O Brasil, que já chegou a ser um dos maiores exemplos de vacinação no mundo – com uma cobertura que passava dos 95% – vem sendo foco de preocupação de autoridades e profissionais da Saúde, uma vez que os indicadores demonstram haver uma queda brusca nesses números. E no intuito de falar sobre a importância das imunizações e destacar os principais progressos, a Associação Paulista de Medicina realizou, na última quarta-feira, 19 de abril, o primeiro módulo do webinar sobre Atualização em Imunização.
“O momento não poderia ser mais oportuno. Nós iniciamos no Brasil uma retomada do processo de imunizações e todos aqui estamos incluídos no desejo de vermos todos os cidadãos brasileiros na mesma situação de proteção que nos encontrávamos há algumas décadas. É hora de retomarmos o ritmo que caracterizou o nosso País no campo da imunização”, disse o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, que foi o moderador do encontro.
Poliomielite
A primeira palestrante da noite foi Lily Weckx, coordenadora do Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais da Universidade Federal de São Paulo (Crie-Unifesp), abordando o tema “Erradicação da Pólio – o que esperar?”. A especialista relembrou que em meados dos anos 1980, ainda existiam quatro países em nível endêmico da doença: Nigéria, Índia, Paquistão e Afeganistão.
Por conta da disseminação de uma série de notícias falsas, a Nigéria passou a recusar a vacinação, acreditando que ela se configurava como o “mal do Ocidente” e que a sua aplicação promoveria a esterilização de mulheres. Devido a esta situação e da renúncia ao plano de imunização naquela população, a pólio se espalhou para 24 países que, até então, estavam livres do vírus, ocasionando mais de 1.400 novos casos e iniciando, assim, o plano de erradicação da poliomielite, em 1988.
“Hoje, com a vacinação, temos uma redução de 99,9% dos casos, quase todos eliminados. O Brasil teve o último caso de pólio registrado em 1989, então estamos há mais de 30 anos sem a doença. Entretanto, 99,9% não é 100% e, mesmo assim, ainda hoje, voltamos a falar de pólio por risco eminente de reintrodução no nosso País”, explicou a palestrante.
No Brasil, desde 1950 já era disponibilizada a vacina oral contra a pólio. No entanto, o plano de imunização da época demonstrava ser ineficaz e insuficiente. Desta forma, a partir dos anos 1980, foram instituídos os Dias Nacionais de Imunização contra a Poliomielite no território brasileiro, contando com duas campanhas anuais de vacinação que contribuíram para reduzir o número de casos.
É neste contexto que surgiu o Zé Gotinha, figura emblemática da vacinação brasileira, e que o modelo de campanha passou a ser adotado e exportado para todo o mundo. Todavia, em 2014, a Organização Mundial da Saúde decretou que a poliomielite é uma emergência de saúde pública e, desde então, este cenário não foi modificado.
“Vamos esperar o poliovírus chegar e ser introduzido novamente no nosso cotidiano ou vamos fazer alguma coisa? É preciso aumentar a vigilância, ir em busca de casos suspeitos, vigiar com um olhar especial os refugiados e, principalmente, vacinar. Não podemos ficar quietos e tranquilos, senão o próximo endereço da pólio poderá ser o nosso”, complementou.
Zoster e HPV
Em seguida, o pediatra e infectologista Renato Kfouri assumiu a fala para a palestra “Nova vacina para Zoster e HPV”, relembrando que o tema relata velhos problemas, mas com novas soluções. Conforme mencionou, as novas vacinas ainda não foram aprovadas e introduzidas no Programa Nacional de Imunizações, estando disponíveis apenas em instituições privadas, mas têm a sua carga de importância para a população.
Em relação ao Herpes Zoster, é uma doença que, em geral, é desenvolvida na infância e leva a uma série de lesões típicas de pele. Na evolução para a fase crônica, os pacientes têm aumento no risco de AVC, além de estarem sujeitos a complicações oculares, auditivas, paralisas e cicatrizes. Em pacientes imunocomprometidos, tais complicações podem ser ainda mais graves e duradouras. Não obstante, o aumento da idade implica no declínio da imunidade, o que faz com que profissionais tenham grandes preocupações em pacientes acima dos 50 ou 60 anos que possam apresentar casos de Zoster.
“A vacina que utilizávamos até então tinha algumas limitações, já que perdia sua eficácia conforme a idade. A vacina que dispomos hoje é recombinante e usa glicoproteína. Há uma estabilidade da proteção de longo prazo, o que nos antecipa também uma durabilidade de doses de reforços com o passar do tempo. Com esses dados, a vacina foi licenciada nos Estados Unidos, em diversos países da União Europeia e no Brasil também”, indicou.
