Saúde mental na Medicina

Psiquiatra aborda os desafios psicológicos enfrentados por jovens médicos e estudantes da área

Entrevistas

Em 2016, estudos publicados pela revista Internal Medicine Journal (IMJ) destacaram a toxicidade na cultura médica, gerada pelo estresse constante da profissão. Esse ambiente afeta principalmente os jovens médicos e estudantes de Medicina, devido à falta de apoio psicológico e às altas expectativas em relação à carreira.

Nesta edição da Revista da APM, o psiquiatra e diretor administrativo do Centro Integrado de Atendimento em Psiquiatria e Psicologia, Pedro Henrique Mendes Amparo, fala sobre o tema. Confira a seguir.

Quais são os principais desafios emocionais e psicológicos enfrentados pelos jovens médicos ao ingressarem na profissão?

Eles são variados e dependem da fase da carreira em que se encontram. No início, um dos maiores desafios é a transição do vestibular para a faculdade de Medicina. Muitos jovens entram para a carreira com grande expectativa e idealizações, tanto pessoais quanto sociais, e podem sentir-se sobrecarregados pela realidade. Durante os primeiros dois anos, que são mais focados nas matérias básicas, o contato com o sofrimento humano é limitado. No entanto, conforme começam a ter contato com pacientes e a trabalhar em hospitais-escola, muitos se deparam com uma realidade mais dura e assustadora.

Essa fase inicial pode ser marcada por sentimentos de incapacidade, devido à falta de conhecimento técnico e experiência prática. É um período em que os jovens médicos estão desenvolvendo sua inteligência afetiva e interpessoal. A carga emocional é alta, pois a anamnese e o atendimento aos pacientes frequentemente envolvem questões de sofrimento humano profundo.

À medida que os estudantes avançam para o internato, a carga horária aumenta significativamente e as atividades de lazer se tornam escassas. A preparação para a residência médica adiciona outra camada de estresse, com provas difíceis e a necessidade de competir com outros candidatos. A dificuldade em encontrar empregos bem remunerados, especialmente para os mais jovens, também contribui para o estresse e a sensação de desamparo.

De que maneira a transição da vida acadêmica para a prática médica pode impactar a saúde mental desses profissionais?

A transição da vida acadêmica para a prática médica pode ser extremamente desafiadora. Os jovens médicos, frequentemente, enfrentam uma grande carga de trabalho e responsabilidades, o que pode causar estresse e ansiedade. A prática médica real pode diferir significativamente da teoria aprendida na faculdade, e a pressão para atender às expectativas de pacientes e superiores pode ser esmagadora. Além disso, a carga de trabalho intensa pode deixar pouco tempo para autocuidado e atividades pessoais, acumulando problemas de saúde mental.

Quais são as barreiras mais comuns que impedem os jovens médicos de buscar apoio mental?

Um dos principais obstáculos para buscar apoio mental é a falta de tempo. Os jovens médicos, geralmente, têm agendas extremamente ocupadas, tornando difícil encontrar um horário que coincida com o de um profissional de saúde mental. Além disso, a automedicação é uma prática comum entre os jovens. Eles podem recorrer a medicamentos sem orientação profissional para lidar com estresse e ansiedade. Estratégias como o uso de psicoestimulantes ou grandes quantidades de cafeína também são relatadas.

Outro fator é o estigma associado à procura de ajuda psicológica. Muitos médicos ainda veem a busca por apoio como um sinal de fraqueza e podem hesitar em procurar ajuda até que a situação se torne crítica. Este estigma pode levar a uma relutância em buscar tratamento até que os problemas de saúde mental se tornem severos.

Quais são os tipos de apoio oferecidos pelas instituições de Saúde para os médicos em termos de saúde mental?

