Na última quarta-feira, 29 de julho, a Associação Paulista de Medicina promoveu mais uma edição de seu webinar, desta vez abordando os tipos de exercícios que devem ser praticados em tempos de Covid-19, os riscos de iniciar práticas intensas neste período e o impacto do sedentarismo na saúde individual e pública. O encontro foi transmitido no canal da instituição no YouTube.
José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM, abriu o evento afirmando que, atualmente, a atividade física está entre as mais relevantes preocupações da sociedade e dos profissionais da Saúde. “Elas nos ajudam a prevenir doenças e a estarmos melhor preparados para enfrentá-las quando acontecem. Neste momento de isolamento social, é muito importante preservar essa forma essencial de profilaxia”, introduziu.
Na sequência, a palavra foi passada ao diretor Científico da Associação, Álvaro Nagib Atallah, que relatou que diversos amigos e pacientes estão extremamente interessados em informações sobre como realizar atividades físicas durante a pandemia, em um sistema de quarentena e isolamento.
O primeiro convidado da noite foi Victor Keihan Rodrigues Matsudo, professor Livre-Docente de Medicina pela Universidade Gama Filho. O palestrante começou abordando o novo coronavírus, falando de fisiopatologia, transmissão, diagnóstico e tratamento. Em seguida, mostrou brevemente as atividades realizadas pelo Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de Caetano do Sul (Celafiscs), do qual é coordenador Científico.
A instituição, desde 1974, treina profissionais – médicos, nutricionistas, fisioterapeutas etc. – e estuda a relação entre atividade física e saúde, nos eixos da recuperação, manutenção, promoção e excelência. O Celafiscs é responsável pelo Agita SP, ação que promove as atividades físicas no estado e tem grande impacto na sociedade – a iniciativa foi, inclusive, premiada por instituições do mundo todo.
Falando mais especificamente da movimentação com a Covid-19, o palestrante indicou que há muitos anos o mundo sofre com o sedentarismo. Ele apresentou dados que mostraram que na capital paulista, ainda na década de 1990, 70% das pessoas são sedentárias – sendo esta condição o fator de risco mais prevalente, atualmente com 300 mil mortes ao ano causadas por ela.
“Somando as mortes do Brasil e do mundo, relacionadas ao sedentarismo, temos mais de 5,3 milhões de óbitos. Claro que o colesterol, o sobrepeso, o uso de tabaco e a diabetes matam, mas o sedentarismo mata mais. Só fica atrás da hipertensão”, relacionou Matsudo.
Além disso, o especialista trouxe números que evidenciam o custo financeiro da falta de rotinas de atividades na população. No Reino Unido, onde se fuma muito, o tabagismo custa, ao ano, 1,5 bilhão de libras. O sedentarismo, por sua vez, causa prejuízo de 8,2 bilhões. Desta maneira, o palestrante entende que vivemos em uma situação de sindemia – quando há mais de uma pandemia em curso, neste caso as de coronavírus e de sedentarismo.
Atividades físicas na infância
O próximo debatedor foi Luís Carlos de Oliveira, diretor e instrutor de pesquisas do Celafiscs, que trouxe o tema com maior foco nas crianças. “Esperamos que elas se movimentem, é o natural se você proporciona um ambiente favorável. Elas brincam, praticam esportes, jogam, se divertem em movimento. Esse ambiente imposto pela Covid-19, no entanto, não me parece favorável.”
Oliveira ressaltou, porém, que não é de hoje a preocupação com a inatividade dos pequenos. Ele indiciou que nos anos 1990 os pesquisadores já mensuraram a necessidade de intervir nos ambientes em que elas convivem, como lares, escolas e comunidades – ação muito importante a ser desenvolvida por profissionais e autoridades de Saúde, como argumentou.
“Sabemos que o comportamento sedentário da criança pode levar à alteração da pressão arterial, do colesterol, causar problemas psicológicos, resultar em menor autoestima, pior desempenho acadêmico e em problemas de comportamento social. Mais de duas horas de tela, por dia, podem provocar todas essas alterações, sejam funcionais, metabólicas ou psicológicas”, explicou.
O pesquisador mostrou, a seguir, que essa limitação de duas horas é uma recomendação da Academia Americana de Pediatria, que define como tela televisões, computadores e videogames, entre outros.
Oliveira, que também é professor convidado na especialização em Nutrologia Esportiva da Associação Brasileira de Nutrologia, abordou, ainda, um estudo da Celafiscs em Ilhabela, litoral paulista, em que é avaliada a tendência secular da frequência cardíaca em repouso das crianças.
“Houve mais de 10% de aumento da frequência entre 1978 e 2018. Dados também mostram diminuição da força de membros inferiores, da velocidade e da potência aeróbica. Só há aumento de uma variável neste tempo: a adiposidade. O mundo também vive uma epidemia desta condição. E lembro que falamos de crianças de Ilhabela, um paraíso natural com trilhas e cachoeiras. As crianças não têm aproveitado esse recurso.”
A conclusão do trabalho, descreve o pesquisador, é de que este aumento da frequência cardíaca em repouso pode estar relacionado à mudança no estilo de vida. Essas alterações podem influenciar no comportamento hipocinético. Assim, conforme Oliveira, há uma redução do nível de aptidão física que vira um ciclo: a criança cansa mais ao fazer atividades e tem menos estímulos para voltar a realizá-las.
E os idosos?
A condição da população mais velha também tem sido muito discutida diante das circunstâncias da pandemia. Quem abordou o tema durante o Webinar APM foi João Pedro da Silva Junior, pesquisador de Ciência do Esporte no Celafiscs.
“Para idosos com mais de 65 anos, ou de 50 a 64 com limitações, temos recomendação de garantir treinamento aeróbico, de força muscular, de flexibilidade e equilíbrio. Discuto com meus colegas de educação física que dá para fazer isso dentro de casa. Podemos fazer com pesos, sacos de arroz ou cabo de vassoura. Temos diversas estratégias e documentos que norteiam isso.”
Silva Junior também mostrou um trabalho feito com idosos que perguntou como tem sido o isolamento e a falta de atividades físicas em grupo. Os dados mostram que, até pelo envelhecimento ser mais feminino – com muitas viúvas, inclusive –, esse momento de atividade era a única alternativa para encontrar amigos, se abraçar, dançar, fazer ginástica, sendo essa interação também retirada de suas rotinas.
Ao fim da reunião, o presidente da APM retomou a preocupação com o sedentarismo, definido como a doença tratável mais prevalente hoje no mundo. “Só não mata mais do que a hipertensão, mas ajuda a controlá-la. Temos no combate ao sedentarismo um foco que não pode jamais ficar em segundo plano. É uma pandemia que nos assola há muito mais tempo.”
Ele também demonstrou preocupação com a condição de atividades que temos hoje. “Não sabemos quando vai chegar o ‘pós-Covid’, assim, é melhor começarmos a trabalhar atividades físicas já durante a pandemia. O isolamento é a única maneira de evitar nos encontrarmos com esse vírus e a atividade física é a melhor maneira de nos prepararmos para enfrentá-lo caso não possamos evitá-lo”, concluiu Amaral.
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