A Veja publicou hoje, 28 de agosto, artigo do presidente da Associação Paulista de Medicina, Antonio José Gonçalves, sobre a má qualidade dos cursos de Medicina no País e o impacto no sistema de Saúde.
Leia o texto na íntegra a seguir ou confira no site da revista.
Formação médica em crise
Má qualidade de cursos de medicina no país impacta sistema de saúde e atendimento adequado aos pacientes
A saúde brasileira enfrenta um grande desafio: a má formação médica. Uma das principais causas é a educação oferecida atualmente pelas escolas de medicina, que por vezes parecem prezar mais pela quantidade de matriculados do que pela qualidade de ensino.
Hoje, 389 instituições oferecem graduação em medicina, sendo que quase 200 foram abertas nos últimos dez anos. A imensa maioria delas não atende a critérios básicos para a formação do aluno, como a existência de leitos do SUS para a prática médica, programas de residência, hospital de ensino e corpo docente qualificado.
Cerca de 80% dessas faculdades não cumprem pelo menos um desses requisitos, conforme nota emitida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Após a graduação, o próximo passo é a pós-graduação lato sensu – a residência médica -, essencial para lapidar e dar consistência à formação do médico. Hoje, porém, com a abertura irresponsável de inúmeros cursos, formam-se aproximadamente 40 mil jovens todos os anos, e só há vagas para 20 mil residentes do primeiro ano.
Nesse cenário, muitos formandos nem buscam fazer residência, seja pela alta concorrência, baixa remuneração ou necessidade de pagar o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) ao término do curso, levando-os a começar a trabalhar rapidamente para quitar suas dívidas, em vez de aprimorar seus conhecimentos.
A próxima etapa é a especialização. O título de especialista pode ser obtido ao final de uma residência médica credenciada pelo Ministério da Educação ou por uma prova anual realizada pelas 54 Sociedades de Especialidades do Brasil e chancelada pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Contudo, algumas instituições de ensino deturpam o conceito, oferecendo pós-graduações com “especialização” ao final de um curso de 360 ou 400 horas, o que não se compara às 2.880 horas anuais de treinamento da residência médica.
O governo também contribui com o sucateamento do ensino da medicina ao ceder à pressão econômica de grandes grupos educacionais, autorizar o funcionamento de novos cursos privados de má qualidade junto ao programa Mais Médicos e interferir na Comissão Nacional de Residência Médica para aumentar, de forma inconsequente, o número de especialistas no país.
Se essa tendência continuar, estima-se que, em 2035, o Brasil terá mais de 1 milhão de médicos, segundo a pesquisa Demografia Médica no Brasil 2023.
No entanto, isso não garantirá médicos para todos: a distribuição dos profissionais continuará desigual, concentrada em grandes centros. Formar mais médicos, e não melhores médicos, apenas levará ao declínio da qualidade do atendimento à população.
Um médico com formação ruim onera o serviço de saúde como um todo, pois pode demorar mais para chegar a um diagnóstico e até mesmo solicitar exames desnecessários, o que gera altos custos tanto para o indivíduo quanto para o sistema, desperdiçando recursos.
Em meio a circunstâncias tão graves, formas de minimizar suas consequências seriam: aplicar um exame de proficiência obrigatório para egressos das escolas de medicina, aos moldes do realizado pela para futuros advogados; criar uma carreira de Estado para o médico, que levaria a uma distribuição mais adequada pelo país; e evitar a interferência governamental na tentativa de aumentar o número de especialistas sem qualificação.
Dessa forma, conseguiríamos registrar quão capacitados os estudantes estão e acompanhar a qualidade da formação médica – que hoje, lamentavelmente, está em crise.
Antonio José Gonçalves é presidente da Associação Paulista de Medicina