APM debate cotas raciais na Medicina em webinar

Cotas na Medicina: O que sabemos e o que antevemos?

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Na última quarta-feira, 21 de junho, a Associação Paulista de Medicina promoveu um webinar com o tema “Cotas na Medicina: O que sabemos e o que antevemos?”. O encontro foi moderado pelos diretores Científico e de Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências da entidade, Paulo Pêgo e Alvaro Atallah, respectivamente.

Os palestrantes convidados foram Maria Cristina Pereira Lima, psiquiatra e diretora da Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp, e Ricardo Ayres, professor Titular e presidente da Comissão de inclusão e pertencimento da Faculdade de Medicina da USP.

Paulo Pêgo apresentou os convidados e introduziu o assunto: “Hoje, iremos falar sobre cotas na Medicina, o que sabemos e o que antevemos. Escolhemos muito bem os palestrantes para falar sobre esse assunto bem atual e em constante crescimento. Entre muitos debates, hoje já conseguimos ver resultados preliminares em relação a isso, e observar o caminho que estamos trilhando”.

Desafios

Na primeira apresentação da noite, Maria Cristina apontou a importância que há em discutir as cotas raciais, principalmente porque ainda há muita desinformação e estigma associado a essa política. Evidenciou o termo referente às “Ações afirmativas”, que são um conjunto de políticas públicas que garantem a proteção de minorais e grupos que, no passado, tenham sofrido algum tipo de discriminação, ou que ainda sofrem.

A psiquiatra usou como exemplo a obrigatoriedade que as empresas têm de contatar colaboradores com deficiência com o intuito de inclui-los no mercado de trabalho. Dados apresentados por ela mostram que na Medicina da Unesp, somente 40% dos estudantes vieram de escolas públicas, e menos de 1% são alunos pretos, pardos e indígenas.

Os índices apontam o quão elitizados são os cursos de Medicina, inclusive nas universidades públicas. “Para tentar tornar a universidade mais inclusiva, começaram a ser desenvolvidas ações para isenção de taxa de inscrição e incentivo aos cursos pré-vestibulares. Houve na Unesp uma série de ações de incentivo à qualificação dos professores da rede pública, com investimentos de apoio ao ensino fundamental e médio”, salientou.

Segundo a diretora, em 2012, ano em que as cotas raciais passaram a ser implementadas na faculdade em que ela faz parte, houve resistência e discussões. Para alguns membros, este não era o caminho correto a seguir, pois o método “iria causar uma defasagem no ensino”, e na época foi sugerido que o Estado investisse primeiro nos ensinos fundamental e médio.

“Entre muitos debates, o conselho universitário aprovou, em 2013, para o ingresso em 2014, um sistema de cotas gradual. No primeiro ano, o número de cotas era de 15%, até chegarmos a 50%”, relembrou.

Entretanto, apesar das aprovações e do aumento nas taxas de inclusão, Maria Cristina relatou sobre as dificuldades que os alunos ainda enfrentam em relação à identificação com os mestres universitários: “Nossos alunos nos procuram e conversam a respeito disso e dizem que não se sentem espelhados em seus professores, pois a porcentagem de professores pretos, pardos e indígenas ainda é muito pequena. Além disso, o modo de vida de muitos alunos é distante de seus professores”.

Outro ponto abordado pela palestrante está correlacionado a um fenômeno semelhante à síndrome do impostor, visto que universitários na condição de cotistas sofrem com a angústia de não se sentirem legitimamente no direito de estarem na universidade, pela falta de representatividade. Por fim, a psiquiatra ressalta que a adoção das cotas mudou para melhor a dinâmica das aulas, gerando bastante satisfação em todo o ensino.

Equidade

Ricardo Ayres relembrou da lei áurea de 1888, quando – em tese – houve a abolição da escravidão, mas o Estado não promoveu políticas públicas que atendessem a população preta, a deixando à margem da sociedade, enfrentando dificuldades para se inserirem de fato. Segundo o professor, somente a partir dos anos 1950 começou a ser discutida a inclusão no ensino superior.

“A Universidade do Rio de Janeiro foi pioneira na adesão de cotas, começou já nos anos 2000 com elas [cotas] para estudantes de escolas públicas. Na época, decisão muito questionada, mas também interessante. Logo, apareceram dois aspectos bem relevantes: com a diversidade racial na universidade houve o mito de que iria baixar a qualidade da produção da instituição, mas foi justamente ao contrário, houve um estímulo na produção, mostrando que era uma questão de oportunidade. E quando se cria essa oportunidade, o ciclo se rompe”, apontou.

Na apresentação, o professor realçou a diferença perceptível no cenário da instituição em que leciona em relação há alguns anos. Ressalta a pluralidade de raças e etnias no ambiente, além da aprendizagem e retratação de conteúdos, termos e falas inadequadas dos próprios professores, visto que o racismo estrutural se encontra presente em todas as esferas da sociedade. “Vejo que nós estamos melhorando progressivamente em relação a isso.”

“Nós já temos um coletivo negro organizado na faculdade [FMUSP], que é o Núcleo Ayé, e este programa já articulou com professores e construiu no Brasil um correspondente a uma rede internacional de pesquisa sobre raça e Saúde na Faculdade de Medicina, com uma participação intensa desses alunos. Recentemente, criamos uma disciplina optativa sobre antirracismo na formação de profissionais de Saúde. A boa notícia é que já estamos na quinta edição da disciplina e a frequência é cada vez maior”, destacou Ayres.

“Isso faz com que tenhamos uma politização da discussão de raça e Saúde lá dentro da FMUSP”, concluiu.

Imagens: Reprodução Webinar APM