O primeiro estudo sobre o atual surto de varíola dos macacos no Reino Unido relata diferenças importantes nos sintomas dos pacientes em relação aos observados em surtos anteriores em outras partes do mundo.
Depois de surgir na Europa em maio deste ano, o vírus monkeypox, identificado, pela primeira vez, na década de 1970, na África, espalhou-se pelo mundo. No Brasil, já são 48 casos confirmados, segundo dados de ontem do Ministério da Saúde.
O estudo, publicado na revista The Lancet Infectious Diseases, analisou 54 pacientes que compareceram a clínicas de saúde sexual em Londres, no Reino Unido, e foram diagnosticados com varíola dos macacos em maio.
Os resultados sugerem que os indivíduos dessa coorte tiveram uma prevalência maior de lesões de pele na região genital e anal e menor queixa de cansaço e febre do que em surtos da doença previamente estudados. Com base nas descobertas, os autores sugerem que as definições atuais de diagnóstico devem ser revisadas para ajudar a identificar corretamente os casos.
Os autores também prevêem que a alta prevalência de lesões de pele genital em pacientes e a alta taxa de infecções sexualmente transmissíveis concomitantes significam que as clínicas de saúde sexual provavelmente verão casos adicionais de varíola no futuro.
Eles pedem mais recursos para apoiar os serviços no gerenciamento dessa condição. “Atualmente, o Reino Unido e vários outros países estão vendo um rápido aumento nos casos de varíola entre indivíduos que frequentam clínicas de saúde sexual, sem ligações aparentes com países onde a doença é endêmica”, disse o principal autor, Nicolo Girometti, do Hospital Chelsea & Westminster Hospital Fundação NHS Trust.
“O monkeypox é um novo diagnóstico dentro do cenário de saúde sexual, e nosso estudo, o primeiro a publicar sobre casos desse surto no Reino Unido, apoiará a descoberta de casos futuros e norteará o atendimento clínico.”
Os pesquisadores coletaram dados de pacientes com varíola em quatro centros de saúde em Londres. Casos confirmados foram definidos como indivíduos com infecção detectada laboratorialmente por meio do teste PCR-RT. Os cientistas também consideraram informações sobre o histórico de viagens, de atividade sexual e os sintomas clínicos dessas pessoas. Indivíduos diagnosticados com varíola receberam aconselhamento sobre medidas de isolamento e foram avaliados regularmente ao longo do tempo, por telefone.
Contato direto
Os 54 pacientes observados representam 60% dos casos relatados no Reino Unido durante o período de estudo (12 dias). Todos, exceto dois, não sabiam ter tido contato com um caso conhecido e nenhum deles relatou viagens à África Subsaariana, mas muitos visitaram recentemente outros países europeus.
Todos eles se identificaram como homens que fazem sexo com homens e têm idade mediana de 41 anos. Noventa por cento dos que responderam às perguntas sobre atividade sexual relataram pelo menos um novo parceiro nas três semanas anteriores aos sintomas, e quase a totalidade (49/52) revelou uso inconsistente do preservativo no mesmo período. Mais da metade dos pacientes teve mais de cinco parceiros sexuais nas 12 semanas anteriores ao diagnóstico.
Os pacientes eram todos sintomáticos e apresentavam lesões de pele; 94% tinham pelo menos uma na região genital ou perianal.
A maioria teve uma doença leve e se recuperou durante o isolamento domiciliar, mas cinco indivíduos necessitaram de internação hospitalar devido à dor ou à infecção das erupções cutâneas.
Porém, 100% desses melhoraram e receberam alta em sete dias.
“O sintoma comumente observado de lesões de pele nas áreas anal e peniana e o fato de um quarto dos pacientes testarem positivo para gonorreia ou clamídia ao mesmo tempo que a infecção por varíola dos macacos sugerem que a transmissão do vírus nessa coorte ocorreu pelo contato direto da pele. Por exemplo, no contexto da atividade sexual”, diz Ruth Byrne, coautora do estudo “No entanto, essa descoberta pode ser tendenciosa pelo fato de sermos provedores de saúde sexual e, portanto, pode não refletir a transmissão na população em geral”.
De acordo com Byrne, é possível que em vários estágios da infecção a varíola do macaco possa imitar doenças sexualmente transmissíveis comuns, como herpes e sífilis, em sua apresentação.
“É importante que os médicos e pacientes estejam cientes dos sintomas da varíola dos macacos, pois o diagnóstico incorreto da infecção pode impedir a oportunidade de intervenção adequada e a prevenção de transmissões.” Limitações O estudo também observou diferenças importantes nas características clínicas da coorte analisada em comparação com casos de surtos anteriores ocorridos em outros países.
Uma proporção menor dos pacientes relatou se sentir fraco e cansado e/ou ter febre e, além disso, 18% não relataram nenhum sintoma precoce antes do início das lesões cutâneas.
“Dada a rota sugerida de infecção por contato sexual e o número de descobertas clínicas diferentes das descrições anteriores, sugerimos que as definições de caso, detalhando sintomas como doença aguda com febre, devem ser revisadas para melhor se adaptar à atual situação”, disse Girometti.
“Com base nos nossos resultados, pelo menos um em cada seis pacientes do grupo que estudamos não teria sido encaixado como caso provável”, alerta.
Os autores reconhecem algumas limitações do estudo, principalmente sua natureza observacional e retrospectiva.
Além disso, os dados estão sujeitos a vieses de seleção, pois as orientações atuais e os materiais de promoção da saúde solicitam testes de varíola em indivíduos sintomáticos que se autodefinem como homens que faz sexo com homens. Os autores alertam que as descobertas podem não ser representativas do surto geral e enfatizam que é importante permanecer alerta para a possibilidade de disseminação para outros grupos.
Fonte: Correio Braziliense