As indicações de cirurgia de remoção do útero (histerectomia) estão diminuindo cada vez mais – tanto em casos de doenças benignas quanto malignas – mas o procedimento ainda é um dos mais realizados em mulheres, em todo o mundo. Ele é indicado quando a paciente tem um sangramento uterino anormal, que prejudica muito a qualidade de vida, ou por causa de cânceres.
Essa cirurgia em geral ocorre na quarta década de vida da mulher, em casos benignos, mas pode ocorrer em qualquer idade no caso de doenças malignas.
Quando é indicada em pacientes mais jovens – o que é bastante raro – é por conta de tumor maligno ou malformação genética ou congênita do útero, que o impede de funcionar adequadamente, segundo a médica Marair Gracio, presidente da Comissão de Uroginecologia e Cirurgia Vaginal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Muitas vezes, quando a paciente já não quer mais ter filhos, ela própria pede pela remoção imediata para acabar com o incômodo. Mas quando a mulher é mais jovem e deseja engravidar no futuro, o procedimento pode levar a um sofrimento emocional complexo, que os médicos costumam acompanhar de perto.
A retirada somente do útero, biologicamente, não afeta em nada a vida sexual da mulher. Mas quando a histerectomia precisa ser acompanhada também da retirada de um ou dos dois ovários, é necessária a reposição hormonal, após a cirurgia. Isso para que a mulher não apresente uma menopausa cirúrgica e precoce, o que pode comprometer sua saúde óssea, cardíaca, sexual, emocional e até cognitiva.
A diminuição das indicações de histerectomia é da ordem de aproximadamente 16%, de acordo com a Febrasgo, e se dá devido ao avanço na qualidade de medicamentos de controle de sangramento. Sendo assim, na maioria das vezes, o útero é preservado – tanto em casos de doenças benignas quanto malignas.
1.Quando e por que a cirurgia de remoção de útero (histerectomia) é indicada?
A histerectomia é indicada na maioria das vezes por conta de sangramento uterino anormal, que pode ocorrer por causa de um ou mais miomas (miomatose) ou por adenomiose (afrouxamento da musculatura do miométrio – o músculo do útero). Essas são patologias benignas, mas que comprometem muito a qualidade de vida da paciente.
“Nos ambulatórios de ginecologia, 70% das queixas mulheres a partir dos seus 35 anos estão relacionadas com a questão da menstruação. Na maioria das vezes, nós conseguimos tratar de forma clínica, conservadora. Mas às vezes o mioma é tão grande que você acha que a paciente está grávida de seis meses. Então nós sabemos que esse mioma volumoso não vai responder com medicação. Aí, a conduta já é cirúrgica”, explica Ana Virgínia Gama, ginecologista e sexóloga e professora da faculdade AFYA em Palmas.
O exame de imagem (ultrassonografia endovaginal) indica se há um mioma ou adenomiose.
Na ADENOMIOSE, o miométrio não consegue ter uma boa contração, o que leva a sangramentos regulares.
O MIOMA é um tumor benigno que vai crescendo e pode ficar localizado em diferentes regiões do útero. O tamanho dele precisa ser acompanhado e mesmo miomas pequenos podem não ter boa resposta ao tratamento clínico.
Os miomas surgem por conta de uma alteração hormonal e crescem quando a paciente produz estrógeno. Quando a mulher está mais perto da menopausa, em algum momento os ovários vão parar de produzir o hormônio e o mioma não vai mais evoluir. Dependendo da localização dele, pode ser necessária a remoção do útero. Mas quando a histerectomia pode ser evitada, é retirado somente o mioma, num procedimento chamado miomectomia, e o útero é preservado.
Alguns miomas são assintomáticos, mas quando há sintomas, o principal é a alteração do fluxo menstrual, cólica menstrual e aumento do volume abdominal. Dependendo do volume do mioma, ele também pode interferir na vida sexual. Para casos de miomatose, a chance de fazer histerectomia é inferior a 5%.
Contexto 1: O sangramento uterino anormal também pode ocorrer por causa de pólipos. Mas estes são removidos com a histeroscopia.