O apoio à saúde mental para médicos pode variar significativamente entre instituições. Nas universidades, há algum nível de suporte psicológico disponível para os estudantes, mas fora deste ambiente, o apoio pode ser limitado e, muitas vezes, informal. Em alguns casos, colegas mais experientes podem oferecer suporte ou facilitar o acesso a recursos, mas isso é incerto.

Em instituições de maior complexidade, pode haver programas de apoio psicológico, mas a maioria desses serviços é voltada para os pacientes e não necessariamente para os profissionais de Saúde. O suporte para médicos pode ser inadequado e dependente de iniciativas individuais ou da disponibilidade de profissionais de Saúde mental no ambiente de trabalho.

Como as instituições podem melhorar o ambiente de trabalho para promover o bem-estar psicológico dos médicos em início de carreira?

Para melhorar o ambiente de trabalho e promover o bem-estar psicológico dos médicos jovens, as instituições devem implementar programas de prevenção e apoio psicológico. Isso pode incluir a contratação de profissionais especializados para realizar dinâmicas de grupo, sondar as dificuldades e expectativas dos médicos e oferecer suporte contínuo.

A presença de programas de saúde mental ativos e acessíveis pode ajudar a identificar e abordar problemas antes que se tornem críticos. Além disso, as instituições devem promover um ambiente de trabalho que valorize a saúde mental, oferecendo suporte e recursos para lidar com o estresse e a pressão. Programas de treinamento e workshops sobre o assunto podem ajudar a reduzir o estigma e encorajar os médicos a buscarem ajuda quando necessário.

Qual é a importância de momentos de lazer e atividades fora da Medicina para a manutenção da saúde mental? Como encontrar um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional?

Esses momentos são cruciais para manter a saúde mental. A vida social, afetiva e familiar, bem como a capacidade de tirar férias e se desconectar do trabalho são importantes para reduzir o estresse. Muitos jovens médicos acabam negligenciando essas atividades devido à carga de trabalho intensa, o que pode levar a um custo significativo para a saúde mental e física.

Encontrar um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional é essencial. Mesmo com a pressão do trabalho, é importante reservar tempo para relaxar e se cuidar. O planejamento de férias e a manutenção de atividades sociais podem ajudar a criar um círculo positivo, no qual o descanso e o lazer contribuem para uma maior satisfação e desempenho no trabalho.

Quais são as tendências atuais na abordagem da saúde mental entre médicos jovens?

Elas incluem um aumento na conscientização sobre a importância do suporte psicológico. Embora ainda haja estigma, as instituições estão começando a implementar programas de prevenção e apoio mais estruturados. A presença de profissionais de saúde mental no ambiente de trabalho e a promoção de discussões abertas sobre o assunto estão se tornando mais comuns.

Programas de prevenção, como palestras e atividades de grupo podem ajudar a aumentar a conscientização e encorajar a busca por ajuda. No entanto, a disponibilidade e a eficácia desses programas podem variar, e muitos médicos ainda dependem de colegas ou familiares para obter suporte.

De que forma os jovens médicos podem manter a saúde mental ao longo de suas carreiras e diante dos desafios da profissão?

A psicoterapia é uma estratégia eficaz para manter isso, mas é crucial que os jovens médicos estejam dispostos a buscar ajuda e superar o estigma associado ao tratamento psicológico. É importante reconhecer a necessidade de cuidar da saúde mental e procurar apoio quando necessário. A manutenção de uma rede de suporte, a prática regular de autocuidado e a disposição para buscar ajuda profissional são fundamentais para enfrentar os desafios da profissão.


Raio-X

PEDRO HENRIQUE MENDES AMPARO

FORMAÇÃO: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp

ESPECIALIDADE: Psiquiatria

ATUAÇÃO: Diretor administrativo do Centro Integrado de Atendimento em Psiquiatria e Psicologia


Texto: Ryan Felix (sob supervisão de Alessandra Sales e Julia Rohrer) | Foto: Arquivo pessoal

Publicado na edição 746 da Revista da APM – set/out 2024