A tertúlia de março da Academia de Medicina de São Paulo recebeu, no dia 11 de março, o infectologista Stefan Cunha Ujvari, que ministrou a aula Experimentos médicos do século 20: uma triste história, na sede da Associação Paulista de Medicina. “Durante uma parte importante daquele período, não havia nenhum rigor científico para o cuidado do paciente, inclusive para experimentos em medicamentos; por isso escolhi o subtítulo ‘uma história triste’”, explica o palestrante, autor do livro Pandemias, A Humanidade em Risco.
A abordagem histórica do levantamento de Ujvari se inicia em 1901, com a descoberta da transmissão do vírus da febre amarela por meio da picada de mosquitos infectados. “Foi a partir disso que o médico Oswaldo Cruz deu fim às epidemias cariocas ao aplicar medidas de saneamento”, destaca.
A descoberta da propriedade do urânio de emitir raios de radioatividade foi outro feito no decorrer do século. E a emissão do raio-x passou a ser comercializada indiscriminadamente. “Vendia-se para uma série de doenças, para energizar o corpo, em parques de diversão como radiografia do corpo ou da mão, para rejuvenescimento da pele. Era consumido como gotas de água radioativa”, exemplifica o infectologista.
A cocaína também era usada sem rigor científico como anestésico local para fazer procedimentos cirúrgicos, como gotas para aliviar dor de dente e melhorar a dor estomacal. “Até descobrirem a pepsina, enzima para melhorar o processo digestivo e aliviar dor estomacal”, acrescenta Ujvari.
A dieta do médico John Harvey Kellogg, um defensor da alimentação sem carne, também foi outra importante mudança alimentar estadunidense. Em 1876, ele se tornou superintendente do Sanatório Battle Cree e, com a esposa Ella e o irmão Will Keith, criou no início do século 20 o que se tornaria o mais famoso cereal matinal à base de milho.
“Acreditavam que as pessoas debilitadas precisavam de exercícios físicos matinais, refeições balanceadas à base de frutas e vegetais e banho de sol. Começaram, então, a comercializar flocos de milho para melhorar a disposição e a saúde dos internados e isso se expandiu”, informa o palestrante.
Como reforça o pesquisador, o século também foi marcado pelo surgimento de tônicos – anunciados em revistas e jornais, porém, sem comprovação científica e regulamentação – contra malária, fraqueza, tuberculose, queda de disposição, entre outros malefícios. Até que houve matéria investigativa em uma revista de grande circulação denunciando que a maioria dos medicamentos eram enganosos.
“Isso foi um escândalo nos Estados Unidos. Fez com que o governo criasse medidas, como a Food and Drug Administration (FDA ou USFDA), agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos do país, para monitorar os medicamentos e tônicos que prometiam benefícios.”
Surgimento do listerine, redescoberta da penicilina, técnica de lobotomia, expansão da eugenia nazista, epidemia de sífilis e tentativas de cura foram outros pontos sinalizados pelo médico durante a palestra. “A partir de 1964, houve vários encontros mundiais que possibilitaram melhoras até os dias atuais em rigor de conselhos de ética, bioética, avanços em trabalhos científicos e assim por diante”, sintetiza.
A tertúlia foi mediada pela vice-presidente da Academia de Medicina de São Paulo, Linamara Rizzo Battistella. “O que acabamos de assistir sobre a história nos reforçar a dizer que os controles e os comitês de ética são necessários. Além disso, as duas guerras mundiais do século passado nos mostraram o quanto a paz é necessária. A exposição é reflexiva, histórica e mostra que – nós médicos – temos o dever de assumir a equidade, a justiça e o respeito aos direitos humanos. A exposição desta aula é um dia para não ser esquecido”, conclui.