Contexto 2: O tratamento dos casos clínicos é feito pelo bloqueio da menstruação, com anticoncepcional sem estrógeno, o que leva a uma atrofia do endométrio. Essa ação medicamentosa ocorre a médio e longo prazo e leva de seis meses a um ano. O DIU (dispositivo intrauterino) medicamentoso também é uma opção de tratamento para os miomas, mas este não é disponibilizado pelo SUS. Não menstruar por conta de medicação não tem contraindicação, pois a menstruação é a descamação do endométrio após a proliferação do mesmo. E quando não há proliferação, não há sangramento. Além desses, também são prescritos anti-inflamatório e anti-hemorrágico por tempo curto, de cerca de 3 dias.
Mas a indicação da remoção do útero pode ser também por problemas malignos (cânceres), como o de colo de útero, que é o mais comum. O profissional que faz o procedimento neste caso precisa ser um cirurgião oncológico.
Quando há CÂNCER DE COLO UTERINO, diagnosticado num estágio precoce, é possível fazer o tratamento muitas vezes sem a necessidade de retirar o útero todo, ou retirando somente o colo ou parte dele.
Obs: Uma futura gestação em útero já operado precisa ser bem acompanhada por um profissional.
Como explicar o que significa retirar o útero?
O médico precisa explicar para a paciente que ela não poderá mais engravidar.
“Tem paciente que já pede para tirar logo o útero porque já teve filhos e não quer ficar mais com sangramento. Já tem outras que pensam que o que o que havia de mais importante como significado de mulher vai ser retirado, que ela vai ficar oca. Então nós precisamos conversar muito com essa mulher para saber qual é o significado disso para ela. Para que ela não venha a ter repercussões negativas na sua autoestima, na sua vida sexual. Porque ela pode se sentir diferente. Ela pode querer ter filhos ainda”, conta a ginecologista Gama.
Em alguns casos, a mulher opta por congelar os óvulos para ter posteriormente a opção da terapia de útero de substituição (barriga de aluguel).
Quando a mulher já tem filhos, essa conversa costuma ser sempre mais fácil, de acordo com os médicos.
2.Como a cirurgia é feita?
Numa emergência obstétrica, quando há hemorragia sem controle no pós-parto, pode ser retirado somente o útero, pelo fato de esta ser a única forma de parar o sangramento. Mas na histerectomia eletiva (programada), ocorre a remoção do útero e do colo junto. E ela pode ocorrer de três formas:
- Cirurgia aberta: método tradicional e mais invasivo. Em casos de cânceres, essa é a forma recomendada.
- Laparoscópica (vídeo): menos invasiva que a aberta, ela representa cerca de 20 a 30% das cirurgias feitas no Brasil. Na rede privada, esse percentual sobre para quase 60%. Na cirurgia laparoscópica, o risco de complicação é bastante inferior do que na técnica de via aberta.
- Robótica: é o método mais avançado atualmente disponível. No Brasil, menos de 5% das cirurgias de remoção de útero são por técnica robótica. Nos EUA, esse percentual é de cerca de 70%. Menos invasiva e mais segura, oferece risco de sangramento menor e a recuperação da paciente é mais rápida (ela pode sair do hospital no mesmo dia da cirurgia). A técnica ainda não está disponível no SUS – apenas em hospitais com verbas de pesquisa ou verbas terceiras. As complicações na robótica são discretamente menores que na laparoscópica. Mas a robótica não pode ser aplicada em casos de câncer uterino e câncer de ovário. Nestes casos, a cirurgia precisa ser por via aberta, chamada via laparotômica.
“A cirurgia robótica é considerada a mais avançada hoje no mundo. Permite maior controle dos movimentos e isso se traduz em vantagens, porque tem menos sangramento e a recuperação é melhor. Gera um dano tecidual infinitamente menor e é a opção mais segura e mais moderna”, afirma o médico Augusto Henriques Fulgêncio Brandão, da equipe de Cirurgia Ginecológica e Cirurgia Robótica da Rede Mater Dei de Saúde.
A histerectomia é uma das cirurgias mais frequentes na fase do menacme (antes da menopausa), na faixa dos 48 anos.
