Médicos apontam ressalvas na decisão do CNJ de fechar hospitais de custódia

Por meio da Resolução 487/2023, o Conselho Nacional de Justiça instituiu a política antimanicomial no âmbito do processo penal e da execução das medidas de segurança

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Por meio da Resolução 487/2023, o Conselho Nacional de Justiça instituiu a política antimanicomial no âmbito do processo penal e da execução das medidas de segurança. A resolução entrará em vigor 90 dias após sua publicação, que ocorreu em 15 de fevereiro, o que significa a liberação de portadores de transtornos mentais atualmente privados de liberdade por terem cometido delitos graves a partir desta segunda-feira, 15 de maio.

De acordo com a nova norma, os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP) deverão ser desativados até maio do ano que vem e, a partir de agosto de 2023, já não poderão receber novos internos. Os médicos, sobretudo os psiquiatras forenses, veem a medida com ressalvas, já que está previsto para esses portadores de transtornos mentais que cometeram delitos graves apenas tratamento ambulatorial não obrigatório.

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Os especialistas também apontam que o sistema público de Saúde não tem estrutura suficiente para receber esta demanda. Em uma sessão da Comissão da Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, reafirmou a gravidade da decisão, uma vez que a lei brasileira afirma que pessoas com doenças mentais são inimputáveis e não podem responder por seus atos.

Para ele, a junção da lei brasileira com o fechamento dos hospitais de custódia daria abertura para inúmeras alegações de insanidade mental, fazendo com que detentos de alta periculosidade para a sociedade pudessem ficar soltos. Além disso, a medida proposta pelo CNJ também dá a opção para o interno decidir se quer ou não continuar com o tratamento, o que eleva a gravidade da situação.

Segundo o psiquiatra forense e diretor Cultural da APM, Guido Arturo Palomba, a medida está ligada à antipsiquiatria, teoria que defendia que doenças mentais não existiam e, que, consequentemente, não deveriam existir manicômios. O médico relembrou uma situação que aconteceu na Itália, em 1978, e que pôs fim aos hospitais psiquiátricos, levando a um grande caos, deixando os doentes sem estruturas e ocasionando até mesmo as suas mortes.

“A resolução conflita com o Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal. Esses são hierarquicamente superiores à Resolução do CNJ. E mais, é impossível a sua aplicação prática, uma vez que os internados em manicômios judiciários estão lá não apenas para tratamento, mas principalmente por medidas de segurança detentivas e salvaguarda social. É uma questão de periculosidade, e não apenas de tratamento”, enfatiza.

Debate inadequado

“O grupo de trabalho para a construção desta resolução é composto de 21 pessoas, mas não há nenhum médico. A Psiquiatria não está representada, nem eu e nenhum dos 14 mil psiquiatras existentes no Brasil fomos ouvidos. Como é possível construir política pública para uma área sem chamar os seus especialistas? Estamos falando em liberar para o convívio social pessoas que, nós, psiquiatras, decidimos que não têm condições para tal”, manifestou Silva.

O presidente da ABP também pontuou que a resolução se configura como uma medida injusta para as demais pessoas que sofrem com problemas mentais e nunca cometeram crimes, uma vez que seriam colocadas nos mesmos centros de acolhimento que aqueles que praticaram os delitos, trazendo ainda mais estigmas.

Não obstante, para ele, a decisão também é uma forma de omissão de socorro para com esses indivíduos, já que ficariam perambulando pelas ruas, pois não seria garantido que receberiam o atendimento necessário – levando em consideração que o Sistema Único de Saúde não teria estrutura para atender a todos esses pacientes – e correriam o risco de também serem vítimas de violências.

“Não temos nenhuma condição de receber mais pessoas no nosso sistema de saúde, porque ele já não atende às necessidades. Temos mais de 5.500 municípios no Brasil, mas não temos nem 2 mil desses serviços. Para acabar com o local em que se tratam as pessoas, primeiro teria que se acabar com as doenças, mas não é isso o que acontece, as doenças mentais só estão aumentando”, disse.

Antônio Geraldo da Silva relembrou ainda que os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico são instituições legais com demandas específicas, e que se o funcionamento deles não está sendo realizado de forma correta, é preciso responsabilizar quem faz a sua gestão. No Brasil, atualmente há 3.136 pessoas que estão nesses hospitais, e só em São Paulo, 1.269.

“O HCTP tem um papel social muito bem definido e que hoje, apesar da falta de investimento, por não estar integrado ao SUS, cumpre uma difícil missão na sociedade brasileira, porém necessária, a de tratar o doente mental e reinseri-lo na sociedade, embora nem sempre seja possível”, refletiu.

Atualização: Conforme informações da ABP, foram conquistadas as assinaturas para o Projeto de Decreto Legislativo 81/2023, que susta a aplicação da Resolução do CNJ e aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados.