Foi convidado especial do XXIV Congresso Brasileiro de História da Medicina, realizado entre os dias 24 e 27 de outubro na sede da Associação Paulista de Medicina.
Em entrevista à Revista da APM, falou sobre a organização sem fins lucrativos – que visa sensibilizar e aproximar a relação entre médico e paciente -, sobre a defesa da reorganização do ensino médico e a importância de reconhecer os valores difundidos ao longo da história da Medicina.
Revista da APM: Pode explicar melhor o Movimento Hipocrático, a que se destina e a sua importância?
Nicolas Kastanos Hatzinicolis:
O Movimento Hipocrático é uma organização sem fins lucrativos, que se iniciou há um ano e meio em Barcelona, fundada por médicos e profissionais da Saúde de toda a Espanha. O nosso objetivo é realmente sensibilizar os médicos sobre a importância do fator humano próprio da Medicina, não podemos perder essa sensibilização. O segundo ponto é treinar as pessoas, especialmente os jovens, para que possam aprender a ter maior empatia, manejo de suas próprias emoções e a dos pacientes e controle do estresse dos médicos.
O que se considera como a mais importante lição de Hipócrates para os médicos?
Hipócrates realmente é muito grande para se dizer somente uma palavra sobre ele. Creio que o comprometimento com o paciente, ser o apoio dele quando necessita, é uma das principais lições, porque quando tem uma doença, ele se angustia, tem medo e precisa de amparo, que é a função do médico. Em síntese, Medicina é uma balança de excelência e técnica, é preciso ser um excelente médico tecnicamente, mas também ser humanista. Se você tem somente uma coisa e não tem a outra, não é um bom médico.
Por que considera importante os médicos conhecerem a história da Medicina, não só as técnicas?
É muito importante regressar sempre às origens para ver quais os valores difundidos, os primeiros relatos de criação da Medicina. Ao longo dos anos, muitas vezes por diferentes razões, perdemos algumas referências importantes, e o valor é uma dessas coisas. Este Congresso Brasileiro de História da Medicina, por exemplo, nos passa isso. Regressar, ver a história, quais eram os valores que nos antecederam. Os antigos não tinham a tecnologia de hoje, mas não eram menos inteligentes que nós, faziam bem o que precisavam.
O que considera como os maiores avanços da Medicina hoje e o que perdemos durante a história por conta dos avanços de tecnologia?
Houve avanços extraordinários na Medicina. Cresceu como um todo, essa é a parte boa. A ruim é que tivemos que dedicar muito tempo à Ciência, e os médicos não têm mais tempo para estar com os pacientes. Temos que nos ocupar com muitas coisas que não são da Medicina, e isso não permite ao médico estar feliz. Nos Estados Unidos, por exemplo, 50% dos médicos não têm estímulo profissional, não falam com o paciente e não gostam do trabalho. Como resultado disso, hoje temos problemas grandes como depressão e burnout. Hipócrates disse que se você trata o paciente com carinho, o paciente retribui com a sua confiança.
O que você pensa sobre a Telemedicina?
Eu acredito que a tecnologia pode contribuir com muitas coisas. Então, ela precisa nos servir para ter um paciente feliz e bem curado. Nas especialidades que trabalham sobretudo com imagens, como radiologia, anatomia patológica e dermatologia, utilizar máquinas é muito bom, porque elas fazem um trabalho muito mais fino, podem nos ajudar vendo coisas que nós mesmos não vemos, mas o diagnóstico quem tem que dar é o médico. Por outro lado, considero muito importante o contato entre o médico e o paciente, estar ao lado, isso dá confiança. Sempre é muito melhor estar ao lado do paciente porque somos humanos, não somos máquinas, temos que nos olhar nos olhos.
Por fim, o que pensa das escolas médicas? São adequadas? O que falta? Sinceramente, acredito que as universidades para Medicina estão no passado. Tem que se mudar absolutamente tudo. É um absurdo o aluno ter que ler 1.500 páginas de Histologia se a inteligência artificial pode nos ajudar a lidar com isso facilmente. Precisamos dar mais prioridade a um perfil de médico que tenha empatia. Tem que mudar, inclusive, o sistema de seleção. Temos de treinar a nossa gente para serem profissionais humanos, se não fizermos isso, a inteligência artificial vai nos substituir.
Raio-X
Nicolas Kastanos Hatzinicolis
Formação
Universidade de Atenas (Grécia)
Especialidade
Medicina Interna e Doenças Respiratórias
Atuação
Fundador do Movimento Hipocrático e da Aliança Global para Educação Médica
Resgate de valores
“Ao longo dos anos, muitas vezes por diferentes razões, perdemos algumas referências importantes”
“Os antigos não tinham a tecnologia de hoje, mas não eram menos inteligentes que nós, faziam bem o que precisavam”
Entrevista publicada na edição 715 da Revista da APM – Novembro 2019