Dando continuidade à terceira edição do Global Summit Telemedicine & Digital Health, no dia 11 de novembro, em uma das salas do evento virtual, o painel nacional conduzido pela Associação Paulista de Medicina trouxe para a discussão médicos inovadores, que atuam em redes sociais e/ou são empreendedores.
A cirurgiã-plástica Flávia Ju, por exemplo, compartilhou a experiência pessoal de influenciadora do Instagram. Com quase 400 mil seguidores, ela diz que “sempre pensou fora da caixa”, o que lhe tornou uma profissional muito diferente da atuação médica convencional. “Sempre fui muito focada nos meus sonhos e objetivos, desde os 10 anos já queria ser cirurgiã plástica, tracei o sonho entre faculdade e residência. E não permiti que nada de externo pudesse me tirar do foco. Já no primeiro ano de residência de cirurgia plástica, tinha conseguido tudo que havia proposto a seguir, e aí uma pessoa me perguntou: Flávia, qual é o maior sonho de sua vida? Depois dessa pergunta, vi que ele tinha ficado pequeno diante do tamanho do ser humano que havia me tornado”, relata.
A partir da pergunta, a médica resolveu fazer uma viagem para Bali, ilha da Indonésia, para ter ideia do que faria após a residência, e teve contato com blogueiros que viajavam gratuitamente, alguns até recebendo para isso. Na volta, começou a fazer um novo planejamento de vida. “Pensei: não tenho nada que me prenda ao Brasil, não tenho filho, não tenho dívidas, tenho saúde e coragem de fazer uma volta ao mundo, mas lembrei que não tinha dinheiro para viajar pelo mundo”.
Foi aí que, a partir de 2018, ela começou a investir no Instagram, como um meio de conseguir recursos para transitar pelo mundo. “Rede social é o meio, e não o destino. É muito mais fácil ter um propósito e usar a rede para chegar ao objetivo final. Assim, eu queria viajar mais barato, e o meu meio era a rede social”, relembra.
A médica reforça que, para investir nas redes sociais, é necessário estudar, postar conteúdo bom e com constância e se dedicar. “Queria postar sobre viagem, mas não estava viajando o tempo todo porque estava na residência. Basicamente, postava o conteúdo que tinha. No final das contas, sem querer, atraí muitos seguidores: estudantes de Medicina, vestibulandos, médicos e demais profissionais da Saúde, não foi algo programado.”
Trocar a perfeição pela autenticidade é outro ponto fundamental, segundo ela. “Seu post não precisa ser perfeito em tudo, não precisa ser impecável. Sim, às vezes não é fácil assumir a sua personalidade no mundo digital. É necessário trocar o incrível pelo útil”, detalha.
Com os planos reformulados, hoje não tem mais vontade de dar a volta ao mundo. Campanhas educativas como usar máscara, cuidar da higiene e manter o isolamento para diminuir casos de infecção por Covid-19 contribuíram para influenciar os seguidores e a rede de blogueiros médicos, além de incentivar mulheres a ocupar espaços masculinizados da área médica.
Flávia é também fundadora do Padrinhomed, uma rede de médicos com desejo genuíno em ajudar e se conectar. Lançada em 11 de julho, possui mais de 15 mil usuários, com atuação em todos os estados do Brasil. Em quatro meses, já tem mais de 10 mil conexões, atingindo 8% dos estudantes de Medicina, tudo de forma orgânica e informal de divulgação.
Youtuber
Em seguida, o neurocirurgião Julio Pereira compartilhou sua experiência de 11 anos como youtuber. A ideia surgiu em razão da carência de informações na internet sobre Medicina, especificamente sobre neurocirurgia, nos anos 2010. “Quando fui para a residência, pensei em colocar conteúdo no YouTube. No começo, ninguém me via”, relata.
Para ele, hoje o YouTube é a segunda melhor ferramenta de busca. “O paciente brasileiro é muito conectado e também é o mais ansioso do mundo. Depois de entretenimento e música, temas sobre Saúde são os mais procurados na internet. A Covid-19 mostrou como o brasileiro é complexo, ao mesmo tempo que aqui explodiu o compartilhamento de notícias falsas, a nossa população foi a que melhor entendeu a importância da vacinação, além de o brasileiro gostar de interagir e comentar nas redes.”
Hoje, uma média de 500 mil pessoas assistem aos seus vídeos no canal. São 2 mil produções desde quando começou. Ele incentiva todos os médicos a serem youtubers. Para isso, recomenda planejamento e começar simples. “O médico é um comunicador. Grande parte do nosso tempo conversamos com as pessoas. Por mais que atendemos em consultório, operamos, temos o espírito de comunicador, damos entrevistas, e as pessoas, em geral, querem saber o que o médico pensa. Além disso, tem um aspecto importante de falar em eventos, congressos, palestras, de apresentar trabalhos, dar aulas. E somos vaidosos, naturalmente, mas também temos medo do julgamento. No entanto, qualquer ferramenta depende do seu uso correto”, conclui.
