O surgimento da pandemia da Covid-19 e a autorização, da teleconsulta – primeiro pelo Ministério da Saúde, através da Portaria 476, de 20 março de 2020; e, depois, pela Lei 13.989, de 15 de abril do mesmo ano – trouxe um crescimento exponencial da prática da telemedicina e, principalmente, da teleconsulta no Brasil.
Sendo um dos poucos países onde a teleconsulta (médico atendendo diretamente o paciente através de uma plataforma on-line) não era autorizada por seu Conselho Federal de Medicina, as autorizações acima permitiram a utilização destes métodos de cuidados à saúde (e doença), tanto para pessoas do sistema público de saúde como do sistema suplementar (“privado”).
Atualmente, são realizadas milhares de teleconsultas diárias no País, trazendo os benefícios já há muito conhecidos mundo afora. Entre eles estão o maior acesso das pessoas aos médicos e serviços de saúde, maior resolutividade dos problemas de saúde, melhor coordenação do cuidado e organização dos sistemas de saúde. A prática responsável da telemedicina (com segurança, ética e qualidade) tem trazido satisfação tanto aos pacientes quanto aos médicos que a utilizam.
Com o objetivo de captar a percepção dos médicos sobre a prática da telemedicina, principalmente da teleconsulta, a Associação Médica Brasileira (AMB) realizou pesquisa entre os seus associados, nos meses de abril e maio de 2021. 978 médicos, em todo o Brasil, responderam ao questionário on-line (Survey Monkey) cujos resultados são os que seguem.
Faixa etária: As idades variaram entre 25 e 85 anos, com uma média de 55 anos.
8,5% tinham menos de 35 anos;
17,3% entre 35 e 44 anos;
19,5% entre 45 e 54 anos;
26,1% entre 55 e 64 anos;
22,3% entre 65 e 74 anos;
6,3% 75 anos ou mais.
Gênero: A predominância foi do sexo masculino: 62,9%, com as mulheres correspondendo a 37,1%.
Região de atuação profissional: A maioria dos médicos é da região Sudeste, representada por 71,8% dos respondentes, sendo que 48,6% destes atuam no estado de São Paulo.
Tempo de formado e especialidade: A maioria dos médicos está formada de 31 a 40 anos (26%), da especialidade de clínica médica (63%).
A seguir, são apresentados os resultados às principais perguntas realizadas.
1. Você acha que o médico deve ter autonomia para decidir se uma primeira consulta pode ser feita de forma virtual ou deve ser feita de maneira presencial?
66,1% dos pesquisados acham que o médico deve ter autonomia para decidir se a primeira consulta pode ser virtual e 33,9% acham que a primeira consulta tem que obrigatoriamente ser presencial.
2. Você acha que a prática da teleconsulta deva ser limitada ao Estado onde o médico possui registro no Conselho Regional de Medicina?
62% acham que a prática da teleconsulta não deve ser limitada ao estado onde o médico possui registro no Conselho Regional de Medicina.
3. Com relação à remuneração do médico por operadoras de saúde, você acha que ela deve: ter o mesmo valor da consulta presencial; ser maior que o valor da consulta presencial; ser menor que o valor da consulta presencial.
78,6% acham que deve ter o mesmo valor da consulta presencial, 11,8% que deve ser maior que o valor da consulta presencial e 9,6% que deve ser menor que o valor da consulta presencial.
4. Após a pandemia da Covid-19 você pretende utilizar a teleconsulta como uma forma de atendimento aos seus pacientes?
59,2% médicos pretendem utilizar a teleconsulta como uma forma de atendimento aos seus pacientes após a pandemia.
5. Após a pandemia, você acha que na prática médica a teleconsulta vai: deixar de ser praticada; vai apenas diminuir de volume; vai aumentar de volume.
92,1% acham que na prática médica a teleconsulta vai continuar a ser praticada, com 60,9% opinando que vai apenas diminuir de volume e 39,1%, aumentar de volume.
Análise
Os resultados acima mostram claramente, principalmente se compararmos com pesquisas realizadas antes da pandemia, que a medida em que os médicos e pacientes passaram a usar a teleconsulta, movidos principalmente pelas orientações sanitárias de combate à disseminação da Covid-19, foram conhecendo os benefícios que este método de cuidado traz e ampliando a sua utilização.
É importante ressaltar que a teleconsulta é um método complementar aos cuidados presenciais. Os médicos precisam conhecer também suas limitações e serem capacitados para sua boa prática. Entretanto a autonomia do profissional médico em decidir sobre uma consulta virtual, seja uma primeira consulta ou não, e autonomia das pessoas em desejar e aceitar a teleconsulta, precisam ser respeitadas. Se um dos dois não quiser, a consulta virtual não acontecerá. Esta pesquisa mostra que a maioria dos médicos entende que deve ter autonomia para decidir se uma primeira consulta deve ou não ser feita de forma virtual.
Da mesma forma, em um país continental como o Brasil, com enormes vazios assistenciais, não é correto restringir o acesso somente entre médicos e pacientes que estejam no mesmo Estado. Projetos nacionais atuais de telemedicina do próprio SUS serão comprometidos se esta restrição surgir um uma lei ou regulamentação.
Seguindo os princípios bioéticos fundamentais de autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça, o cidadão e a população brasileira têm que ser colocados em primeiro lugar!
César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira; Antonio Carlos Endrigo, diretor adjunto de TI da Associação Paulista de Medicina; e Jefferson Gomes Fernandes, coordenador do Programa de Educação em Telemedicina da APM