A Associação Paulista de Medicina e a Associação Médica Brasileira realizaram, na última quarta-feira (3), mais um webinar. Na edição, foi discutido o tema “Carreira Médica de Estado no SUS”, tendo o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, como apresentador, e o presidente da AMB, César Eduardo Fernandes, como moderador. Eles receberam como palestrantes Eleuses Paiva, deputado federal e ex-presidente da APM e da AMB, e José Eduardo Lutaif Dolci, diretor Científico da AMB e reitor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
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A apresentação foi iniciada por Eleuses Paiva, que enalteceu a necessidade de discussão acerca do tema abordado, visto que é de suma importância não apenas para a comunidade médica e científica, como também para toda a população brasileira. O deputado salientou que a criação de uma carreira médica de Estado, na realidade, compõe a PEC 454/09 e que o debate sobre o assunto está em pauta desde 2010.
“O Estado classifica como ‘carreira de Estado’ todas aquelas carreiras consideradas essenciais para a existência de uma Nação. Entendemos e defendemos esta tese porque a Constituição de 1988 define que a Saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado, e é impossível você ofertar saúde se não houver a presença do médico”, explicou.
De acordo com o ex-presidente da APM, o que está sendo proposto na PEC se assemelha ao que ocorre no Ministério Público, já que há uma amplitude e grande cobertura de juízes e promotores pelo território nacional. “Isso é importante para a sociedade porque, se houver a mesma distribuição de médicos pelo País, a população poderá ser atendida e ter acesso a uma Saúde de qualidade. Todavia, isso só será alcançado com investimentos na saúde pública.”
Plano de carreira
Diante desta conjuntura, Paiva pontuou que a atenção primária em Saúde é um dos temas que mais estão em alta na profissão atualmente, de modo que a atuação dos médicos neste setor é muito notável. Contudo, como a área atrai, majoritariamente, recém-formados e médicos que ainda estão em fase de experiência, acaba fazendo com que eles não enxerguem um plano de carreira focado na saúde pública.
“Os médicos vão para esse emprego e acabam enxergando como algo temporário. E por que isso acontece? Porque assim que eles conseguem alguma melhoria, se retiram do emprego público, não entendendo que ali podem ter uma carreira, podem desempenhar a Medicina no setor público de Saúde. Além disso, outro dado que demonstra muito claramente o perfil do novo médico é o fato de ser muito difícil levá-lo para localidades mais distantes, e mesmo que ele acabe indo, não tem segurança de ficar lá”, relata o palestrante.
O deputado federal também manifestou que, no caso de carreiras correlacionadas ao Ministério Público, é necessário prestar um concurso, e os recém-ingressos são designados para as localidades mais distantes. Com o tempo, outras pessoas também vão ingressando, possibilitando a aproximação dos mais antigos para os grandes centros ou outras localidades de interesse.
Conforme a explicação do especialista, a ideia é possibilitar o mesmo para os médicos, os fixando inicialmente nas localidades mais distantes, no sistema público de saúde e com uma visão sumariamente focada na atenção primária: “Entendemos que quanto mais qualificarmos o profissional que está indo para as regiões mais remotas do País, mais teremos condições de ofertar uma carreira de Estado que possa dar longevidade para esse profissional dentro do setor público, possibilitando maior efetividade e resolutividade”.
A PEC mencionada por Paiva [454/09] está em votação no Plenário desde 2014, pronta portanto há mais de oito anos. Porém, segue paralisada, indicando que nunca foi priorizada neste período. Na opinião do parlamentar, isso aconteceu porque a bancada de deputados e senadores médicos não teve uma atuação decisiva para que fosse possível colocar em foco a carreira de Estado.
Para ele, é fundamental pensar que a Telemedicina deve ser estabelecida em conjunto com a carreira de Estado, visto que o suporte fornecido é importantíssimo, e a figura do médico é essencial. Além disso, o trabalho em conjunto com a tecnologia permite um aumento considerável da resolutividade e da efetividade das propostas que estão sendo elaboradas.
“Temos que pensar no que é melhor para o médico, para o Estado e para a sociedade. Desta forma, temos que agir de maneira totalmente honesta, abrindo e dando transparência. Não houve um interesse político para a votação da PEC, mas temos que fazer pressão, porque é assim que o Congresso Nacional funciona. Precisamos ser transparentes nos nossos objetivos para termos credibilidade nas ações”, concluiu.
Formação adequada
Seguindo o webinar, José Eduardo Dolci observou que o Brasil está tendo um problema muito sério na formação de novos médicos. “Por isso, desenvolvemos essa linha do tempo da carreira médica. Se pudéssemos seguir esse esquema, indo desde a matriz de competências na formação, até a criação da carreira de Estado, com certeza teríamos uma mudança no cenário de eventos adversos graves e, principalmente, melhor condição de atendimento à população brasileira.”
