Nova pílula anticoncepcional, que promete ser ainda mais segura, chega ao Brasil em abril; conheça

Grande inovação é a introdução do estetrol, um estrogênio praticamente idêntico ao natural, e que parece causar menos efeitos colaterais

O que diz a mídia

Uma nova pílula anticoncepcional combinada, a Nextela, chega ao mercado brasileiro em abril. A grande inovação é o uso do estetrol, um estrogênio praticamente idêntico ao natural, que parece ter um impacto menor no fígado e em fatores de coagulação, o que promete mais segurança, menos efeitos adversos e, ao que tudo indica, um menor risco de eventos tromboembólicos — um efeito adverso raro, mas que preocupa as usuárias desse tipo de medicamento.

A pílula — que associa drospirenona, um progestagênio responsável pela prevenção da gravidez, e o estetrol — é comercializada, desde 2021, em mais de 40 países, como Canadá, Estados Unidos, Austrália, Israel, Japão, Rússia e Taiwan, além de nações europeias. A farmacêutica brasileira Libbs adquiriu a tecnologia para a produção do contraceptivo oral e espera atender 41 mil pacientes já neste primeiro ano de vendas.

“Em 2010, foi lançada pela primeira vez uma pílula com estrogênio natural e, nesses 15 anos, ficamos num gap de alguma novidade”, contou a ginecologista Maria Celeste Osório Wender, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), durante o evento de lançamento do produto, que ocorreu na sexta-feira, 28. A nova pílula, segundo ela, traz “algumas vantagens”. “Especialmente uma menor retenção líquida, que é um dos desejos das mulheres usuárias de anticoncepcional.”

O Estadão consultou também médicos que não participaram do evento, e eles se mostraram igualmente entusiasmados com a chegada de uma opção para o cardápio brasileiro de anticoncepção.

“Quem já usa esse medicamento na Europa relata mesmo que ele tem uma tolerabilidade muito boa”, fala Rogério Felizi, ginecologista e coordenador do Centro Especializado em Endometriose do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Segundo o médico, mulheres que sofrem de náuseas ou retêm líquido ao usar outros anticoncepcionais parecem ter menos efeitos colaterais quando migram para essa nova opção.

De acordo com a Libbs, mais de 380 mil mulheres europeias já utilizam o Nextella.

“Essa formulação veio para minimizar os efeitos colaterais de outras pílulas”, concorda Zsuzsanna Jármy Di Bella, coordenadora da Ginecologia do Setor de Planejamento Familiar e chefe da disciplina de Ginecologia Geral da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). “Diminuir o risco de tromboembolismo sempre é positivo, e mostra a história da evolução dos métodos contraceptivos hormonais.”

A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) já definiu qual será o preço máximo que pode ser repassado ao consumidor (PCM) pelas farmácias e drogarias. Ele varia conforme a incidência de ICMS em medicamentos de cada Estado. Na prática, de acordo com a Libbs, o valor vai variar entre R$109,91 e R$117,82.

O que é o estetrol?

O estetrol foi identificado pela primeira vez na década de 1960. Ele é um estrogênio natural produzido exclusivamente pelo fígado do feto humano, ou seja, todos nós, homens ou mulheres, já produzimos a molécula – aqui é válido ressaltar que o estetrol usado na pílula é sintetizado por meio de fontes vegetais e é praticamente idêntico ao natural.

De acordo com Maria Celeste, imagina-se que, na vida intraútero, ele tenha funções como proteção imunológica e neuroproteção. Para a gestante —  ele já foi identificado no sangue delas —, a molécular parece proteger as mamas e promover a vasodilatação do útero (fundamental para garantir o suprimento adequado de oxigênio e nutrientes ao feto em desenvolvimento).

Foram anos de pesquisas e testes para comprovar que essa molécula tão importante para fetos e gestantes poderia compor a pílula que ajuda justamente a prevenir a gravidez.

Qual é o papel do estetrol na pílula?

Para entender as inovações que o estetrol promete trazer, precisamos dar alguns passos atrás e relembrar como funcionam as pílulas anticoncepcionais combinadas. Como o próprio nome diz, elas associam um progestagênico, responsável pelos efeitos contraceptivos, a um estrogênio, elemento que reduz sangramentos irregulares.

Seria possível usar apenas o progestogênico sozinho, afinal, é ele quem impede a gravidez — algumas mulheres que são tabagistashipertensas ou cardiopatas só podem usar produtos assim, devido aos eventuais riscos do estrogênio nessas circunstâncias. Mas, muitas vezes, sem a adição do estrogênio, a mulher apresenta sangramentos irregulares, segundo Maria Celeste. “Isso é incompatível com a qualidade de vida. Elas abandonam o método.”

