O ano era 1840 quando, em Resende (RJ), nasceu um dos mais conhecidos positivistas brasileiros, Luiz Pereira Barreto. Aos 15 anos, ele foi para Montpellier, na França, concluir os estudos iniciais na área de humanas. Posteriormente, ingressou nos estudos médicos pela Universidade de Bruxelas, na Bélgica. Voltou para o Brasil em 1865, tendo que revalidar seu diploma para poder exercer a profissão em território nacional.
O presidente da Associação Paulista de Medicina e ex-presidente da Academia de Medicina de São Paulo, José Luiz Gomes do Amaral, salienta: “Pereira Barreto estudou Medicina na Bélgica e, ao retornar ao Brasil, revalidou seu diploma na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Isso nos mostra que os hábitos do passado faziam parte de um tempo em que havia cuidado com a atenção à Saúde de nossa população”.
Naquele período, segunda metade do século XIX, o País enfrentava doenças infecciosas e epidemias, como a varíola, a descoberta da tuberculose e surtos de febre amarela, que mataram milhares de pessoas. Desta maneira, a atenção e o cuidado com a população eram enormes, bem como a busca por qualidade na prática médica.
Para revalidar seu diploma pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Barreto teve que elaborar uma tese e passar por banca examinadora da instituição, que o analisou de forma rigorosa a fim de declarar se os conhecimentos do profissional correspondiam à qualidade da Medicina brasileira.
Sua “Teoria das Gastralgias e das Neurastenias em Geral” surpreendeu a banca examinadora pelo sofisticado conteúdo científico e filosófico. A obra foi influenciada pelas ideias positivistas, pois Pereira Barreto encarava a humanidade como um organismo complicado, no qual cada homem representa um membro, estando em harmonia individual, mas dependente da harmonia coletiva.
As teorias positivistas também defendiam que apenas os conhecimentos científicos eram verdadeiros. Na Europa, ele recebeu forte influência de um dos pais do movimento – Auguste
Comte. O fundador da AMSP usa explicações de Comte para a elaboração de sua tese, destacando que no movimento da doença moderna [as patologias e epidemias que assolavam o Brasil naquele período], a natureza humana é dada como composição dos aspectos da inteligência, do sentimento e da atividade.
De acordo com ele, o intelecto, mediado pelos sentidos, recebe o mundo exterior e imprime o seu controle sobre os sentimentos. “E então a inteligência é estimulada pelos impulsos sociais, pois são estes que determinam o estado moral de uma coletividade de indivíduos, direcionando a atividade prática deles no mundo, ou seja, as características do coletivo moldam o indivíduo”, destaca.
Entre muitas outras realizações, nos anos de 1880, Luiz Pereira Bareto teve papel preponderante no combate à febre amarela. Após a Proclamação da República, foi eleito, em 1891, senador estadual e primeiro presidente da Assembleia Constituinte. Foi um dos fundadores da AMSP (à época Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo), em março de 1895, e seu primeiro presidente. Também foi sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Paulista de Letras.
Histórico da revalidação
Até 2010, os formados em faculdades estrangeiras precisavam revalidar os diplomas em instituição pública brasileira para exercer a Medicina no País, sendo que cada universidade adotava procedimentos próprios. A partir de 2011, o Ministério da Educação decidiu unificar o processo e estabeleceu um exame anual (Revalida), com 100 questões objetivas, 5 discursivas e 10 casos clínicos, a fim de testar as habilidades do participante.
Este ano, com a nova versão do Mais Médicos (Lei 14.621/2023), os médicos brasileiros e estrangeiros formados no exterior poderão participar do programa por quatro anos sem precisar revalidar seus diplomas. Com isso, os indivíduos podem exercer a Medicina no Brasil sem comprovação de qualificação e habilidades, ameaçando a Saúde e a integridade da população brasileira.
“Seria como se permitíssemos alguém conduzir um ônibus sem habilitação. Trata- se de agressão inominável à dignidade da profissão. Custa crer que algum médico possa defendê-la”, argumenta Amaral.
Publicada na edição 739 – Agosto/Setembro de 2023 da Revista da APM