“Infelizmente, as filas para a cirurgia no SUS são imensas. Muitas mulheres que têm seus pedidos há mais de um ano param no pronto-socorro com sangramento e fazem a cirurgia de urgência. Aquela paciente que está sangrando muito tem um desmaio, está com a hemoglobina baixa e não tem como esperar. Não tem como mandar essa paciente para casa”, lamenta a médica Ana Virginia Gama.
3.O que ocorre quando é preciso retirar também os ovários, além do útero?
Preservar os ovários é extremamente importante e deveria ser sempre uma preocupação médica, pois eles são responsáveis pela produção dos hormônios sexuais femininos, que são determinantes para a vida sexual, o humor, para a saúde dos ossos, cardiovascular, dos músculos e até para a saúde cognitiva. Isso porque os ovários produzem estrógeno, que protegem contra doenças cardiovasculares, osteoporose e até demência.
Na maioria das vezes, os ovários são preservados – tanto em situações benignas quanto malignas. Mas como a mulher que remove o útero não menstrua mais, para saber quando ela está entrando na menopausa, o médico precisa acompanhar os sintomas dessa mulher. E, se houver sintomas clínicos, é preciso iniciar a reposição hormonal.
As mulheres que removem o útero e conseguem manter os ovários continuam tendo seus ciclos ovarianos e produzindo hormônios normalmente. Mas muitas acabam tendo seu psicológico abalado por uma crença pessoal e da sociedade de que o útero representa a feminilidade. Elas se sentem amputadas e pode ser necessário um acompanhamento psicológico para reverter este quadro.
A Dra. Ana Virginia Gama reconhece que algumas mulheres acabam passando pela remoção dos ovários (ooforectomia) sem necessidade. Isso já foi mais comum no passado, quando os tratamentos contra o câncer eram menos eficazes, mas ainda pode ocorrer.
Apenas quando a mulher está há muito tempo na menopausa, com 60 anos ou mais, é indicada também a remoção dos ovários como forma de prevenir um câncer. Neste caso, os benefícios da retirada dos ovários costumam ser maiores do que os malefícios. Da mesma forma, depois de 60 anos, na maioria dos casos não costuma mais ser indicado fazer reposição hormonal.
E em casos de cânceres mais graves como de endométrio ou do próprio ovário, também é indicada a remoção dos ovários.
Já em caso de câncer de colo uterino, não é preciso remover os ovários.
Quando as mulheres precisam retirar os ovários e pretendem ainda ter filhos, ela tem a opção de congelar os óvulos para poder no futuro de fazer uma inseminação artificial em útero de substituição (barriga de aluguel). Em quase todos os casos de câncer de ovário, o útero também é removido.
“Hoje a legislação é mais tranquila. Se a paciente tem parentes de primeiro grau dispostas a receber o embrião (útero de substituição), ela consegue fazer sem fila. O câncer é sempre uma notícia péssima, mas ele permite várias vitórias dentro daquela família que está envolvida. Felizmente, na maioria das vezes, vemos histórias muito bonitas de integração familiar”, conta o médico Brandão, que já teve casos de terapia em útero de substituição no consultório.
Brandão alerta, porém, que a mulher que vai gerir o filho biológico de outra mulher precisa entender e aceitar que aquela criança não será dela, o que pode ser difícil de lidar. Além disso, ela precisa estar ciente dos riscos de qualquer gestação. E ele reconhece que já viu casos em que a gestante desenvolveu depressão após entregar a criança para a mãe biológica.
Se a mulher não tiver um parente de primeiro grau disposto a receber um embrião, ela ainda pode solicitar uma alteração judicial para fazer isso com alguma outra mulher que esteja disposta. Legalmente, nenhuma mulher pode receber uma verba para receber um embrião.
Os casos mais desafiadores de doenças malignas, para Brandão, são os de mulheres que descobrem o câncer durante a gestação.
“Dependendo do estágio, é oferecida para essa paciente uma interrupção da gravidez para fazer o tratamento do câncer. E hoje há um número muito grande de mulheres – mesmo sabendo do risco da progressão de doença – que optam por manter a gravidez e deixar para serem tratadas depois, de tanto que aquela gravidez é desejada. Isso atualmente é o que mais me impacta”, revela Brandão.