Por muito tempo, o estrogênio sintético foi a solução — e ele ainda predomina, de acordo com a presidente da Febrasgo, mesmo com a introdução do estrogênio natural na década de 2010.

O grande problema, segundo a bióloga Juliana Dinéia Perez Brandão, doutora em Ciências e coordenadora do time de relacionamento científico da Libbs, é o impacto do hormônio sintético no fígado, onde passa diversas vezes para ser transformado (ou metabolizado). “Cada vez que ele passa pelo órgão, vai causando um impacto, e gera metabólitos ativos que (o organismo) não consegue eliminar. Isso pode vir a se tornar um efeito adverso”, ensina.

Ao longo do tempo, claro, a pílula, mesmo com estrogênico sintético, foi se tornando cada vez mais segura, especialmente por conta da redução nas doses de hormônios. Mas, para Juliana, o estetrol representa um passo além. “É um estrogênio que tem um menor impacto no organismo”, resume.

Mecanismo de ação

Segundo Juliana, pela primeira vez podemos dizer que um estrogênio usado na pílula é um NEST — sigla em inglês para Nuclear Estrogenic Selective Action in Tissues. De forma simples, significa que ele tem uma ação seletiva, atuando como agonista e antagonista: ativa ou bloqueia os receptores de estrogênio espalhados pelo corpo.

A ativação é importante para a inibição da ovulação e estabilização do endométrio (a camada de tecido que reveste a parte interina do útero), por exemplo. Mas, segundo Juliana, o efeito de bloqueio também é essencial. Nas mamas, isso pode significar menos dores, a chamada de mastalgia, que pode ocorrer quando a mulher começa a usar anticoncepcional.

O que mais tem integrado a classe científica, no entanto, é a interação no fígado. A estrutura do estetrol permite que ele se desassocie mais facilmente, explica a bióloga. Ou seja, ele não sofre múltiplas passagens pelo órgão, como o estrogênio sintético, o que reduz seu efeito nos processos corporais.

Com isso, há um menor impacto nos fatores de coagulação, o que é fundamental para reduzir o risco de trombose, afirma Juliana. Além disso, o estetrol tem uma influência mínima no sistema renina-angiotensina-adolsterona, que regula o equilíbrio hídrico do organismo e está relacionado ao controle da pressão arterial. “Isso ajuda a evitar edemas e inchaços”, completa Juliana.

Trombose

Eventos tromboembólicos são episódios nos quais há a formação de um coágulo sanguíneo (trombo). O perigo reside no fato de que ele pode se deslocar para outras partes do corpo e gerar complicações muito graves, como a trombose venosa profunda, a embolia pulmonar, o acidente vascular cerebral (AVC) e o infarto.

A história das pílulas é marcada pelo temor em relação a esses eventos, que foram particularmente preocupantes na década de 1960, quando as primeiras versões foram introduzidas no mercado. Ao longo dos anos, com a melhor compreensão dos mecanismos de ação e a redução da dose das moléculas, esses casos tornaram-se cada vez mais raros.

No entanto, a “hormoniofobia”, que superestima os riscos por causa de eventos passados, persiste e afasta muitas mulheres da anticoncepção, de acordo com ginecologistas.

O estetrol tem se destacado por aparentar ser uma opção com risco ainda menor de tromboembolismo venoso.

Um estudo europeu, publicado em fevereiro deste ano na revista científica Contraception, foi particularmente importante nesse sentido. Os pesquisadores analisaram mais de duas décadas de dados do sistema europeu de farmacovigilância (que coleta relatos de efeito adverso de pacientes para medicamentos comercializados na região).

Eles concluíram que, quando o assunto era tromboembolismo venoso, as pílulas com estrogênio natural, como o estradiol e o estetrol, parecem ter um perfil mais seguro — e com uma vantagem para o estetrol.

“Durante o último congresso da Sociedade Europeia de Ginecologia, foi apresentado um estudo que avaliou exatamente os mesmos índices na população norte-americana. Ele ainda não foi publicado, mas o perfil (de segurança) foi exatamente o mesmo”, contou Juliana.

Ainda faltam mais estudos para bater o martelo em relação a isso. Contudo, caso isso se confirme, pode promover uma revolução no mercado de contracepção, na opinião de Felizi, e, talvez, mulheres que hoje só podem usar o medicamento com progestagênio, como as hipertensas, possam ter uma nova opção à disposição.

“Ainda é algo que a gente precisa ver na prática, mas parece que essa população será beneficiada com a nova substância”, avalia.

Fonte: Estadão