O reitor da Santa Casa destacou pontos de importância relacionados à abertura de novas escolas de Medicina e exame de proficiência dos graduandos. Indicou, por exemplo, que atualmente há 37 mil novos médicos formados em todo o Brasil por ano, e que a projeção é que até 2030 o número de profissionais em atividade seja de 816 mil. Além disso, o País possui 353 escolas médicas, a segunda maior quantidade do mundo, estando atrás apenas da Índia.
Ainda de acordo com ele, desde 2013, com o surgimento do programa Mais Médicos, houve um grande crescimento de faculdades de Medicina no Brasil. E conforme pesquisa do CFM em 2020, de radiografia de escolas médicas no Brasil, 92% das instituições de ensino superior que oferecem vagas para Medicina não atendem pelo menos um dos três parâmetros ideais colocados pelas diretrizes curriculares nacionais: cinco leitos públicos de internação hospitalar para cada aluno da instituição, no município onde o curso é ministrado; acompanhamento de cada equipe da Estratégia de Saúde da Família por, no máximo, três alunos; e presença de um hospital com mais de 100 leitos exclusivos.
Dolci trouxe também dados de uma pesquisa realizada pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, indicando que uma a cada 20 pessoas atendidas no país sofreram algum tipo de dano evitável. Levando em consideração o cenário brasileiro, o levantamento sobre a mortalidade hospitalar – baseado em registros de prontuários – aponta que cerca de quatro mortes por hora poderiam ter sido evitadas, por conta de eventos adversos graves.
Para o especialista, o investimento em profissionais médicos deve ser feito com responsabilidade e confiança. Desse modo, o ensino baseado em matriz de competências é um processo de aprendizado que garante equidade na aquisição de conhecimentos, preservando as qualidades do ensino tradicional, de forma flexível. Além disso, é um modelo adaptável a qualquer sistema de Saúde e que envolve todos os profissionais, sendo possível a sua aplicação no âmbito do SUS.
Ademais, um dos tópicos mencionados pelo palestrante foi o teste do progresso durante a graduação, que constitui uma modalidade de avaliação cognitiva seriada, onde o mesmo conjunto de itens é aplicado a estudantes que se encontram em diferentes níveis de progressão – de diferentes instituições escolares. Nesse sentido, é necessário também haver um Exame Nacional de Suficiência (ou Proficiência) em Medicina, como um dos requisitos obrigatórios para exercer a profissão no Brasil.
“A última etapa daquilo que nós julgamos fundamental para que a formação médica continue sempre no mais alto nível é a recertificação do título de especialista. Não faz sentido uma pessoa receber um título de especialista há 40 anos e nunca mais ter participado de nenhuma atividade de atualização, mas continuar sendo especialista. Não podemos caçar o título de ninguém, mas a recertificação daria, principalmente para os hospitais, condições de dizer que preferem médicos que tenham esse título, uma vez que ele dá mais qualidade para o profissional em seus atendimentos”, explicou.
O diretor Científico da AMB finalizou sua apresentação destacando que ele, assim como a Associação, se coloca fortemente contra a abertura de novas escolas médicas no Brasil, uma vez que isso facilita a formação de profissionais sem um ensino de qualidade. Para o palestrante, é preciso um trabalho em conjunto com o Ministério da Educação para que sejam feitas constantes avaliações das universidades com cursos de Medicina, a fim de evitar a inserção indiscriminada de profissionais desqualificados no mercado.
Posicionamentos
Comentando as apresentações, o presidente da APM salientou a importância de haver um exame que comprove a atualização dos profissionais nas mais diferentes especialidades, uma vez que a Medicina é um setor que caminha rumo a uma constante evolução e está sempre proporcionando novas possibilidades. “Se não tivermos uma recertificação, ou revalidação contínua do título de especialista e do diploma de médico, por conseguinte, não poderemos oferecer segurança à nossa população”, relatou.
Por sua vez, o presidente da AMB relembrou que nos Estados Unidos, até 2019, havia um exame de recertificação realizado a cada 10 anos, e que esse tempo mudou para 5 anos – dado o avanço da área. Este modelo, segundo Fernandes, poderia ser inserido no sistema de avaliação brasileiro, a fim de certificar a competência dos médicos.
“Isso causa incômodo em alguns colegas, porque eles acham que terão o seu título retirado, mas não, não temos instrumento legal para tirar título. O que queremos dizer é que esse título de especialista terá um novo certificado a cada cinco anos. Quando falamos que vai haver essa recertificação, não quer dizer que ele vai ter que fazer uma prova novamente. Ele vai ter que provar, através de um instrumento demonstrável, que se manteve atualizado neste período. O nosso trabalho é com a população, então nós temos que nos atualizar para evitar eventuais danos que podem ser ocasionados”, concluiu.