O caminho de Santiago de Compostela se divide entre França, Portugal e Espanha. A rota representa a trajetória percorrida por um dos doze apóstolos de Jesus, São Tiago Maior, sendo conhecida como uma das maiores peregrinações cristãs do mundo. Nesta edição da Revista da APM, conversamos com três diretores da Associação que já realizaram o Caminho, relembrando valiosos momentos da viagem.
Quando e com quem a viagem foi realizada? Quanto tempo levaram para fazer a rota?
José Luiz Gomes do Amaral: Fiz duas viagens à Compostela. De Vilafranca del Bierzo, 12 dias, a pé, com amigos e colegas de faculdade; e de Porto, de bicicleta, pela costa, em uma semana, parte com minha mulher, o final com ela e com amigos colegas de faculdade. De bicicleta, predomina o desafio físico, o lado esportivo; a pé, a introspecção, a observação do cenário e das pessoas em peregrinação, além da enogastronomia.
Marisa Lopes Miranda: Fiz a viagem duas vezes. A primeira, em 2005, quando fiz o caminho francês, fui sozinha e acabei conhecendo algumas pessoas por lá. Depois disso, acabei gostando tanto e achei tão bacana aquela troca e experiência que comecei a fazer caminhos aqui no Brasil, junto com a minha irmã. Até que algumas amigas se juntaram ao nosso grupo e decidimos fazer o caminho português de Santiago de Compostela, em 2019.
Renato Azevedo Júnior: Realizei o Caminho sozinho, em outubro de 2013. Ele inteiro tem cerca de 800 km, levando cerca de 30 a 40 dias para percorrer. Mas, como disse, é possível fazer roteiros menores, partindo de locais com no mínimo 100 km de distância de Santiago. O Caminho todo é muito bem-sinalizado e a recomendação é que se ande no mínimo 20 km por dia.
O que te incentivou a percorrer o Caminho de Santiago de Compostela?
JLGA: A bagagem histórica do Caminho, os sonhos que ele representa, o desafio físico e emocional, a companhia ao lado de amigos e o prazer de caminhar ou pedalar.
MLM: Eu estava em um momento da minha vida em que eu via necessidade de introspecção, de conhecimento interior, de ficar um pouco comigo mesma. Estava no auge da minha profissão, com os filhos pequenos. Uma amiga me incentivou e em uma semana eu estava com tudo arrumado e pronto.
RAJ: As motivações para uma peregrinação como essa são muito pessoais. Muitos percorrem o Caminho para reafirmar sua crença espiritual, para pedir ou agradecer por um milagre, ou em momentos de dúvidas sobre qual direção seguir na própria vida.
Como pode descrever a experiência?
JLGA: Traz liberdade e um distanciamento da rotina da vida. Além de nos fornecer despojamento, ou seja, viver o essencial, sem abrir mão de nenhuma das pequenas grandes delícias que podem fazer o caminho mais agradável.
MLM: Ficar sozinha comigo mesma, ouvindo apenas a minha voz e as minhas expectativas me fizeram crescer e dar uma parada na minha vida para olhar para frente e me questionar “Para onde estou indo?”. Assim, pude me reencontrar com o meu próprio caminho e os meus objetivos. Voltei me sentindo mais eu, mais leve e com clareza daquilo que eu estava procurando. Além de entender a importância do desapego e do minimalismo saudável, aprendi a viver com menos coisas e me trouxe um grande desprendimento material.
RAJ: O Caminho se faz sozinho, mas durante o percurso você conhece pessoas com diferentes histórias de vida, com compartilhamento de experiências e aprendizado. A religiosidade está sempre presente, pois todo o ambiente do Caminho te remete a isso. O peregrino tem a possibilidade de refletir sobre sua vida, o que fez durante sua trajetória e o que ainda fará, o que é difícil de fazer no cotidiano. À medida que andamos, o Caminho nos abre novas perspectivas.
Quais as memórias mais marcantes desta viagem?
JLGA: É algo inesquecível e gratificante todos os dias, desde o planejamento às recordações. É a sensação de pertencer ao mundo que estou a percorrer.
