz sobre os problemas decorrentes da verticalização das operadoras de planos de saúde. Embora os possíveis desmandos ainda estejam sob apuração das autoridades competentes, esse modelo – em que uma empresa controla a rede hospitalar, ambulatorial e de exames a qual os pacientes têm acesso – saiu dos holofotes apenas dos médicos, profissionais e gestores da Saúde, ganhando destaque entre parlamentares e a sociedade.

Membro da CPI, o senador Jean Paul Prates, por exemplo, afirmou na ocasião das investigações que a verticalização, embora gere economia, diminui estágios para que os envolvidos constatem equívocos na cadeia. “Todas as etapas do atendimento médico ficam sob uma única fiscalização e uma única responsabilidade, que pode omitir falhas e, no caso presente, crimes. É evidente a omissão da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar], que não cumpriu seu dever de fiscalizar.”

Outro senador da Comissão Parlamentar, Rogério Carvalho, refletiu à época acerca da verticalização: “Quanto menos custos, mais a operadora ganha. Se eu controlo quem produz o custo a partir da necessidade do usuário, vai se interferir na hora de atender a necessidade do cidadão?”.

O parlamentar é responsável pelo Projeto de Lei 3.590/2021, que pretende estabelecer mecanismos para coibir a interferência das operadoras verticalizadas nos tratamentos oferecidos aos pacientes. Entre as ideias do texto está a presença obrigatória, nas empresas que atuam nesta modalidade de negócios, de Comissões de Revisão de Prontuários, de Revisão de Óbitos e de Ética Médica, com membros indicados, por exemplo, pela ANS e pelos Conselhos Regionais de Medicina. Desde que foi apresentado, no último dia 15 de outubro, o PL aguarda tramitação.

Muito do que foi debatido, a partir das denúncias, foi a imposição das operadoras na conduta dos profissionais prestadores. Há muitos relatos de médicos obrigados a recomendarem tratamentos sem comprovação científica aos pacientes com Covid-19, em clima laboral de hostilidade, com vigilância e, inclusive, demissões.

Não à toa, um termo de ajuste de conduta assinado pela Prevent Sênior em outubro – proposto pela Promotoria de Saúde do Ministério Público do Estado de São Paulo, com auxílio técnico-científico da Associação Paulista de Medicina (APM) – toca neste tema. O texto ressalta a necessidade de respeito à autonomia médica, sem o condicionamento às esferas superiores da empresa, proibindo tratamentos experimentais e a alteração do diagnóstico de pacientes.

Autonomia dos médicos

Não é de hoje, porém, que os modelos de verticalização tornam mais árduo o trabalho dos médicos. Já no momento da contratação do prestador, as relações têm se alterado bastante. Consultórios praticamente não fazem mais parte desse ecossistema. Enquanto isso, as operadoras optam por modelos precários de contratações de seus profissionais, seja por via da ‘pejotização’ ou por contratos inadequados.

Além disso, esses colegas têm trabalhado por hora. Assim, são obrigados a atender até oito consultas em 60 minutos, trazendo um prejuízo enorme para a qualidade da assistência. A população de usuários de planos de saúde fica muito prejudicada devido a um trabalho oferecido de maneira insuficiente para atender suas necessidades”, argumenta Marun David Cury, diretor de Defesa Profissional da APM.

Segundo o especialista, quando as empresas se verticalizam, se tornam “donas” dos usuários, podendo manipulá-los como acham melhor, em prol da lucratividade da empresa. “No geral, a verticalização quer diminuir os gastos e aumentar a rentabilidade.”

Marun Cury diz que, segundo as informações veiculadas sobre o caso da Prevent Sênior, os usuários idosos é que foram manipulados no episódio. “Conforme as denúncias, a empresa deu tratamentos sem comprovação científica e com grande prejuízo para a população, inclusive levando pacientes a óbito.”

Outro ponto muito nocivo da verticalização, defende o diretor da APM, é a falta de opções para os usuários. ser o mais adequado. “O paciente se vê prejudicado. Ele perde o direito de escolha e é submetido, por vezes, a um atendimento de baixa qualidade. Precisamos ver qual o tipo de assistência a população quer ter. Tenho a impressão de que querem uma Medicina segura e de qualidade, com bons profissionais e direito à escolha”, afirma

A verticalização

De modo geral, a verticalização é feita por dois caminhos. Ou prestadores de serviços, como hospitais, criam seus próprios planos para lidar com a demanda interna; ou operadoras de planos de saúde adquirem rede própria de hospitais, clínicas, ambulatórios, laboratórios etc. para atender a sua carteira de usuários. Para os empresários do setor, é uma maneira de ter mais controle sobre a utilização de insumos, de solicitação de exames e cirurgias, da qualidade e da resolutividade dos atendimentos. O que resulta em controle dos gastos.

A grande explosão da modalidade tem ocorrido nesta última década. Um crescimento ligado à abertura da saúde brasileira ao capital internacional – permitida em 2015, com a Lei 13.097. A partir deste momento, grupos estrangeiros foram liberados para adquirir hospitais privados e filantrópicos – antes, só podiam manter planos, serviços de diagnóstico e redes de farmácia.

Há, ainda, uma terceira modalidade de verticalização, conhecida por “virtual”. No Brasil, segundo Marun Cury, o exemplo mais notório é a parceria entre a seguradora SulAmérica e unidades do Dr. Consulta. Neste caso, o modelo de pagamento é pelo capitation. Isso significa que a seguradora paga um valor específico ao grupo de consultórios, independentemente da quantidade e da qualidade dos atendimentos feitos. Assim, os gastos são controlados mesmo sem a verticalização integral ou por rede própria, o que facilita que os planos sejam comercializados por valores inferiores.