Após um início conturbado, a telemedicina finalmente se consolidou no Brasil. Em 2020, as restrições impostas para controlar a disseminação do novo coronavírus deflagraram um movimento inexorável e revolucionário: a interação entre médico e paciente com smartphones, tablets e computadores.
Em março de 2020, o Ministério da Saúde autorizou o uso da telemedicina para atendimento pré-clínico, assistencial, consultas, monitoramentos e diagnóstico durante a pandemia de covid. A medida acabou com um tabu de anos e alterou de forma permanente a prática da medicina no Brasil.
No final de abril deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que autoriza a telessaúde no Brasil. Uma semana depois, o Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamentou a prática, em caráter definitivo. Dessa vez, não houve oposição. Não há dúvida de que a mudança de postura de médicos e da sociedade em relação ao atendimento remoto à saúde entre 2019, quando o CFM tentou regulamentar a prática pela primeira vez, e hoje, é consequência direta da pandemia.
Para o médico Chao Lung Wen, chefe da disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP e presidente da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms), a resolução brasileira é uma das melhores do mundo, “porque ela detalha as modalidades de serviço”. O médico participou da elaboração da resolução de 2022 e da que foi revogada logo após a publicação, em 2019.
“Nosso maior problema é quando as pessoas usam palavras genéricas porque isso pode representar muita coisa. Nessa resolução, nós detalhamos as sete modalidades de serviço contemplados pela telemedicina”, diz Wen.
Outro ponto importante da resolução é a definição da telemedicina como método médico para cuidar do paciente e não como ferramenta.
Um dos pontos mais sensíveis da discussão para definir as regras da telemedicina era se a primeira consulta poderia ou não ser realizada à distância. Por fim, ficou definido que essa decisão caberia ao médico. No entanto, o padrão-ouro para as consultas médicas continua sendo o encontro presencial. A telemedicina é complementar.
Sempre que o atendimento virtual ocorrer, deve haver autorização expressa do paciente. Os relatórios emitidos durante a teleconsulta deverão conter identificação do médico, do paciente, data, hora e assinatura do médico com certificação em padrão legalmente aceito. Além disso, dados, imagens e o prontuário dos pacientes serão preservados, seguindo os preceitos do sigilo médico.
Outro aspecto contemplado na resolução diz respeito ao acompanhamento clínico de pacientes com doenças crônicas. Pelas novas regras, o paciente deve ir ao consultório médico após um intervalo de até 180 dias.
O CFM também deliberou sobre os honorários médicos. Havia a preocupação de que houvesse desvalorização do profissional com a oferta de consultas mais baratas. Para evitar isso, o documento definiu que a prestação de serviço de telemedicina deverá seguir os padrões do atendimento presencial.
O médico ressalta, por exemplo, que plataformas como WhatsApp, Instagram e Facebook não pode ser usadas para a prática da telemedicina porque elas têm vulnerabilidade e vazamento de dados.
Benefícios
A telemedicina ajuda ampliar o acesso à saúde, reduzir desperdícios e implementar linhas de cuidado. Um exemplo disso é um projeto do Hospital Israelita Albert Einstein e o Ministério da Saúde, no qual médicos especialistas que estão em São Paulo dão suporte para médicos generalistas que estão em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) na região Norte.
Pesquisa da Associação Paulista de Medicina (APM) em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB) apontou que metade dos profissionais brasileiros já aderiram à telemedicina. O levantamento mostrou que 32,1% dos médicos participantes afirmaram realizar teleconsulta com seus pacientes, por conta da pandemia; 25,5%, fazem teleorientação; 9,7%, telemonitoramento ; e 4%, teleinterconsulta. Já 6,2% indicaram praticar todas as opções anteriores.
A receptibilidade dos pacientes vai na mesma direção. De acordo com o levantamento, 64,3% dos pacientes não somente aceitam a telemedicina, como gostam da modalidade. Apenas 1,3% indicaram resistência em relação à novidade.
No entanto, é preciso lembrar que há limitações dependentes da situação clínica. Situações de extrema urgência e de risco de vida, por exemplo, não podem – nem devem – ser atendidas à distância. Por outro lado, o teleatendimento pode ajudar até mesmo nessa situação, ao fazer uma pré-triagem e direcionar o paciente para o local mais adequado de atendimento.
Desafios
Para Wen, o grande desafio da telemedicina hoje é a educação. Segundo ele, além dos médicos que já estão no mercado precisarem se informar sobre as boas práticas desse método, é necessário que isso já seja incorporado nas faculdades de medicina e de outras profissões da área de saúde que realizam algum tipo de teleatendimento. Também é preciso educar a população sobre como deve ser um atendimento de telessaúde e quais aspectos os pacientes devem se atentar.
Outros passos da regulamentação desse campo envolvem a construção da diretriz de boas práticas – o que já está em andamento com diversas especialidades médicas – e auditoria sobre a qualidade do serviço. O presidente da ABTms também alerta para o risco de extrema banalização e mercantilização desse tipo de serviço.
A escassez de acesso digital no Brasil ainda é uma barreira para ampliar o acesso à telemedicina. A expectativa é que a implantação da tecnologia 5G melhore a infraestrutura e altere esse cenário. Além disso, existem outras formas de democratizar o acesso, como oferecer esse serviço em UBSs, escolas e até mesmo em trailers com conexão por satélite.
Fonte: O Sul Online