Nesta semana, Zimbabué se tornou o primeiro país da África a aprovar o medicamento injetável para a prevenção do HIV cabotegravir (CAB-LA). O continente sofre com a maior incidência de infecções pelo vírus no mundo, cerca de 67% do total segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids). O aval foi celebrado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que desde julho recomenda o uso da nova alternativa mais eficaz à profilaxia pré-exposição (PrEP) oral, versão utilizada hoje na maioria dos países.
Apesar da orientação da OMS, Zimbabué é também apenas o terceiro lugar a dar o sinal verde para o novo medicamento. Além da nação africana, apenas Estados Unidos e Austrália já deram a aprovação, em dezembro de 2021 e agosto de 2022, respectivamente. Aplicado de dois em dois meses, o cabotegravir se mostrou altamente eficaz em prevenir a infecção pelo HIV nos estudos clínicos, com uma taxa maior que a do PrEP oral.
“A OMS celebra a notícia de que o Zimbábue aprovou o CAB-LA, o que abrirá caminho para seu uso, fornecendo opções mais seguras e eficazes para a prevenção do HIV”, diz a diretora do Programa Global de HIV, Hepatite e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) da OMS, Meg Doherty, em comunicado.
A medida é importante especialmente no continente africano, que lidera no número de contaminações e mortes ligadas ao HIV. De acordo com informações da Unaids, em 2021 eram 38,4 milhões de pessoas vivendo com o vírus no mundo, 25,6 milhões (67%) delas na África. Em relação aos óbitos, foram 650 mil em âmbito global no ano passado, 420 mil (65%) na região.
Como funciona o cabotegravir
Além de ser a primeira versão injetável do PrEP, o medicamento é também pioneiro na proteção de ação prolongada. Na maioria dos países, assim como no Brasil por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), desde 2017, a terapia oferecida envolve uma combinação de dois antirretrovirais, tenofovir + entricitabina, que são administrados oralmente e devem ser tomados todos os dias. A nova alternativa reduz essa necessidade para a cada dois meses, o que pode aumentar a adesão de pessoas em maior risco ao método de prevenção, afirma a OMS.
Aprovada pela primeira vez em 2015, a PrEP é considerada uma ferramenta importante na luta contra a Aids e atua bloqueando uma enzima do corpo necessária para que o HIV se replique ao infectar o organismo. É, portanto, uma estratégia de prevenção da contaminação anterior à exposição, e não de tratamento para pessoas que vivem com o vírus.
Além disso, embora a versão injetável possa ser confundida com uma vacina, o novo PrEP não se enquadra nessa classe de terapias. Isso porque os imunizantes atuam induzindo o sistema imunológico a produzir células de defesa e anticorpos para combater determinado microrganismo, o que não é o caso do PrEP. Ainda que também funcione no esquema de prevenção, a profilaxia é um esquema contínuo, ou seja, que não pode ser interrompido, e são os antivirais que inibem a replicação do vírus. Já a vacina induz uma proteção duradoura pelo próprio sistema imune.
No caso de pessoas que não tomam a PrEP, mas foram expostas ao HIV, existe a profilaxia pós-exposição (PEP), também ofertada no SUS. Ela é uma medida de caráter emergencial, e deve ser administrada preferencialmente nas primeiras duas horas após a possibilidade de contato com o patógeno, e no máximo em até 72 horas. É o caso por exemplo de uma relação sexual sem preservativo com alguém que vive o HIV em estado transmissível.
No Brasil, ainda não há previsão de aval oficial do cabotegravir pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da posterior incorporação ao sistema público pelo Ministério da Saúde. Porém, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) implementará a estratégia no país por meio de um projeto piloto.
Financiado pela Unitaid, agência global de saúde ligada à OMS, a iniciativa ocorrerá em seis centros de pesquisa que são parte da rede de serviços do PrEP no SUS, localizados no Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Florianópolis, Salvador e Manaus. A duração estimada do projeto é de dois anos, e ele será conduzido em parceria com a África do Sul para fornecer mais dados sobre a eficácia do medicamento. No país africano, o alvo serão adolescentes e jovens mulheres, que têm sido infectadas em taxas desproporcionalmente altas na região.
Um dos desafios, porém, para a implementação do medicamento em nações de média e baixa renda é justamente o preço elevado do produto. Para contornar essa realidade, a ViiV Healthcare, farmacêutica responsável pelo cabotegravir firmou um acordo com a Medicines Patent Pool (MPP) – agência das Nações Unidas para ampliar o acesso a remédios. A expectativa é que seja criado um consórcio de parceiros que viabilize a produção genérica do fármaco no futuro.
Aids no Brasil
A PrEP e a PEP têm sido estratégias importantes na estabilização e busca pela diminuição nos números de novos casos de infecção pelo HIV no Brasil. São ferramentas recentes, que se juntam aos antivirais destinados ao tratamento de pessoas que já foram contaminadas com o vírus no combate à doença.
De 2017, quando as profilaxias foram implementadas no SUS, até 2020, os novos diagnósticos de fato caíram no país, de 38,7 mil para 29,9 mil – quase 10 mil infecções anuais a menos. No entanto, especialistas destacam que, com a pandemia da Covid-19, muitas pessoas podem não ter buscado os testes no primeiro ano da crise sanitária, então o número real de casos deve ser maior.
Fonte: O Globo Online