O Global Summit Telemedicine & Digital Health, maior evento de Telemedicina da América Latina, deu início na última terça-feira, 4 de outubro, à sua quarta edição. Trazendo diversas atualizações sobre a temática e palestrantes de diferentes partes do mundo, a tarde do primeiro dia teve uma série de conferências nacionais, entre elas o Painel da Associação Médica Brasileira (AMB), trazendo a “Liderança médica na Saúde Digital” como pauta.
A mesa teve o diretor adjunto de Tecnologia de Informação da Associação Paulista de Medicina, Antônio Carlos Endrigo, como moderador e recebeu como palestrantes Ademar Paes, presidente da Associação Médica de Santa Catarina; Antônio Carlos de Onofre Lira, diretor médico Regional de Oncologia da Rede D’Or; e Beatriz Leão, do Portfólio Digital de Compromisso Social do Hospital Sírio Libanês.
Dando início às apresentações, Ademar Paes abordou “Formação Médica e Saúde Digital”. Para o especialista, o Global Summit se tornou um evento de referência sobre o que se entende como transformação digital da Saúde, relembrando que a OMS define o conceito de e-Saúde (eHealth) como o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação para a Saúde – com o objetivo de melhorias na prevenção, diagnóstico e tratamento, realizando pesquisas, educando a força de trabalho, rastreando doenças e monitorando a saúde pública.
As premissas da e-Saúde envolvem a redução de ineficiências na prestação do cuidado, contribuindo para a melhoria no acesso ao setor de Saúde, reduzindo custos, ao passo que aumenta a qualidade, e tornando a Medicina cada vez mais personalizada e precisa. Desta forma, os principais fatores que possibilitam a efetividade da Saúde Digital são divididos entre as tecnologias digitais diversas, redes sociais, conectividade móvel com banda larga de qualidade para permitir o acesso, aumento do poder computacional e do universo de dados convergentes com sensores sem fio e sistemas de informação em Saúde.
Pensando nisso, Paes explicou de que maneira o conceito é incorporado no contexto da saúde pública. “A e-Saúde tem uma dimensão fundamental no SUS, já que é uma estratégia de melhoria consistente dos serviços através da disponibilização e uso da informação, de maneira abrangente, precisa e segura, visando agilizar e melhorar a qualidade da atenção e dos processos de Saúde, beneficiando pacientes, profissionais, gestores e diferentes organizações. Para um País de dimensões continentais como o Brasil, os desafios são enormes, mas o SUS leva tudo isso em consideração como uma estratégia de melhoria consistente”.
Dentre os principais fatores que contribuíram para transformar a Saúde neste contexto está o advento das plataformas de nuvens, trazendo uma realidade de descentralização de dados – já que a captação dessas informações, até algumas décadas atrás, era restrita apenas aos hospitais, clínicas e consultórios; ou seja, os lugares onde estavam os equipamentos que conseguiam colher dados de pacientes.
Através da computação de nuvens, os dados são gerados por meio de variadas formas, contribuindo para a área da Educação e para o fácil acesso à informação. “Para melhorar a eficiência, a velocidade, a segurança e a assistência, o médico precisa de inúmeras atribuições e formação adequada a fim de que o conhecimento possa contribuir neste processo”, descreveu o palestrante.
É válido salientar que o assunto possui três grandes eixos, sendo eles a Gestão, que corresponde à organização e comportamento, estratégia e projetos de clínica; a Saúde em si, já que engloba uma série de conhecimentos nos sistemas, estruturando organização de modelos, mecanismos de controle e organização; e, por fim, a Saúde em Informática, que envolve ferramentas que permitem a captura eficiente, entrega, transmissão e utilização de dados, além de demonstrar como aplicar essas ferramentas de maneira eficaz.
“A Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), realizou, em 2017, um levantamento trazendo informações relevantes sobre os médicos que trabalham neste setor no País, demonstrando que existe um universo gigantesco para a atuação dos profissionais que porventura decidirem seguir a sua carreira neste mercado”, concluiu o especialista.
Novas perspectivas
Em seguida, quem assumiu o palco foi Antônio Carlos Lira, relatando as “Perspectivas para Liderança Médica em Saúde Digital”. Conforme descreveu, o tema passa pelo entendimento do ponto de vista de alguns requisitos de formação, mas também é uma evolução da forma como se tem realizado o trabalho médico nesta área.
A Saúde Digital traz paradigmas interessantes que envolvem mudanças e transformações culturais, levando a uma mudança no próprio relacionamento com o médico, de modo que o paciente se torna mais empoderado. De acordo com o palestrante, o componente cultural da transformação implica na forma como os profissionais de atenção à Saúde adotam ou rejeitam as novas tecnologias – que se tornaram inevitáveis na prática médica.
