Assegurar uma gravidez sem riscos para a mãe e para o bebê é um grande desafio que envolve políticas públicas que promovam ações de cuidado e alcancem gestantes ao redor de todo o País, contribuindo para a redução de complicações e do número de óbitos. Nesta edição da Revista da APM, entrevistamos o ginecologista, obstetra e professor Titular da Universidade Estadual de Campinas, José Guilherme Cecatti, especialista em mortalidade materna.
Quais são as principais causas da mortalidade materna?
As mortes maternas ocorrem, em sua grande maioria, em locais de média e baixa renda, entre a população de maior vulnerabilidade, sendo as principais as chamadas obstétricas diretas, relacionadas com o estado gravídico da mulher, como causas hemorrágicas, por hipertensão arterial e suas complicações e ainda aquelas atribuídas ao aborto inseguro.
A maior parte das mortes maternas acontecem em países de baixa renda, principalmente entre a população que vive em situação de vulnerabilidade social. De que maneira é possível modificar este cenário e fornecer uma gravidez e um pós-parto seguro a essas mulheres?
Essa é a resposta de um milhão de dólares, que todos procuram. A saúde materna (e a morte materna) não depende apenas de condições de Saúde, mas de um extenso e intricado sistema de múltiplas variáveis do indivíduo, da família e seu entorno, da educação recebida e da informação, da existência de um sistema de Saúde amplo e hierarquizado, apto a responder adequadamente e a tempo com recursos materiais e humanos às necessidades que as mulheres grávidas possam vir a apresentar em qualquer fase da gestação, parto ou puerpério.
Como está o Brasil em termos de mortalidade materna?
Nas últimas duas décadas, ocorreu uma redução significativa, embora não suficiente ou adequada, da mortalidade materna no Brasil. Essa tendência, entretanto, se estabilizou nos últimos anos e mais recentemente mostrou um aumento concomitante e muito provavelmente associado à pandemia de Covid-19. Dados recentes demonstram que uma parcela muito significativa das mulheres que tiveram óbito materno por Covid-19 no Brasil, na verdade, nem chegaram sequer a serem internadas em unidades de terapia intensiva para um tratamento minimamente diferenciado que necessitavam.
Que medidas devem ser estabelecidas para reduzir a mortalidade materna no Brasil, levando em consideração que ocorre sobretudo por causas evitáveis?
Novamente, a multiplicidade de fatores envolvidos e o poliformismo das manifestações das condições de Saúde que podem se complicar e conduzir à morte da mulher tornam difícil e complexa a tarefa de identificar e implementar medidas para reduzir sua ocorrência. Isso envolve medidas que têm a ver com educação e informação da população, especialmente das mulheres, para cuidar de sua gestação em unidades que promovam uma atenção pré-natal de qualidade; sistema preparado de transporte que garanta a acessibilidade dessas mulheres às unidades de Saúde ideais ao grau de complicação que apresentam; protocolos estabelecidos, instalações, insumos e pessoal técnico capacitado nestas unidades de Saúde para as diversas intervenções recomendadas por evidência para cada situação específica.
Quais os desafios encontrados no combate à mortalidade materna?
Não existe uma receita ou remédio milagroso. Há a necessidade de melhorar infraestrutura, processos e capacidade técnica-profissional em todos os níveis para garantir uma resposta adequada, venha o problema de onde vier. A condição do Brasil ter dimensões continentais não chega a ser um problema per se, mas sim a diversidade de recursos materiais e humanos que os diversos estados e regiões têm no Brasil.
Quais os riscos de partos alternativos e como eles podem colocar em risco a vida da mulher e do bebê?
Temos que ter muito cuidado quando se fala de “partos alternativos”. Que eu conheça, não existe nenhuma forte evidência contra ou a favor a um tipo específico de parto. O importante é o conhecimento do profissional sobre os processos fisiológicos da gestação e parto, o conhecimento da mulher sobre o tipo de parto que deseja e ter participado conjuntamente com o profissional da escolha ou plano de parto, conhecendo e respeitando as indicações e contraindicações para procedimentos específicos. Qualquer tipo de parto pode ser bom e resultar em uma experiência positiva se houver conhecimento e segurança. Lembrando que não necessariamente um parto tradicional (na maternidade, em posição ginecológica) garanta essas condições na totalidade das vezes.
Como conscientizar a população sobre a importância do pré-natal e de que maneira desenvolver políticas públicas que forneçam serviços de qualidade às gestantes?
Já falamos que educação e informação são fundamentais! Como prover isso é que é uma tarefa complexa. Na verdade, no Brasil, o que parece faltar é um esforço coletivo que deve envolver o Ministério da Saúde, estados, municípios e entidades de classe, entre outros, para prover o sistema com uma adequada rede de serviços de pré-natal com orientações acessíveis e padronizadas por protocolos comuns e profissionais comprometidos e treinados para identificar, diagnosticar e orientar as complicações que sempre surgem em uma proporção dos casos. Isso, além de fornecer informações complementares às mulheres sobre suas condições de Saúde durante a gravidez e sobre como proceder em determinadas situações específicas.
No Brasil, há a Rede Cegonha, que busca promover um atendimento melhor e mais humanizado às mulheres grávidas. Como ações deste tipo são efetivas?
Ao longo das últimas décadas, vários programas têm sido implementados em nível federal, estadual e municipal, com vários excelentes manuais técnicos produzidos por profissionais super capacitados. Mas, o resultado disso nos últimos anos, como já dito, foi uma estagnação das Razões de Morte Materna no Brasil e uma tendência, inclusive, de aumento nos anos recentes da pandemia por SARS-CoV-2. Se isso ocorre, é porque os programas não estão resultando em modificações concretas e devem ser repensados.
Na sua opinião, faltam investimentos na capacitação de profissionais de Saúde que atendem a rede de atenção obstétrica?
Entre os profissionais de Saúde coletiva e gestores de saúde pública, existe a impressão de que conhecimento e recursos para equacionar esse problema já existem em quantidade suficiente para promover uma significativa melhora de qualidade à saúde materna, faltando redirecionamentos e implementações de programas efetivos, de maneira extensiva e igualitária em todo o território nacional. Evidentemente, isso requer um extenso trabalho federal e nacional para adequar o redimensionamento das instalações físicas e treinamento/educação de recursos humanos. Esse é um dos objetivos para o desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, cujo prazo se encerra em 2030.
Raio-X José Guilherme Cecatti Formação: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Especialidade: Ginecologia e Obstetrícia Atuação: Professor Titular de Obstetrícia da Unicamp |
Publicada na edição 742 da Revista da APM
Foto: Divulgação Unicamp