“Já estamos no terceiro ano de nossos webinars, que surgiram durante o período de isolamento obrigatório da pandemia de Covid-19, nos fazendo buscar alternativas no sentido de nos mantermos coesos e para que os médicos pudessem apresentar suas principais preocupações. O que nos reúne hoje são as repercussões para a classe médica a respeito da Reforma Tributária que se anuncia”, disse o presidente da Associação Paulista de Medicina, José Luiz Gomes do Amaral, ao iniciar mais uma edição do Webinar da entidade em parceria com a Associação Médica Brasileira.
A reunião virtual, que foi realizada na última quarta-feira, 2 de agosto, contou com apresentações dos diretores de Defesa Profissional da APM e da AMB, Marun David Cury e José Fernando Macedo, respectivamente, além de Gustavo Brigagão, presidente Nacional do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e Ricardo Lacaz Martins, mestre e doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP. César Eduardo Fernandes, presidente da AMB, e José Eduardo Dolci, diretor Científico da entidade, também marcaram presença enquanto moderadores.
Aumento na tributação
Iniciando as apresentações, Marun Cury lembrou que a APM está desde 2017 atuando ativamente nas questões que englobam a Reforma Tributária. Naquela época, a Receita Federal tinha um projeto de tributação de dividendos, aprovado na Câmara Federal, que defendia que em toda retirada acima de R$ 20 mil reais, haveria uma taxa de 10% do valor. No entanto, por meio de um forte trabalho, a classe lutou junto ao Congresso para que o senador Ângelo Coronel, relator da proposta, estudasse as implicações desta decisão, uma vez que prejudicaria toda a população brasileira, inclusive os empresários.
Agora, a Câmara avançou, em regime de urgência, nos primeiros passos para a aprovação da Reforma Tributária – sem ao menos consultar a população ou criar uma comissão para discutir a questão. Para o diretor de Defesa Profissional da APM, isso traz grande preocupação, pois, apesar de os governantes afirmarem que a Reforma servirá para simplificar o sistema tributário, isso não é verdade.
“Esta proposta vai ser aprovada agora, mas só será colocada em prática daqui dois, três ou cinco anos. É um cheque em branco que estamos dando para governantes e isso é um risco muito grande porque foi aprovada uma escrita inicial e depois todos os outros tópicos serão por meio de projetos de leis complementares. Isso nos preocupa porque não sabemos como será no futuro. Dizem que não vai ter aumento de carga tributária, mas não explicam onde que está a mágica para isso”, complementou.
Para ele, a quebra da Constituição também causa apreensão, já que há uma cláusula pétrea de que o Governo Federal, junto aos estaduais e municipais, tem suas respectivas responsabilidades, e a partir da aprovação da Reforma, o pacto federativo seria afetado – uma vez que tudo que for arrecadado irá para uma comissão central, que não se sabe por quem será escolhida e nem se haverá controle da distribuição do dinheiro, o que facilitaria favorecimentos políticos, por exemplo.
Além disso, outro tópico grave é a falta de discussão sobre uma Reforma Administrativa. “Ela é fundamental porque hoje, se compararmos um funcionário público com um da rede privada, ele ganha entre 40% e 50% mais para exercer a mesma função. Por que este benefício? Isso tudo sai do que pagamos nos nossos impostos, então temos preocupações muito sérias.”
Marun Cury aproveitou também para destacar como ocorre o recolhimento de impostos em Sociedades Simples Pura, Sociedades Limitadas, Sociedades Unipessoais e Sociedades Empresariais, esclarecendo como a cobrança é realizada em cada uma das diferentes modalidades e possibilitando que, assim, os médicos entendam a situação na qual estão inseridos, comprovando o aumento da carga tributária que a classe enfrentará.
Aprovações
Em seguida, o advogado Ricardo Lacaz Martins assumiu as apresentações, exaltando a necessidade de a sociedade não confundir as reformas que atualmente estão em tramitação. Ele relembrou que, recentemente, o presidente da Câmara, Arthur Lira, estabeleceu que não era para o Governo apresentar qualquer tipo de Reforma Tributária adicional ou voltar com a tributação de renda. “Por ser um Governo de gastos e não de privatização, sem fazer qualquer juízo de valor, se financia a máquina pública, tendo discurso e gastos sociais. Ou ele vai emitir dinheiro e gerar inflação, que sabemos que é o pior cenário para a classe menos abastada, ou vai gerar um aumento de impostos.”
