Luciana Rodrigues Silva – Sociedade de Pediatria amplia suas ações

Qualificar a assistência às crianças, valorizar os especialistas e a especialidade são questões de honra para a nova presidente da maior sociedade médica do país

Entrevistas

No dia 4 de junho, a primeira mulher a presidir a Sociedade Brasileira de Pediatria tomou posse oficialmente – de acordo com a última edição da Demografia Médica, 71,7% dos pediatras brasileiros são mulheres. Atuante na Pediatria há 38 anos, Luciana Rodrigues Silva compreende que a SBP está começando a mudar, para se identificar muito mais com o associado e colocar, sempre, o pediatra em primeiro lugar. Membro da Academia Brasileira de Pediatria, professora titular de Pediatria e chefe do serviço de Gastropediatria da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenadora do Serviço de Pediatria do Hospital Aliança, fez graduação, residência médica, mestrado e doutorado na UFBA, além de se especializar em Gastroenterologia Pediátrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ser pós-doutorada na Univesité Libre de Bruxelles e Hôpital Kremlin Bicêtre, em Paris. À Revista da APM, ela fala com exclusividade sobre as principais lutas da Pediatria.

Com 106 anos de existência, quais são as principais ações da SBP e seus desafios?

Deve sempre atuar junto aos pediatras e em prol das crianças brasileiras, ampliando suas ações e enfrentando novos desafios. Seu papel tem de ser particularmente especial nesse momento em que enfrentamos grave crise no País, sobretudo nos campos da Saúde e Educação. Os pediatras se deparam com grandes dificuldades no mercado de trabalho. Em vários níveis, faltam pediatras para assistir as crianças e escolas médicas estão sendo abertas sem a devida qualificação. Isso tudo trouxe a necessidade de reflexões dentro da nossa Sociedade, para assegurar a formação de bons pediatras e garantir às crianças brasileiras assistência em todos os níveis, primário, secundário e terciário, por pediatras habilitados. São as crianças que farão o futuro do País.

Como estão os trabalhos de defesa profissional em sua especialidade?

Há muito a avançar, aliás, é imprescindível avançar. A SBP está buscando ser mais efetiva nas lutas pela valorização da especialidade e dos especialistas. Estamos envolvidos na defesa de uma Pediatria melhor a cada dia, fazemos questão de debater com mais profundidade todas as questões que envolvem o pediatra e a criança. Estamos fazendo a SBP avançar, mudar, se modernizar e, em especial, colocar em todas as suas ações o pediatra em primeiro lugar.

Como está o trabalho de descentralização das ações e fortalecimento das filiadas dentro da SBP?

Queremos que todas as filiadas estaduais sejam ouvidas e participem de modo efetivo nas decisões e programas da SBP – tendo interlocução mais profunda e demonstrando as reais necessidades, anseios e dificuldades dos pediatras de cada estado. Precisamos atuar de forma personalizada em cada região, atendendo efetivamente as demandas das filiadas, e respondendo adequadamente ao pediatra em termos de mercado de trabalho, educação continuada, formação e benefícios. O colega do Norte, por exemplo, não tem exatamente as mesmas necessidades de seu par do Sul. Além disso, sabemos que grandes desafios necessitam de grandes equipes e nossa diretoria tem integrantes de todas as regiões, que foram escolhidos como representantes importantes em cada área do País.

E para os que ainda vão exercer a Medicina? Como o honorário pouco atrativo e o baixo número de procedimentos ainda são empecilhos para exercer especialidades como a Pediatria, é possível pensar em planos emergenciais que transformem essa realidade?

A luta por melhores honorários e remuneração digna tem de ser prioridade em todas as ações da Sociedade Brasileira de Pediatria. Compreendo ainda quea SBP deve ter uma comissão voltada à graduação e outra para a ampliação da residência de Pediatria, de maneira que possamos treinar os preceptores em todo o País. Só atrairemos mais médicos para a nossa especialidade com remuneração justa e boa formação. Aliás, é isso que queremos para todos nós.

“Estamos envolvidos na defesa de uma Pediatria melhor a cada dia, fazemos questão de debater com mais profundidade todas as questões que envolvem o pediatra e a criança”

Quais são os principais propósitos para uma formação médica continuada?

Estamos trabalhando em um levantamento nacional das condições e aspirações dos pediatras, mas sempre levando em consideração as questões específicas de cada estado. A ideia é estabelecer cursositinerantes, congressos que serão distribuídos de modo mais igualitário pelas regiões diversas, webinários sistemáticos com temas atuais e consensos sobre as doenças mais frequentes – em um modelo semelhante ao método “Aprendizado Baseado em Problemas”.

Por que a senhora defende três anos de residência médica em Pediatria?

O conteúdo da residência médica em Pediatria na maioria dos países tem de ser ampliado, devido à complexidade das crianças e dos adolescentes na saúde e na doença. O futuro que teremos em uma comunidade dependerá da assistência, educação e oportunidades que as crianças tiverem hoje. Por isso, precisamos capacitar bem os médicos que vão cuidar dessas crianças e ajudar a construir um País melhor.

A baixa remuneração e a falta de condições adequadas de trabalho, como jornada extenuante, são algumas das dificuldades enfrentadas pelos pediatras, assim como outras especialidades. Como reverter essa realidade?

Por meio de um levantamento da situação dos pediatras em cada região e posterior trabalho de cada filiada em parceria com a SBP, aos órgãos e às entidades federais, estaduais e municipais. Nossa meta é buscar propostas de melhorias para a valorização do pediatra, e implementá-las.

Quais são os projetos possíveis de serem encaminhados ou aprovados pelo Congresso Brasileiro hoje em defesa dos pediatras?

Enfatizo sobretudo a necessidade de termos pediatras presentes em todos os serviços que assistem às crianças e aos adolescentes e melhorar suas condições de trabalho. A SBP também tem de trabalhar pela necessidade de assistência pediátrica aos pais e às mães – desde a gestação e após o parto –, de modo sistemático, e em todas as fases do desenvolvimento da criança, até o fim da adolescência. Além disso, é indispensável um programa de conscientização sobre saúde nas escolas, durante os ensinos fundamental e médio, além de políticas públicas voltadas para os pacientes com doenças crônicas, com deficiências e em ambientes propícios à violência e ao abuso, entre tantos outros. Os pediatras e as crianças brasileiras merecem uma SBP mais próxima das necessidades atuais destes grupos.

Publicado na Revista da APM – Edição 680 – agosto 2016