Um novo genótipo da dengue foi detectado pela primeira vez no Brasil. Trata-se da linhagem cosmopolita, a mais disseminada no mundo, rastreada pela segunda vez no continente americano.
Em 2019, o Peru registrou um surto de casos após a identificação dessa linhagem. A identificação foi feita em fevereiro em uma amostra referente a um caso de novembro, na cidade de Aparecida de Goiânia, em Goiás, pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Laboratório Central de Saúde Pública de Goiás (Lacen-GO).
O virologista e coordenador da pesquisa, Luiz Alcantara, explica que a entrada de um a nova linhagem no País preocupa, pois aumenta a diversidade do vírus dentro do País, aumentando assim as chances de casos mais graves, uma vez que a dengue severa costuma acontecer em indivíduos que já tiveram uma infecção prévia por outro sorotipo.
O pesquisador da Fiocruz afirma, por outro lado, que ainda não se sabe se a transmissão do genótipo cosmopolita é mais eficiente ou mais rápida do que a das demais linhagens encontradas no Brasil, pois não há estudos que comparem a disseminação entre os sorotipos.
“Não é motivo para desespero ainda, porque há apenas um caso detectado”, diz. Ele informou ainda que em junho a Fiocruz fará o mapeamento genético de todas as amostra de dengue tipo 1 e 2 de Goiás desde 2019 para constatar se há mais casos de infecção pela linhagem. Alcantara reforça que a transmissão da dengue, diferentemente do que acontece com a da covid-19, depende de um vetor (o mosquito Aedes Aegypti).
Por isso, ainda não é possível quantificar o impacto que a linhagem cosmopolita terá no Brasil. No Peru, após um ano da detecção do primeiro caso, houve um aumento de casos graves, mas não de mortos, explica o virologista.
Já foi constatado que a origem do genótipo cosmopolita é de Bangladesh, na Ásia – continente com maior disseminação da linhagem –, mas o cientista explica que ainda não é possível saber como se deu a chegada no Brasil. “Não dá para saber se veio do Peru para cá, precisamos de mais amostras para identificar a origem do vírus e quando ele entrou no País”, diz.
Ele conta ainda que o indivíduo em que a linhagem foi detectada não relatou eventos de viagem no ano em que foi infectado, mas que ele trabalha no setor de zoonoses. “Ele faz trabalho em campo, então tem contato com vetores, o que faz com que seja alta a possibilidade de ele ter sido picado pelo mosquito com o vírus.”
Informações repassadas pelo município de Aparecida de Goiânia à Secretaria Estadual de Saúde de Goiás dão conta de que o paciente não teve maiores intercorrências de saúde, inclusive, recebendo cuidados em casa. A relação entre o surto de dengue em Goiás – Estado que é o segundo maior em casos da doença no País – e o novo genótipo encontrado é descartada com base no sequenciamento genético de amostras realizado na região.
Os casos daquela áreas são da linhagem 3, e a linhagem cosmopolita pertence ao sorotipo 2, explica o coordenador da pesquisa. A dengue tem quatro sorotipos, cada um com diferentes linhagens.
Ele explica que a dengue é uma virose endêmica no Brasil, cujo principal fator de disseminação é a densidade vetorial – isto é, a quantidade de mosquitos Aedes Aegypti.
“A densidade vetorial depende de fatores ambientais e climáticos, que favorecem a proliferação do mosquito.” As condições de vida da população também afetam a disseminação da dengue, cuja principal forma de prevenção é a diminuição dos focos de mosquitos, não deixando água parada, e o uso de repelentes em áreas de grande circulação do mosquito transmissor.
“Precisamos de uma vigilância epidemiológica muito ativa para tentar encontrar mais casos da nova linhagem.” VACINA. Luciana Costa, professora do Departamento de Virologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que ainda não existem estudos que mostrem se a dificuldade do desenvolvimento de vacinas para a dengue aumentaria com uma diversidade de genótipos, mas diz que, no geral, é mais complexo desenvolver vacinas contra um vírus com mais variações.
“Essa dificuldade já existe no desenvolvimento de uma vacina para a dengue justamente por causa dos quatro sorotipos do vírus. Mas não temos estudos que mostrem que a resposta imunológica contra os demais genótipos do sorotipo 2 não seria eficaz para proteger contra esse cosmopolita.
Pode ser que a resposta seja válida para esse novo genótipo também, uma vez que ambos são sorotipo 2”, esclarece Costa. No Brasil, ainda não existem vacinas contra a dengue disponível no Programa Nacional de Imunização (PNI).
Fonte: O Estado de S.Paulo