Embora a população idosa idosa seja a mais afetada com a surdez, cresce o número de jovens de 19 a 25 anos com alguma sequela no nervo ou ouvido interno em razão do uso de fones em alto volume e durante tempo prolongado, como dificuldade de estabelecer vínculos sociais, isolamento e depressão. Para alertar os brasileiros sobre essa realidade, São Paulo foi palco no mês de agosto da Ear Parade, exposição de esculturas em formato de orelhas gigantes em diversas ruas, praças e avenidas importantes da cidade. O otorrinolaringologista e idealizador do projeto, Ricardo Ferreira Bento, afirma que, há quase 30 anos, desde que passou a fazer parte do corpo de docentes da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sempre questionou o preconceito em relação aos aparelhos auditivos convencionais.
Confira entrevista a seguir.
Revista da APM: No Brasil, quase 10 milhões de pessoas sofrem com algum grau de perda auditiva. A que isso se deve?
Ricardo Ferreira: O grande número de pessoas com perda de audição se deve aos hábitos rotineiros de exposição a ruídos: o uso de fones de ouvidos em alto volume e durante tempo prolongado, a poluição sonora das grandes cidades, a falta do uso de equipamento de proteção individual durante serviços específicos, o envelhecimento populacional e hábitos que atualmente preocupam a saúde pública, como a não vacinação e a recorrência de doenças infecciosas. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 432 milhões de adultos e 34 milhões de crianças têm dificuldades de audição no mundo, o que equivale a 10% da população mundial com alguma deficiência auditiva. A OMS prevê ainda que, até 2050, 500 milhões de jovens e adultos terão perda auditiva devido ao uso de fones de ouvido. No Brasil, 9,7 milhões de pessoas têm algum grau de perda auditiva, de acordo com o último dado do IBGE, sendo que 5,1% da população brasileira possui deficiência auditiva e aproximadamente 2% têm perda auditiva severa e profunda. A cada mil nascimentos, entre uma e seis crianças apresentarão perda auditiva severa e profunda. Nas unidades de terapia intensiva neonatal, a cada 100 nascimentos, um a quatro recémnascidos terão déficit auditivo.
Quais as principais sequelas, tanto para a saúde física quanto mental, relacionadas à perda auditiva?
A deficiência auditiva dificulta o convívio social, leva muitas pessoas ao isolamento e pode potencializar a depressão, pela dificuldade em se comunicar e pela resistência em buscar por ajuda, além de prejudicar a memória e o raciocínio.
E os principais sinais, sintomas, diagnóstico e tratamento adequados?
Os principais sintomas são dificuldade de compreensão, zumbido nas orelhas, isolamento social e pedir para repetir frases muito frequentemente. O diagnóstico da perda auditiva pode ser feito por meio de exame de audiometria. Já a partir segundo dia do nascimento, a triagem auditiva neonatal pode ser feita com o exame de emissões otoacústicas ainda na maternidade e alguns casos necessitam de confirmação com exames mais específicos, como o potencial auditivo de tronco encefálico (bera). O tratamento adequado irá depender do grau de perda auditiva. A grande maioria pode ser reabilitada com o uso de próteses auditivas convencionais, como as utilizadas em idosos. Já nos casos de surdez severa a profunda, de caráter neurossensorial, está indicada muitas vezes a cirurgia de implante coclear. Os tratamentos clínico ou cirúrgico das infecções de ouvido, com reconstrução da membrana do tímpano, da cadeia ossicular ou o uso de próteses implantáveis, também podem amenizar o grau de perda auditiva ou até revertê-lo.
Como reverter essa realidade?
Campanhas de conscientização da população se fazem necessárias. No caso dos jovens, muitas vezes falta a consciência de que esse problema poderá afetá-lo tão precocemente, já que acreditam que só acomete o idoso. A prevenção é melhor do que o tratamento de uma condição. Geralmente, é menos dispendiosa e pode ser implementada no nível da comunidade. Entre as causas evitáveis, destacam-se otite média, rubéola materna, outras doenças infecciosas, problemas no nascimento, uso excessivo de drogas ototóxicas, consanguinidade e exposição a sons altamente prejudiciais.
Como surgiu a ideia do projeto Ear Parade? Qual seu principal objetivo?
A exposição foi idealizada por mim, a partir da observação de outras mos-tras de arte como a Elephant Parade nas ruas de São Paulo. Desde quando passei a fazer parte do corpo docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, me questionava bastante sobre o preconceito que os aparelhos auditivos convencionais provocavam. É um aparelho similar aos óculos, só que um ajuda a ouvir e o outro, a enxergar. E durante todos esses anos, tenho pensado em uma forma de alertar a população de uma maneira mais abrangente sobre a necessidade de ouvir bem.
Como foram escolhidos os locais e temas das esculturas?
Foi aberto um concurso para que artistas, e mesmo pessoas que não trabalham com arte, pudessem se expressar nas pinturas com o tema “audição”. O concurso foi divulgado em redes sociais e a seleção foi feita pela equipe de marketing da Ear Parade. Os locais de exposição das orelhas seguiram as normas de liberação da Prefeitura de São Paulo, mas buscamos ruas, parques e praças movimentadas, para melhor divulgação da campanha.
Pretende expandir a outras cidades, estados e até mesmo países?
A repercussão na mídia foi muito intensa e, desta forma, entendemos que a disseminação da informação e do questionamento sobre o tema por parte da população foi um resultado positivo para a campanha. Ao término do evento, será feito um balanço sobre a viabilidade de expandi-lo a outras cidades que já demonstraram interesse, como Rio de Janeiro, Campinas, Cidade do México e Copenhagen, na Dinamarca.
Raio X:
Ricardo Ferreira Bento
Formação
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Especialidade
Otorrinolaringologia
Atuação
Professor Titular de Otorrinolaringologia da FMUSP
432 milhões de adultos e 34 milhões de crianças têm dificuldades de audição no mundo, segundo a OMS
Os principais sintomas são dificuldade de compreensão, zumbido nas orelhas, isolamento social e pedir para repetir frases muito frequentemente
Entrevista publicada na edição 713 da Revista da APM – Setembro 2019