A Associação Paulista de Medicina recebeu a visita de Carlos Bezerra Júnior, atual secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, para discutir a questão da população em situação de rua. Ele foi recepcionado pelo presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, e pelo médico e ex-vereador de São Paulo Gilberto Natalini.
Amaral iniciou a conversa relembrando de que maneira a APM decidiu se colocar à frente do tema e utilizar sua influência para promover notáveis ações. “Fui indagado por Silvano Raia sobre como iríamos ajudar a resolver a questão da população em situação de rua. Saúde é o bem-estar das pessoas sob qualquer aspecto e este, antes de qualquer outra coisa, é um problema de Saúde, então temos que agir. Foi assim que entrei em contato com o Natalini e ele me indicou pessoas que estavam envolvidas no tema, de modo que passamos a realizar reuniões periódicas, apresentando diversas visões sobre o assunto, e estamos trabalhando na consolidação da nossa contribuição enquanto associação médica”, relembrou.
Bezerra relembrou que, desde a gestão do ex-prefeito Bruno Covas, já havia um grande incômodo em relação às abordagens que estavam sendo feitas com a população em situação de rua. A pauta, que ganhou destaque após Ricardo Nunes assumir a Prefeitura de São Paulo, se tornou um tema prioritário por conta do considerável aumento nos últimos anos, uma vez que esses indivíduos, que anteriormente estavam muito mais localizados na região central, hoje se encontram em todos os pontos do município.
De acordo com o secretário, o convite para assumir o cargo se fez pelo fato de o Governo Municipal estar buscando novas dinâmicas e ideias para lidar com a situação, já que as abordagens tradicionais se esgotaram – havendo a necessidade de se desenvolver um olhar diferenciado, que contribuísse para promover novas possibilidades e mudar um cenário desumano e sem qualidade de vida.
Situação atual
“Nós antecipamos o Censo da população em situação de rua para ter um quadro mais claro e poder oferecer políticas públicas de acordo com os novos desafios que estão sendo postos. O diagnóstico confirmou que houve um crescimento acelerado. Foi a primeira vez que, em dois anos, tivemos um crescimento de 31%, ou seja, 7.540 novas pessoas nesta situação, o que é muita coisa, totalizando 31.884. Existe uma cidade de pequeno/médio porte dentro da nossa própria cidade, com pessoas em situação de rua. É dramático e uma questão prioritária”, destacou Bezerra.
O secretário ainda apontou que o Censo atual retrata um aumento de 111% de famílias com crianças nas ruas. Em 2019, cerca de 2.500 pessoas respondiam que sim quando questionadas se tinham alguém da família vivendo nas ruas, enquanto na análise de 2021/2022, cerca de 5.200 responderam positivamente ao questionamento. Além disso, é importante ressaltar que houve um aumento exacerbado no número de crianças e adolescentes nas ruas, atualmente se aproximando de 3.750.
Conforme a explicação do especialista, outra questão válida de ser pontuada é o fato de que a abordagem tradicional não pode ser mais utilizada. Sendo assim, não é eficiente colocar essas pessoas em abrigos, pois não funcionam e são uma porta giratória para quem está nas ruas, em razão de não gerarem empregos, não capacitarem e não modificarem tal situação.
“A população em situação de rua é heterogênea, gerando demandas distintas e necessitando de repostas distintas. Não posso dar o mesmo tipo de abordagem e fazer o mesmo tipo de encaminhamento para alguém que está há menos de dois anos na rua e para quem está há mais de dois anos. Desta maneira, adotamos o modelo de Housing First, que é o conceito de moradia em primeiro lugar, porque a solução para a questão da população em situação de rua é essa. A moradia é o ponto inicial”, expôs.
Ações e ideias
Exemplificando o conceito e exibindo ações que estão sendo realizadas pela Secretaria, Prefeitura e Governo do Estado, Carlos Bezerra Júnior destacou que algumas unidades desocupadas da antiga Fundação Casa estão sendo requalificadas a fim de receber novos leitos. Para ele, o projeto significa a transformação de um espaço de privação de liberdade em um local de esperança, geração de emprego, autonomia e dignidade. A ação conseguirá alcançar a criação de 600 novas vagas para a população em situação de rua espalhada pela cidade e cada unidade terá capacidade para receber 100 pessoas.
De acordo com ele, a maior complexidade no País se dá pelo fato de ter uma política econômica excludente, que inibe programas de transferência de renda, corroborando para o aumento do desemprego e da pobreza. “Outro desafio, talvez o mais paradoxal de todos eles, é que quanto mais leitos nós abrimos, mais gente vem. São Paulo é acolhedora e recebe todo mundo de braços abertos, mas quanto mais ampliamos a rede socioassistencial, mais pessoas passam a chegar. Então, nesse sentido, uma parceria com a APM seria fundamental e maravilhosa, pois poderíamos tentar fazer um protocolo técnico de intenções, contando com a supervisão de vocês com os equipamentos, para assim ajudar a dignificar esse atendimento.”
Entre as ideias pensadas pelos especialistas durante a reunião, está a possibilidade de realizar uma supervisão dos aspectos de humanização a cada seis meses dos espaços de acolhimento, de acordo com critérios pré-estabelecidos pela APM, levando em consideração o ponto de vista nutricional, de acolhimento e de higiene, contribuindo para oferecer uma resposta digna para a sociedade.
Para o secretário, outra ação fundamental que vem sendo realizada é o Consultórios na Rua, que auxilia pessoas que estavam na rua, sem perspectivas, a conseguirem melhores condições de vida, dando oportunidades de trabalho e estudo, contribuindo para que possam se reerguer e, assim, ajudar quem está na mesma situação que um dia também estiveram. “Vocês têm um suporte técnico que nenhuma outra instituição de classe tem. A qualidade da contribuição médica é uma das principais e acredito que a APM está preparada para nos ajudar a pensar em novas formas de condutas”, relatou.
O presidente da APM finalizou destacando a grandiosidade desta possibilidade de parceria com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social e a Prefeitura de São Paulo: “Pela sensibilização que essa discussão vem criando, acho que temos aqui um bom clima para nos dedicarmos a colaborar. A Associação Paulista de Medicina possui 76 Regionais e Núcleos, então seria muito válido estender nossas ideias por todo o estado de São Paulo, nos encontrando pessoalmente, visitando abrigos e fornecendo auxílio a essa população”.
Texto: Julia Rohrer
Fotos: Marina Bustos