Empreendedorismo
O diretor de Tecnologia de Informação da APM, Antonio Carlos Endrigo, é enfático ao afirmar que o médico é um empreendedor nato. “É embutido na nossa cabeça esse negócio de criar uma coisa própria, a possibilidade de ter uma empresa futura caso não consiga exercer mais a função. Muitos se planejam, e nesse sentido eu não sou diferente. Brinco que empreender é como um vício de cachaça, que pode dar certo ou errado. Tive a sorte de produzir projetos que deram certo e impactaram a saúde suplementar.”
Endrigo é cirurgião-geral, e exerceu a função durante 15 anos. “Fiz residência em 1984 no Hospital Municipal do Tatuapé. Escolhi a especialidade justamente por conta da mobilidade, principalmente em pronto-socorro, onde gostava de atuar.” Em 2001, resolveu mudar radicalmente a carreira para o empreendedorismo, fundando a empresa Dativa Conectividade, que oferecia serviço de automatização dos pagamentos enviados pelos prestadores de serviços (consultórios, laboratórios e hospitais) às operadoras de saúde (convênios médicos). “Fomos a primeira empresa no Brasil a adotar o padrão TISS. Após seis anos, a empresa foi comprada pela Cielo e hoje se chama Orison.”
Em 2013, ao retornar de um ano sabático em Londres, Endrigo iniciou a função de diretor de novos projetos do Grupo Bem, com atuação nas linhas pré e pós-hospitalar, educação em saúde e gestão de risco. Em 2017, fundou a NexoData ao lado de outros sócios, uma plataforma de prescrições eletrônicas de medicamentos integrada a prontuários eletrônicos. “A prescrição tornou-se fundamental para o médico. Com o trabalho remoto e distanciamento físico, o paciente precisa da prescrição para ir à farmácia, então esse ambiente deu um salto gigantesco com a pandemia”, explica o diretor de TI da APM.
Dentre os projetos em que o cirurgião está envolvido atualmente, destaca-se o DataOpera, uma solução de compartilhamento de dados clínicos baseada em barramento e repositório de dados clínicos de diversos sistemas de saúde (hospitais, clínicas, laboratórios, consultórios médicos, seguradoras), que armazena de forma segura e pode ser compartilhado sempre com o consentimento do paciente. Ele é sócio-proprietário da companhia desde setembro de 2021. “Você que quer empreender, não desista. Persistência, perseverança e resiliência são elementos fundamentais para um projeto dar certo”, finaliza.
Novo modelo médico
Para fechar a roda de conversa, o médico Bruno Morato, ligado à Universidade de Stanford, abordou o tema “Quem cuida da saúde da empresa?”. Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, as três primeiras grandes frustrações com a área médica apareceram logo no primeiro ano de curso. Com o sonho de ser especialista em Neurocirurgia, percebeu que muitas vezes a teoria sobre um bom atendimento não correspondia à prática diária, uma questão sistêmica que perpassa a função do médico.
“A referência mundial padrão em termos do processo de conduzir um paciente com trauma craniano para a cirurgia deve levar até 40 minutos. Na prática, levava-se até quatro horas para realizar uma tomografia. Perguntei: por que quatro horas? Ninguém fazia ideia e o médico é um refém desse sistema. Essa foi a minha primeira frustração”.
O que acontece com o paciente fora do centro cirúrgico? Outro questionamento que frustrava Morato, uma vez que o profissional não acompanhava o paciente na residência dele, para observar se as medidas de cuidados estavam influenciando ou não nos resultados. A ausência de escala da prática médica, terceiro desapontamento analisado pelo palestrante, fez com que começasse a traçar projetos, ainda como estudante da graduação, para melhorar a gestão de agendamento no Hospital das Clínicas da USP para reduzir o tempo de espera.
“Os primeiros projetos foram básicos, mas me apaixonei por gestão de negócios. Sempre defendo essa frase: Tudo que existe no mundo, foi criado por alguém. E tudo que existe no mundo pode ser transformado por alguém. Quando você chega a essa conclusão, entende que pode ter um papel nessa transformação”, destaca. Hoje morando na Califórnia, nos Estados Unidos – com diversas experiências adquiridas em grandes empresas desde 2015, como cervejaria Ambev, McKinsey & Company, Credit Suisse e NexoData -, ele ressalta duas conclusões sobre a Medicina.
“A prática médica, de maneira geral, gira em trono da prescrição, mas não se será ou não cumprida. Em segundo, mudar o sistema e os serviços em torno do usuário é muito mais fácil do que mudar o comportamento dele. E o serviço transformado torna-se mais efetivo do que pensar em mudar o usuário”, finaliza.