A disparada do dólar, ultrapassando os R$ 6, impõe um desafio crítico à ciência brasileira. Num país cuja pesquisa de ponta depende de insumos e equipamentos importados, a alta da moeda americana torna-se um termômetro da capacidade do Brasil de avançar em descobertas e inovação. Esse cenário impacta não apenas a economia, mas também a soberania, o bem-estar da população e a posição do país no cenário mundial.
Nos laboratórios, reagentes e equipamentos importados tornam-se inacessíveis, transformando ferramentas indispensáveis em artigos de luxo e aprofundando as dificuldades da pesquisa. Com investimentos em ciência estagnados em torno de 1% do PIB há décadas — muito abaixo da média de 2,7% dos países da OCDE —, o Brasil vê sua competitividade científica gravemente comprometida.
Os programas de fomento, como os do CNPq e da Capes, têm seus financiamentos em reais, enquanto os custos da pesquisa, atrelados ao dólar, ameaçam sua sustentabilidade. Publicar artigos, essencial para consolidar o Brasil no debate global, enfrenta barreiras com taxas em moeda estrangeira, prejudicando uma posição conquistada com esforço. Dados de 2024 mostram o Brasil na 13ª posição em produção científica, mas apenas na 50ª no Índice Global de Inovação — reflexo de uma lacuna que o dólar elevado tende a aprofundar, ao encarecer a aplicação do conhecimento e sua conversão em nota fiscal.
Os bolsistas brasileiros lidam com desafios que traduzem o impacto do câmbio desfavorável. Bolsas de estudos pagas em dólar no exterior pressionam o orçamento das agências de fomento e podem reduzir a oferta de bolsas no país, onde pesquisadores já enfrentam valores defasados e o alto custo de vida. Isso ameaça a continuidade na pesquisa e desestimula carreiras acadêmicas.
Startups e incubadoras de empresas, potenciais líderes em inovação, enfrentam custos proibitivos na importação de recursos essenciais, ampliando o fosso entre pesquisa e desenvolvimento. Empresas farmacêuticas, dependentes de insumos estrangeiros, encontram mais dificuldades para desenvolver produtos estratégicos, como novas terapias contra o câncer. Áreas fundamentais como saúde pública, agricultura de precisão e pesquisa aeroespacial sofrem impactos profundos. Projetos de vacinas e medicamentos essenciais tornam-se mais caros, comprometendo respostas a emergências sanitárias e pressionando o orçamento público da saúde.
A ciência brasileira, historicamente resiliente, não pode mais sobreviver à base de improvisos. É urgente implementar políticas públicas que assegurem financiamento robusto e previsível, vinculado a um percentual fixo do PIB. Produzir insumos localmente, ampliar parcerias internacionais e proteger o orçamento de flutuações cambiais são passos imprescindíveis para garantir a continuidade da pesquisa.
A ciência é o motor do desenvolvimento. Investir em pesquisa é investir em soberania. Sem ciência, o Brasil corre o risco de perpetuar um presente de estagnação e oportunidades perdidas.
*Marcelo Morales, médico e biofísico, é professor titular da UFRJ e integrante da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Nacional de Medicina e da Academia Nacional de Farmácia
Fonte: O Globo