MLM: Sem dúvida, a chegada à Igreja de Santiago de Compostela é um momento muito emocionante, pois o peregrinar te gera expectativas de chegar no objetivo final. Independente da conotação religiosa, poder ver aquela igreja estonteante e de uma arquitetura maravilhosa nos dá muita energia. Outro momento foi quando estava em um barzinho, na parte do caminho português, descansando com algumas amigas e encontramos um grupo de mulheres israelenses que amavam o Brasil e o cantor Jorge Ben Jor. Juntas, cantamos País Tropical – costumávamos cantar muito durante o percurso – e todos que estavam no bar pararam para observar e nos aplaudir. Foi um momento fantástico de interações multinacionais e culturais.
RAJ: Para mim, definitivamente, é a chegada em Santiago e a visão da Catedral. Poder entrar na mesma, assistir à missa e agradecer por ter percorrido o Caminho. É muito emocionante.
Como fazer o Caminho? Na sua opinião, quais regiões são essenciais para o roteiro?
JLGA: Há muitos caminhos que levam a Santiago de Compostela. Essencial é fazê-los. Qualquer um. Talvez eu escolhesse fazer aquele que ainda me seja desconhecido. Mas, também acho que repetiria algum percurso já percorrido em outra estação do ano, em novas circunstâncias.
MLM: Optei por ficar em cidades menores, porque acho que dá mais chance de entrosamento, então acho esses vilarejos mais tranquilos e proveitosos. Um lugar lindo é o Cebreiro, que fica bem no alto, você quase toca o céu e é muito bonito.
RAJ: Você precisa estar preparado para longas caminhadas, apesar de que é possível fazer o Caminho de bicicleta ou a cavalo. É possível fazer apenas parte do Caminho, mas para receber o certificado de que o fez, é necessário percorrer no mínimo 100 quilômetros. Este certificado é fornecido na própria Catedral de Santiago e é obrigatório apresentar um cartão, fornecido quando começa o Caminho e preenchido com selos que o viajante consegue a cada trecho. Todas as regiões são essenciais, por isso, não consigo destacar nenhuma em específico.
De que maneira lidar com eventuais imprevistos durante a peregrinação?
JLGA: Talvez lidar com uma doença, trauma, machucados, mal-entendidos em reservas e rota, alterações climáticas, enfim, essas são situações que podem acontecer. Qualquer destes imprevistos requerem reações apropriadas e podem ocorrer a qualquer lugar. O Caminho me pareceu seguro e provido dos recursos necessários para enfrentá-los.
MLM: Acredito que os maiores imprevistos estejam relacionados ao peregrino novo, que nunca caminhou, pois há chances de ele comprar o equipamento errado, errar no calçado (que deve ser dois números a mais que o habitual, por exemplo). Acho que é fundamental também tomar cuidado com o peso da mala. Também recomendo ir na primavera ou no outono, em que as temperaturas são mais amenas.
RAJ: Você sempre encontrará ajuda, seja dos peregrinos ou das comunidades locais, que são muito acessíveis, cordiais e hospitaleiros com os caminhantes. Caminhe sempre sem pressa, observando muito a paisagem e, principalmente, as igrejas e santuários locais.
Quais os significados deixados após percorrer o Caminho?
JLGA: O Caminho é imprescindível. É uma oportunidade ímpar de autoconhecimento, um exercício de humildade e uma lição de história por onde os peregrinos passam. Eu diria que é uma boa dose de “espiritualidade”, por conta de tudo que nos proporciona.
MLM: Eu diria que me abriu um novo mundo, de autoconhecimento ao caminhar. É a simplicidade, o minimalismo e o desapego, três características importantes para quem quer achar um sentido maior da vida. O Caminho te dá a capacidade de conhecer e entender o mundo e as pessoas que estão nele.
RAJ: Na minha opinião, o significado principal é uma reflexão sobre sua vida, passada, presente e futura. Recomendo muito, para quem pretende fazer o Caminho, a leitura do livro “Diário de um Mago”, de Paulo Coelho.
Publicada na edição 735 – Dezembro de 2022/Janeiro de 2023 da Revista da APM
Fotos: Arquivo pessoal