Com uma vasta experiência no setor de Administração em Saúde, Francisco Balestrin está à frente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp) há alguns anos, sendo sua gestão marcada por iniciativas que buscam fornecer auxílio e contribuir para o desenvolvimento do setor da Saúde. Dentre as realizações recentes está a Proposta Saúde São Paulo, projeto que ouviu diversas pessoas diretamente envolvidas com a área, possibilitando o levantamento de 10 propostas de políticas públicas que estão sendo entregues aos pré-candidatos ao Governo de SP. Em entrevista à Revista da APM, fala sobre os fundamentos da proposta e outros temas. Confira a seguir.
De que maneira a Proposta Saúde São Paulo foi elaborada?
O SindHosp deu início, há 11 meses, ao Projeto Saúde São Paulo. Ouvimos e debatemos com cerca de 100 lideranças – pesquisadores, gestores, agentes políticos, órgãos de classe, associações de pacientes, indústria, prestadores de serviços e outros profissionais que vivenciam diariamente a Saúde nos setores público ou privado. As convergências levantadas resultaram em 10 propostas de políticas públicas voltadas para aumentar a inclusão, a qualidade assistencial e promover a saúde das pessoas com mais equidade e sustentabilidade. Esse conteúdo resultou em uma publicação, que está sendo apresentada e debatida com todos os pré-candidatos ao Governo do Estado de São Paulo, Câmara dos Deputados, Senado Federal e Assembleia Legislativa. Acreditamos que estamos em um momento propício para as transformações que podem levar o SUS a um novo patamar. Trata-se de contribuição cidadã do SindHosp para a construção de uma agenda avançada e positiva para o setor.
O documento possui o conceito de Rosa dos Ventos, sendo dividido em quatro eixos: inovar, informar, integrar e impactar. Qual a ideia geral de cada um?
A Rosa dos Ventos foi escolhida como símbolo do Saúde São Paulo por ser um instrumento de navegação e orientação. As propostas do eixo Inovar propõem ferramentas inovadoras que podem ajudar a solucionar problemas do sistema de Saúde, melhorando o acesso, a qualidade, a interoperabilidade e a equidade. Isso passa pela introdução de novas tecnologias, pelo incentivo à indústria, maior aproximação com universidades e centros de pesquisa e novos modelos de gestão e contratualização entre público e privado. O eixo Informar tem como foco propostas com o objetivo de aprofundar a capacidade de coleta e análise de dados para avaliação de desempenho do sistema de Saúde. Como um dos grandes desafios do SUS é integrar as ações entre a atenção primária e os serviços de média e alta complexidade, o eixo Integrar se debruça sobre isso. Além de auxiliar nessa integração, as propostas desse ponto visam promover sinergia entre a pesquisa básica e o complexo econômico industrial da Saúde. Por fim, o eixo Impactar apresenta propostas para viabilizar o acesso sustentável e fortalecer as Regiões de Saúde (RS), através do investimento em redes integradas e com a utilização da saúde digital como ferramenta estrutural.
Durante as reuniões com os pré-candidatos, eles demonstraram preocupações similares com a área da Saúde? Quais?
De forma geral, há grande preocupação com as filas para exames e cirurgias, com a ampliação da atenção básica e sua integração com a média e alta complexidade. Os encontros não tiveram como objetivo detalhar os planos de governo dos candidatos para o setor da Saúde. O tema foi tratado de forma global, muitas vezes fazendo interface com outras áreas, como economia e educação. Agora, estamos analisando a possibilidade de chamar as equipes de Saúde dos candidatos para realizar encontros mais técnicos, focados especificamente nas propostas e em como podem ser implementadas.
De que forma a proposta visa otimizar o SUS?
O SUS não teria o alcance que tem sem a ajuda das instituições privadas, principalmente dos hospitais filantrópicos. Mais de 60% das internações realizadas no País pelo SUS acontecem nos hospitais privados. O trabalho conjunto entre esses setores, no qual cada uma das partes contribua com o que faz de melhor, poderá não só ampliar o acesso como trazer melhores experiências ao usuário dentro do sistema, direcionando-o ao serviço que melhor atenda às suas necessidades e englobando todos os níveis de atenção. A interoperabilidade de dados nesse processo é fundamental. Após a criação do DataSUS, em 1991, surgiram vários sistemas de produção de dados e mais de 200 subsistemas, que nem sempre conversam entre si, mas formam um gigantesco acervo sobre a saúde dos brasileiros. Em paralelo, as informações da saúde suplementar são tratadas em sistemas geridos pela ANS. Por isso, os dados são pouco utilizados para planejamento e avaliação e não são compartilhados entre os prestadores de serviços e demais atores. A otimização do SUS passa necessariamente por essa interoperabilidade.
Como podemos pensar a Saúde de forma a ser mais inclusiva para a população?
É importante frisar que a Saúde é um setor que está diretamente ligado ao desenvolvimento econômico e social, e que políticas públicas voltadas à educação, meio ambiente, segurança pública e saneamento básico impactam positivamente na melhoria das condições de saúde da população. Com a pandemia, as desigualdades e iniquidades foram expostas. Isso impõe às autoridades uma necessidade de mudança de postura na gestão do sistema de Saúde. Nosso documento não tem – e nunca teve – a pretensão de esgotar todas as discussões que devem ser feitas sobre o SUS. Ele tem como base a apresentação de propostas voltadas ao acesso sustentável. Para promover essa inclusão, nós contamos, atualmente, com ferramentas digitais que podem e devem desempenhar papel estratégico na qualificação da informação e da gestão do sistema, trazendo enormes benefícios também para o usuário, ao facilitar o acesso aos serviços, o acompanhamento do seu prontuário e promover a transparência das ações.
Como o investimento na Atenção Primária tende a ter um impacto positivo e efetivo no sistema de Saúde?
Uma publicação do Ministério da Saúde mostra que 85% das demandas de saúde podem ser resolvidas na atenção primária. Entretanto, para um melhor funcionamento desse nível assistencial, se faz necessário aumentar o financiamento voltado a ele, além do investimento em digitalização e compartilhamento dos dados com os demais níveis de atenção, capacitação das equipes, implantação de linhas de cuidado aderentes à transformação digital e disponibilidade de atendimento. Tudo isso pode ser desenvolvido com a parceria entre público e privado, pois ambos possuem conhecimentos específicos. É importantíssimo fortalecer a atenção primária, mas também precisamos que ela seja integrada com os serviços de média e alta complexidade e que as redes assistenciais, dentro das Regiões de Saúde (RS), sejam organizadas e multiplicadas. Implantar procedimentos para telediagnóstico, avançar na estruturação das equipes multidisciplinares que atuam remotamente, incluindo os agentes comunitários de Saúde, e ofertar clínicas de cuidado integral para doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e obesidade, são alguns exemplos de iniciativas que a proposta de fortalecimento da atenção primária do
Saúde São Paulo contempla.
Publicada na edição 732 – jun/jul de 2022 da Revista da APM
Fotos: Divulgação Sindhosp