Conforme salientou o palestrante, a Reforma Tributária, que foca no consumo e modifica drasticamente os agentes econômicos nacionais, se aprovada, só valeria a partir de 2026. O objetivo da Reforma é pegar cinco diferentes tributos (ICMS, ISS, IPI, Pis e Cofins) e transformá-los em apenas em dois, IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) e IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). O motivo da união entre estes dois impostos é porque um corresponde à União Federal, enquanto o outro está relacionado aos estados e municípios, gerando uma alíquota supostamente conjunta – e esta é a grande crítica dos especialistas, considerando que o cálculo nunca foi demonstrado a ninguém.
“O IPEA e estudiosos demonstram que seria o imposto sobre consumo mais alto do mundo. A média da União Europeia é de 18%. É um imposto que induz sonegação. A reforma do consumo corresponde, então, a uma mudança do sistema, complicando-o, em uma transição de dez anos extremamente delicada, para quê? Na minha modesta opinião, para nenhuma eficiência, na verdade, para perda. Eu francamente acredito que existe a possibilidade de isso ser empurrado com a barriga quase que eternamente”, expôs.
Ricardo Lacaz destacou que ao falar da área médica, foi estabelecida uma redução de 60% na alíquota. “É ruim para o Brasil esta reforma? Sim, na minha opinião, é. Para a classe médica, conseguiu-se uma belíssima exceção. Me preocupa? Sim, porque para determinadas categorias médicas, nos casos em que os profissionais são praticamente a empresa, haverá aumento de carga tributária.”
Para o especialista, apesar de ser uma situação preocupante, ainda há tempo para repensar as propostas. “Vamos ter que esperar se o Senado Federal vai confirmar ou não essa Reforma do Consumo para, em 2026, estimarmos o que seria a nossa tributação. Mais problemática é a Reforma da Renda, que não temos nem texto ainda, apenas discursos sobre tributação de dividendos. Por outro lado, há o presidente da Câmara dizendo que nada será aprovado antes desta atual Reforma. É o jogo político”, concluiu.
Esforços
Dando continuidade, Gustavo Brigagão enfatizou que a Reforma Tributária é absolutamente necessária, levando em conta que o Brasil possui um sistema de tributação muito antigo e complexo e há a necessidade de trazer simplicidade para este cenário. Para o presidente do Cesa, o único consenso que existe entre todos aqueles que debatem o tema é no que se diz respeito à sua necessidade, que é absolutamente plena. Além disso, o especialista também apontou que este é o momento ideal para o setor de Serviços fazer avanços e mexer nas regras.
Neste sentido, explicou os valores: “A média da alíquota dos municípios é de 25%, e com a substituição do ICMS para o IBS, esse valor irá muito além. Mas, mesmo que sejam apenas os 25%, já será um dos impostos mais altos do mundo. É verdade que houve uma redução de alíquota para os serviços de Saúde. Mas, o que isso significa na prática? Porque na Saúde há muitos players, temos hospitais, clínicas, laboratórios, entre outros. Eu acho que os consultórios médicos não seriam alcançados, pois eles participam de um grupo de sociedades profissionais que sempre recebeu um tratamento diferenciado, desde a criação do ISS”.
Brigagão relembrou que Indústria e Mercado Financeiro foram os setores que mais financiaram estudos que resultaram na PEC 45/2019, referente à Reforma Tributária – uma vez que serão os segmentos mais beneficiados por ela. Para ele, não há sentido em aumentar a carga de impostos para Serviços, o setor que atende às sociedades profissionais. “Essas sociedades têm o ISS fixo. Não é certo que elas, que pagam Pis e Confins de 3,65%, pulem para uma alíquota que pode beirar os 30%. Não faz sentido a existência de uma Reforma Tributária que acarrete um aumento desta monta a um setor que tem tamanha importância e magnitude.”
Conforme o palestrante, mesmo que o período de transição ainda seja longo e só aconteça no futuro, este é o momento de ir ao Senado para demonstrar que o tratamento que está sendo dado às sociedades profissionais e aos prestadores de serviços é completamente equivocado. “Não nego que a Indústria e o setor Financeiro tenham suas reclamações, mas esses problemas não podem ser tratados de modo a fazer com que o setor de Serviços pague a conta. Nós temos que consertar a PEC 45, pois existem muitos equívocos nela”, enalteceu.
Finalizando, José Fernando Macedo fez algumas considerações sobre o tema. “As falas foram excelentes para clarear. Dois dias antes da votação da Reforma Tributária, a AMB reuniu as sociedades científicas e as federadas para uma reunião, encaminhando para o Senado a nossa posição, e isso nos gerou um ganho aparente nesta primeira fase. Nós estamos aguardando que exista uma Reforma Tributária que gere ganhos a toda a sociedade. Eu gostei muito das apresentações e coloco-me aqui como um soldado para alertar a classe médica do que podemos fazer dentro de uma união que seja positiva e gere uma simbiose em defesa de todos.”
Fotos: Reprodução Webinar