Recentemente, o sarampo tem causado preocupação em diversas partes do mundo: nos Estados Unidos, por exemplo, são ao menos 378 casos conhecidos, a maioria em crianças e adolescentes. Trata-se da maior contagem nos últimos cinco anos.
De acordo com dados recentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Europa também não está em situação confortável. Em 2024, o bloco registrou o maior índice de casos do século XXI.
No Brasil, porém, os registros de casos ainda seguem sob controle. Até agora, em 2025, são quatro diagnósticos conhecidos. Três no estado do Rio (dois em São João de Meriti e um em Itaboraí) e mais um no DF. O cenário complicado internacionalmente, contudo, levanta preocupações sobre como anda a vacinação da doença no país, mesmo com casos em baixa.
Um levantamento realizado pelo Instituto Questão de Ciência (IQC) a pedido do GLOBO com dados do Ministério da Saúde mostra que o Brasil conseguiu elevar os patamares de imunização para primeira e segunda dose, em comparação a anos anteriores. Apesar de positivo, o avanço ainda não atinge a meta de cobertura contra a doença (fixada em 95%) na segunda etapa de imunização.
A análise mostra que, considerando a primeira dose da vacina, o país saltou de 89,1% de cobertura, em 2023, para 95,2% em 2024. Na segunda aplicação de imunizantes, as médias foram mais baixas. Passaram de 66,7% em 2023 para 79,7% em 2024.
A vacinação para sarampo mira em crianças de 1 ano de idade, com vacina tríplice viral (que protege também contra caxumba e rubéola). Depois disso, a segunda dose deve ocorrer na idade de 1 ano e 3 meses de vida. Na segunda etapa, é possível realizar a aplicação tanto da tríplice viral ou da vacina tetravalente (que também incluí a proteção contra varicela), isso muda a depender do estoque da Unidade Básica de Saúde (UBS) onde a criança receber a dose.
— Houve uma subida da cobertura em relação a 2023, mas estamos longe dos níveis pré-pandemia. Quebrou-se o ritmo de aplicação de doses, as pessoas perderam a rotina — afirma Paulo Almeida, diretor executivo do IQC. — Se tratando de menor cobertura na segunda dose, é possível imaginar que não são pessoas com hesitação vacinal, há outras razões para que elas não voltem ao serviço de saúde. Pode ser até esquecimento. Na Colômbia, (para evitar esse cenário) usa-se um sistema de envio de mensagens SMS para lembrar as famílias quando chega o momento da segunda aplicação.
Embora haja uma contabilização geral de cobertura no país, alguns estados estão num patamar mais distante da cobertura de 95%, de acordo com o levantamento, e portanto inspiram mais preocupação. Como por exemplo: Maranhão (59,9%), Acre (54,6%) e Pará (60,8%). Em São Paulo, a média é de 86,6% e no Rio de 67,9%, para segunda dose.
Na cidade Rio, diante dos registros de casos no estado, foi iniciada ontem uma estratégia de vacinação em locais com grande fluxo de pessoas para que seja possível localizar quem está sem a proteção da doença.
— A imunização é garantida com as duas doses. Não tê-las pode promover a proteção por um ano, ou logo após a aplicação, mas não a longo prazo — afirma Raquel Stucchi, professora da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). — Casos nos Estados Unidos ou na Europa sempre ocorreram, mas agora eles estão numa proporção maior, também temos alguns casos agora pipocando no Brasil. O que isso quer dizer? Que o vírus está ai. E o que podemos fazer? Regularizar o esquema de vacinação entre crianças e adultos. Pois o vírus está apenas esperando um cenário de baixa proteção das pessoas para provocar um surto.
Raquel ainda orienta que adultos que não possuem mais sua carteirinha de vacinação, não sabem se tomaram as doses nem se tiveram sarampo anteriormente, devem procurar uma UBS para regularizar a situação. Não há problema em receber as doses na vida adulta, caso a vacinação não tenha ocorrido na infância, ou se a pessoa se esqueceu.
Renato Kfouri, pediatra infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, lembra que o patamar de vacinação estabelecido para sarampo é tão alto (os tais 95%) porque trata-se de uma doença especialmente transmissível, que não costuma “poupar” pessoas vulneráveis — ou seja, quem está sem vacinação corre um risco altíssimo de adoecer num cenário em que o vírus está presente e circulando.
— É uma doença que não foi controlada em muitos países, sobretudo na Europa. Enquanto no Brasil falamos de meia dúzia de casos, no continente europeu contam-se milhares. Com o encurtamento das distâncias, considerando a ampla oferta de voos e o tráfego de pessoas pelo mundo, a entrada do sarampo no país é iminente. Todo dia pode chegar alguém com sarampo aqui — lembra o especialista que ainda ressalta a importância do serviço de vigilância de casos no país. — Argentina tem surto, México, Canadá, nem é preciso ir tão longe para identificar onde esses casos aparecem.
Os especialistas avaliam que embora seja fundamental que se avance na aplicação de segunda dose no país, não há motivo para pânico, mas sim cautela, sendo necessária a busca de quem está sem as duas doses, seja qual for a idade. O país, inclusive, recebeu em novembro do ano passado, o certificado da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) como país livre da circulação do sarampo.
Esse certificado o Brasil chegou a receber anteriormente em 2016, mas perdeu após um surto em 2019. É importante dizer que não se perde essa certificação com casos esporádicos na área, como ocorre no Brasil agora. Para isso, é preciso que a infecção apareça de maneira prolongada e persistente para que a região deixe se ser considerada “livre” da doença.
— É necessário buscar a vacinação não só para crianças, mas também para adolescentes e adultos que estão sem imunização, que podem receber doses gratuitamente no SUS. Essa vacina é para todos e não precisa ter circulação da doença para buscar essas aplicações— comenta Kfouri.
A importância da segunda dose
Juarez Cunha, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM), conta que a segunda dose é fundamental porque protege crianças nas quais o organismo não produz uma resposta imune adequada após a primeira aplicação. Assim, uma segunda etapa de imunização se torna uma arma contra ao que se chama de “falha vacinal”. Além disso, a segunda dose tem papel de prolongar a proteção inicial.
— Esse número de segunda dose abaixo da meta de 95% é preocupante, mas comparado ao que vivemos desde 2016, quando começa a queda dos índices vacinais, devemos considerar os números atuais indicativos de uma melhora importante — comenta. — Num cenário em que há aumento de casos em todo o mundo, essa cobertura de 95% é importante para promover uma imunidade coletiva. Pois chegando a esse patamar, mesmo que uma pessoa adoeça, é difícil que um grupo ao seu redor também seja infectado (ou seja, a transmissão é barrada). Temos que intensificar a vacinação não só na criança, mas também buscar as pessoas que chegaram à vida adulta e não receberam. Até os 29 anos, essa vacinação ocorre em duas doses. Depois disso, até os 59 anos, a vacinação de quem não está protegido é uma única dose.
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que nos últimos dois anos, o Brasil avançou na imunização para a doença. De acordo com informações da pasta houve “um aumento de mais de 180% no número de municípios que atingiram a meta em comparação com 2022”.
Como forma de ampliar a cobertura, a pasta diz que “adota estratégias como microplanejamento, vacinação em fronteiras, busca ativa de casos suspeitos e campanhas nacionais para o combate ao sarampo. Além disso, foi implementado o Monitoramento das Estratégias de Vacinação para fortalecer a imunização”. O Ministério contabiliza que há um estoque abastecido com 8 milhões de doses da vacina, disponíveis gratuitamente no SUS.
Fonte: O Globo