Novo foco para combater a epilepsia

A epilepsia é comumente causada por lesões cerebrais, como as geradas por um acidente vascular cerebral (AVC)

O que diz a mídia

A epilepsia é comumente causada por lesões cerebrais, como as geradas por um acidente vascular cerebral (AVC). Todavia, ainda não é claro para a comunidade científica o motivo de alguns danos desencadearem a doença e outros, não.
Pesquisadores do Brigham and Women’s Hospital, nos Estados Unidos, identificaram um mecanismo que pode responder a essa questão.
Segundo o grupo, o causador da doença neurológica pode não ser a localização da lesão, mas as interrupções nas conexões neurais geradas por ela.
O trabalho, publicado na edição de ontem, da revista Jama Neurology, pode abrir caminho para uma nova forma de diagnosticar essa complicação neurológica e melhorar as formas de intervenção, avalia a equipe. “Usando um diagrama de conexões do cérebro humano, o mapeamento de rede de lesões nos permite ir além da localização individual da lesão e mapear o circuito cerebral conectado a ela”, afirma, em nota, Frederic Schaper, autor principal do trabalho.
Para o ensaio, foram avaliadas informações de mais de 1.500 pacientes com lesões no cérebro e atendidos em hospitais dos Estados Unidos e da Europa. Também foram incluídos dados de veteranos de combate do Vietnam Head Injury Study, pesquisa realizada na década de 1960.
Isso porque danos cerebrais resultantes de ferimentos por estilhaços de combate resultam em um aumento significativo na ocorrência de epilepsia.
A equipe estudou diversos tipos de lesões, como AVC, traumatismo e tumores, o que permitiu procurar conexões associadas à epilepsia em diferentes regiões e tipos de danos cerebrais.
Conforme Jordan Grafman, cientista do Shirley Ryan AbilityLab e integrante da equipe, os resultados mostraram que cerca de 50% dos veteranos sofreram pelo menos uma convulsão após lesão — às vezes, muitos anos após o ocorrido. “No entanto, permaneceu incerto por que lesões em algumas localizações causam epilepsia e outras, não”, relata, em nota.
Em uma segunda etapa, usando a amostra geral, os estudiosos compararam as localizações das lesões cerebrais em pacientes e pessoas sem a doença. Descobriram que os danos associados à enfermidade estavam distribuídos por todo o cérebro e que as localizações de lesões estavam conectadas a uma rede cerebral comum, o que sugere que as conexões interrompidas pelas lesões, e não a localização delas, podem ser a chave do problema.
Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, considera que esse e outros estudos de conectividade cerebral são de grande importância para a compreensão da epilepsia. “Ela é uma condição caracterizada por uma atividade elétrica anormal e sincronizada no cérebro, e a conectividade cerebral desempenha um papel crucial nesse processo”, justifica. “A conectividade refere-se às conexões funcionais e estruturais entre diferentes regiões cerebrais, e sua análise pode fornecer insights valiosos sobre os mecanismos subjacentes à epilepsia.” Os autores consideram que os achados poderão ajudar na previsão do risco de epilepsia após danos cerebrais. “Se pudermos mapear uma lesão na rede cerebral que identificamos, talvez possamos estimar quão provável alguém desenvolva epilepsia após um AVC”, ilustra Schaper. “Isso ainda não é uma ferramenta clínica, mas estamos estabelecendo as bases para estudos futuros que investigarão o uso de redes cerebrais humanas para prever o risco de epilepsia.” Estimulação profunda Segundo o artigo, as conexões cerebrais identificadas não estavam na superfície do cérebro, mas localizadas profundamente em regiões chamadas gânglios da base e cerebelo. Em estudos com animais, essas estruturas têm mostrado modular e controlar crises de epilépticas, sendo hipotetizadas como uma espécie de freio cerebral.
A equipe americana conduziu um teste para avaliar como isso se desdobraria em humanos.
Para isso, avaliaram informações de 30 pacientes com epilepsia resistente a medicamentos submetidos à estimulação cerebral profunda (DBS, em inglês) no tratamento de convulsões.
Eles descobriram que o resultado era muito melhor quando o local estimulado estava conectado à rede cerebral identificada por meio das lesões.”Ao programar um eletrodo de DBS para melhorar as convulsões, é difícil saber qual local estimular.
Isso pode levar meses até que as convulsões do paciente melhorem”, explica, em nota, Michael Fox, coautor do estudo e professorassociado de neurologia na Harvard Medical School.
Na avaliação de Lobo, ensaios como esse podem ser úteis em outros âmbitos. “O estudo das lesões epileptogênicas também pode fornecer informações prognósticas importantes. Alguns tipos de lesões cerebrais, como malformações congênitas, tumores ou lesões focais, podem ter melhores prognósticos em relação à resposta ao tratamento e à taxa de remissão das crises epilépticas”, indica o neurologista. “O conhecimento sobre a natureza e a localização da lesão pode ajudar a prever o curso da epilepsia e orientar as expectativas de tratamento para os pacientes e suas famílias.” A equipe espera que, com próximos estudos, seja possível utilizar o diagrama de conexões dos pacientes e testá-lo como ferramenta clínica para diagnóstico.
“Agora que sabemos mais sobre quais circuitos cerebrais podem desempenhar um papel tanto na causa quanto no controle da epilepsia, isso abre oportunidades promissoras para orientar nossas terapias. São necessários futuros ensaios clínicos para determinar se esse circuito pode guiar efetivamente o tratamento por estimulação cerebral para epilepsia e beneficiar os pacientes”, afirma Schaper.

Fonte: Correio Braziliense