Alguns tipos de cânceres – como o de mama – podem ser tratados com quimioterapia durante a gravidez, mas outros não. No caso de câncer de ovário e de alguns linfomas, a quimioterapia não pode ser feita durante a gravidez. E a radioterapia não é compatível com a gravidez em nenhum cenário.
Nos casos das doenças malignas, quanto mais precoce for o diagnóstico, maior é a probabilidade de preservar o útero.
A paciente que vai anualmente no ginecologista tem chance muito remota de ter um câncer invasivo. Entre as estratégias de rastreio de câncer de colo estão a captura hibrida para HPV ou testagem de DNA de HPV, ou o exame citológico feito em consultório (o chamado Papanicolau).
Em mulheres que removeram o útero e não entraram na menopausa, mesmo quando um único ovário é retirado, a menopausa precoce já pode acorrer se não for feita a reposição hormonal. Os óvulos não liberados na menstruação entram em estado de atresia folicular (são atrofiados e absorvidos pelo organismo).
Quando a paciente não tem mais útero, não há necessidade de repor a progesterona, que tem a função de proteger o endométrio. Neste caso, a reposição é apenas de estrogênio, que pode ser por comprimido ou por gel transdérmico.
Obs: Já quando a mulher tem mioma e não removeu o útero, o tratamento é com a progesterona.
4. A vida sexual é impactada após a remoção do útero?
A retirada somente do útero, mantendo os ovários, não impacta biologicamente a vida sexual da mulher. Mas pode haver um impacto por questões emocionais. Os hormônios permanecem sendo produzidos pelos ovários que continuam no corpo da paciente.
“Porém, a repercussão emocional às vezes é de tal ordem que a paciente passa a sentir que o desejo sexual acabou. Ela se sente mutilada e, de repente, perde a disponibilidade para a atividade sexual. Mas a perda é essencialmente emocional. E quando essa mulher não teve a chance de ser mãe, é mais difícil”, explica Carmita Abdo, psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da USP.
A mulher perde a função reprodutiva, mas a função erótica, do sexo, teoricamente não é alterada. O canal vaginal não fica mais curto por causa da retirada do útero.
“Mulheres que previamente à retirada do útero já tinham um sexo que não era satisfatório, tendem a permanecer com vida sexual insatisfatória ou até a piorar. E elas creditam esta piora a perda do útero, quando na verdade há outras causas que são as mais variadas possíveis: desde conflitos relacionais ou até outras doenças que tiram a libido, como uma depressão e a diabetes avançada”, acrescenta Abdo.
5.Os números de cirurgias realizadas e dos casos de miomas no Brasil
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou, entre 2020 e agosto de 2024, 37.676 histerectomias, sendo 4.634 em 2020, 5.420 em 2021, 9.880 em 2022, 10.946 em 2023 e 6.796 entre janeiro e agosto de 2024.
Já em relação a retirada de ovários (oforectomia/oforoplastia), foram realizadas 77.619 entre 2020 e agosto de 2024, sendo 12.981 em 2020, 13.840 em 2021, 18.209 em 2022, 19.532 em 2023 e 13.057 entre janeiro e agosto de 2024.
Em uma amostra aleatória de mulheres entre 25 a 40 anos de idade, a ultrassonografia transvaginal detectou uma prevalência de 5,4%, com uma relação direta entre prevalência e idade das pacientes – 3,3% para mulheres entre 25 e 32 anos e 7,8% para mulheres entre 33 e 40 anos.
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Leiminioma de Útero informa o percentual de brasileiras afetadas por miomas: em uma amostra aleatória de mulheres entre 25 a 40 anos de idade, a ultrassonografia transvaginal detectou uma prevalência de 5,4%, com uma relação direta entre prevalência e idade das pacientes – 3,3% para mulheres entre 25 e 32 anos e 7,8% para mulheres entre 33 e 40 anos.
Uma prevalência de 6% a 34% de miomas submucosos foi observada em mulheres que se submeteram à histeroscopia como parte da investigação de hemorragia anormal e de 2% a 7% nas mulheres sob investigação de infertilidade. Miomas não têm sido descritos em meninas pré-puberais, embora já o tenham sido em adolescentes.
Fonte: G1