“A tecnologia possibilita maior engajamento e o médico tem que ser um especialista neste sentido e no uso destas novas técnicas. Temos um guarda-chuva de possibilidades no que se entende como Informática em Saúde, englobando todos os profissionais. A questão é interdisciplinar por natureza, o que é ótimo, pois não invalida as diferentes especializações e promove a transformação de sistemas focados em processos administrativos para sistemas clínicos, com a incorporação de técnicas de apoio à decisão e foco na segurança do paciente”, destacou o especialista.
Por este motivo, houve a necessidade do envolvimento médico em projetos de informatização da Saúde, desde a concepção até o monitoramento e melhorias. É a partir daí que passa a surgir o que se entende como CMIO (Chief Medical Information Officer), responsável por projetar e integrar sistemas de Tecnologia da Informação em departamentos médicos, analisando o uso da tecnologia em prontuários eletrônicos e sistemas computadorizados de prescrições médicas, no intuito de determinar seu efeito no atendimento final.
Todavia, é importante relembrar que ao passo que a incorporação de novas tecnologias pode ser repleta de benefícios potenciais, ela também pode trazer riscos para hospitais e organizações prestadoras de serviços de Saúde, uma vez que geram grandes despesas – além de estes projetos serem repletos de alta complexidade em sua execução, sendo necessário fornecer um treinamento específico para possibilitar a utilização dos métodos tecnológicos.
“Nós estamos, desde 2018, na busca por uma formalização na área de atuação de Informática em Saúde através do Conselho Federal de Medicina. Estamos no processo final da área de atuação como sendo uma realidade no Brasil e no nosso âmbito enquanto AMB. Temos essas frentes de defesas que fortalecem a liderança médica na área de T.I. em Saúde, trazendo uma perspectiva de retomar isso como um caminho de atuação”, informou Lira.
Cenário internacional
Finalizando as apresentações do Painel AMB, Beatriz Leão abordou o “Panorama Internacional” do assunto. Relembrou que países desenvolvidos, como Reino Unido, Canadá e Austrália, têm uma série de políticas públicas que entendem a importância de levar Recursos Humanos para a tecnologia em Saúde, fornecendo apoio e incentivo necessários.
A especialista salientou que atualmente é fundamental que o médico seja capaz de entender e avaliar a tecnologia, caso contrário, irá se tornar dependente de fornecedores, deixando de ter autonomia suficiente. Demonstrou ainda que há um documento disponível publicamente, chamado Competências e Currículo em Informática em Saúde para profissionais da área que atuam desde pesquisa até desenvolvimento e implementação de projetos.
É uma área ampla e interdisciplinar, que engloba a discussão de liderança, aspecto clínico e ciência da informação. Deste modo, em 2005, a Sociedade Americana de Informática Médica desenvolveu um programa que dizia que era necessário formar um profissional de Saúde em Informática em cada universidade – atualmente, o programa foi traduzido para o idioma espanhol, disponível no Hospital Italiano de Buenos Aires, na Argentina, e sendo amplamente oferecido para toda a América Latina.
Neste sentido, a palestrante apontou que os profissionais de Saúde precisam de experiência e orientação para conseguirem avaliar as novas tecnologias, fazendo uso de processos baseados em evidências do mundo real. Por isso, a formalização da adoção de novas tecnologias será fundamental para permitir que os profissionais do setor ganhem mais tempo para elaborar novas formas de cuidado, promovendo assim uma interação ainda mais profunda com seus pacientes.
“Precisamos pensar em competências unificadas e capacitação da Informática em Saúde no cenário global. Nos Estados Unidos, mais de 35 universidades oferecem programas nesta área, estando divididos entre Informática na Saúde Pública, Informática Biomédica, Informática Clínica, Informática de Enfermagem e Informática Farmacêutica. Além disso, também focam em Análise e Gerenciamento de Dados, Saúde Digital, Inteligência Artificial e Liderança”, informou.
Por sua vez, na Europa há mais de 94 universidades com programas voltados para o tema, demonstrando quanto o Brasil está atrasado neste sentido, já que no País são raros os focos de pesquisa e investimento no assunto. Dentre os programas estrangeiros que se destacam está o Imperial College, no Reino Unido, que visa formar líderes e profissionais de alto nível.
“Lamentavelmente, no Brasil nós temos pouquíssimas ofertas e não estamos formando pesquisadores nesta área. O País precisa urgentemente criar políticas públicas para a formação, pois isso que estamos vendo é um mercado de trabalho que se não for preenchido por brasileiros, será ocupado por empresas internacionais. Temos que formar a nova geração e pesquisadores, fazer parcerias entre público e privado. Não estou vendo isso andar e nos últimos dez anos só piorou. Já que não temos recursos, devemos nos preocupar com o investimento”, indicou Beatriz Leão, ao concluir a sua palestra.
Por fim, Antônio Carlos Endrigo encerrou a mesa, fomentando a importância da discussão de todos os assuntos abordados: “As preocupações são seríssimas e estamos muito longe. Nós temos um movimento de como está o processo de criação de especialistas em Informática Médica. Se não tivermos um profissional médico atuando neste espaço, evidentemente um especialista de outro setor ocupará a área, então devemos ter preparo”.
Fotos: Marina Bustos