Posteriormente, o especialista falou sobre a nova vacina nonavalente contra o HPV (HPV9). A infecção sexualmente transmissível, que é a mais comum existente, acomete cerca de 80% da população durante a vida sexual ativa. Contudo, por meio da própria resposta imune dos indivíduos, a infecção é eliminada. Porém, nos casos em que são persistentes, as consequências deixadas podem ser graves, levando a tumores – no caso de mulheres, câncer de colo de útero, vagina e vulva, e nos homens, câncer de pênis e de bolsa escrotal.
Há dois anos, a Organização Mundial da Saúde lançou a estratégia de eliminação do câncer de colo de útero, responsável por 7% das mortes de mulheres que, em maioria, são jovens. Nas Américas, há 72 mil novos diagnósticos e quase 34 mil mortes, 16 mil delas só no Brasil. A tendência até 2030, de acordo com a OMS, é que no mundo existam 700 mil casos ocasionados pelo HPV e aproximadamente 400 mil mortes.
“A vacinação é a forma de prevenção mais efetiva e tem um custo-benefício mais vantajoso com as estratégias de prevenção. A vacina nonavalente, que foi recentemente licenciada, incluiu mais cinco tipos de HPV. Para a aprovação, foram feitos estudos de eficácia, imunogenicidade e segurança. As meninas e mulheres vacinadas com a nonavalente tiveram um segmento de três anos, mostrando uma eficácia de 96% para doença pelo HPV, para as infecções precursoras do câncer e para os HPVs adicionais. Hoje, no Programa Nacional de Imunizações, a vacina que dispomos é a quadrivalente mas, infelizmente, não temos atingido as coberturas vacinais ideais”, indicou.
Profissionais da Saúde
As apresentações foram finalizadas por Marta Heloísa Lopes, médica responsável pelo Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Ela apresentou o tema “Vacinação do Profissional da Saúde: o que precisamos fazer?”, evidenciando a importância de imunizar aqueles que lidam diariamente com os mais diversos tipos de enfermidades e destacando que o profissional da Saúde não é apenas aquele que atua diretamente com o paciente, mas todos os que podem ter contato com esses agentes.
“Gostaria de lembrar que, sem dúvida nenhuma, o principal motivo de vacinar os profissionais de Saúde é a proteção individual de cada um deles. Mas não podemos esquecer que, com isso, indiretamente, estamos protegendo os nossos pacientes, porque podemos ser uma fonte de infecção para eles. É muito importante lembrar que a vacinação do profissional de Saúde não visa apenas proteger o profissional, visa também a segurança de quem receberá o cuidado”, descreveu.
Das vacinas preconizadas e disponíveis no SUS por meio do Programa Nacional de Imunizações, estão aquelas voltadas para difteria, tétano e pertussis (coqueluche) do adulto; tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola – que necessitam de duas doses comprovadas, independente da idade ou de história prévia de infecção); varicela; febre amarela; influenza e Covid-19. Além delas, o Sistema Único de Saúde também oferece vacinas especiais, como é o caso da meningocócica e da Mpox, recomendadas dependendo da situação epidemiológica e do contato com infectados.
Há, ainda, aquelas vacinas que não estão disponíveis na rede pública, apenas de forma privada, mas que são completamente recomendadas pela Sociedade Brasileira de Imunizações, como é o caso das vacinas de Hepatite A, quadrivalente de influenza e a ACWY e meningocócica B.
Para a especialista, além de todo o cuidado, também é preciso dar uma atenção especial à imunização de profissionais da Saúde idosos. “Infelizmente, a cobertura vacinal do profissional de Saúde, inclusive aqueles que atendem pacientes imunocomprometidos, frequentemente é muito baixa, por medo de eventos adversos, por não se preocupar com a necessidade de vacinação, por incertezas ou conceitos errados sobre a sua segurança e a eficácia. O recado é não só mandar vacinar os nossos pacientes e orientá-los sobre a vacinação, mas nós mesmos nos vacinarmos”, concluiu.
O presidente da APM encerrou a transmissão dando destaque à importância dos temas abordados no decorrer da noite. “Tivemos aqui uma sucessão de apresentações claras e fantásticas. Infelizmente, o tempo nos limita, pois ainda temos muito o que conversar”. Na próxima quarta-feira, 26 de abril, acontece o segundo módulo do Webinar sobre o tema. Não perca!
Imagens: Reprodução Webinar APM