José Eduardo L. Dolci – Falta uma Política Nacional da Carreira Médica

José Eduardo L. Dolci, diretor do curso de graduação em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, é pessimista em relação à qualidade do ensino médico brasileiro.

Entrevistas

José Eduardo L. Dolci, diretor do curso de graduação em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, é pessimista em relação à qualidade do ensino médico brasileiro. Segundo ele, a avaliação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo é um exemplo indicador da qualidade precária dessa educação. Com mestrado e doutorado em Otorrinolaringologia, ambos pela Universidade Federal de São Paulo, Dolci defende uma Política Nacional da Carreira Médica, que estimule a trajetória pública do profissional, pautada em concurso público.

ESCOLAS MÉDICAS
A justificativa para a abertura de tantas escolas médicas no Brasil, baseada no argumento de que faltam médicos, não condiz com a realidade. A nosso ver, falta uma Política Nacional da Carreira Médica nos moldes do Ministério Público e Judiciário, em que o médico que desejar fará toda a sua trajetória profissional pautada em um concurso público, sem interferências políticas momentâneas e regionais. Só assim conseguiremos alocar médicos nos locais mais distantes. Acredito que o Programa de Saúde da Família deva ser reestruturado, fortalecido, incentivado e priorizado.

FORMAÇÃO MÉDICA
Infelizmente, o retrato geral da formação médica no Brasil não é bom. O melhor exemplo dessa avaliação é o Exame do Cremesp [criado em 2005 e que desde então vem auxiliando na avaliação das escolas médicas paulistas], que tem mostrado um índice de aprovação dos egressos abaixo do mínimo aceitável. A abertura indiscriminada de escolas de Medicina no nosso País tem colaborado para esse cenário.

EXAME DO CREMESP
Tem mostrado que nossos egressos não têm formação adequada em muitas escolas. Acredito que essa avaliação serve para que cada escola reflita sobre seus problemas, suas falhas e procure corrigi-los, como já temos observado em muitas faculdades de Medicina de São Paulo. Dessa forma, um dos objetivos do Exame do Cremesp já é atingido. [Na 11ª edição, em 2015, quase 49% dos recém-formados não atingiram o percentual mínimo de 60% de acerto na prova. Das 45 escolas médicas em atividade em São Paulo, 30 foram avaliadas.]

ANASEM
A última portaria do Ministério da Educação e Inep sobre a Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina deixou bem claro que o exame não será regulador nem terá caráter reprobatório. O objetivo será avaliar as competências e medir proficiência em Medicina geral. Lembrando que a proficiência revela um conjunto de habilidades referidas a um único “traço latente”, no caso da Anasem, medicina generalista. Também é importante salientar que a avaliação não terá influência nos exames para residência médica. Precisamos sim de uma avaliação progressiva dos estudantes de Medicina, para que possamos identificar falhas e corrigi-las a tempo.

PRECEPTORES
O Plano Nacional de Preceptores, [lançado em 2015 pelo Ministério da Saúde, através da Portaria Interministerial nº 1618/2015], foi criado para suprir a carência de docentes frente à grande quantidade de novas escolas médicas. Não temos professores qualificados e titulados para todas essas instituições. A meu ver, é um erro para tentar corrigir o erro anterior. [De acordo com a Portaria, os médicos que ingressarem nos programas de residência em Medicina de Família e Comunidade, de 2016 até 2018, poderão aderir à especialização em preceptoria, que será realizada de modo concomitante à residência médica e, ao final do curso, estarão capacitados para atuar como preceptores de graduação e residência.]

MÉDICOS GENERALISTAS
O curso de Graduação em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, desde a sua criação, tem como objetivo formar médicos generalistas, com formação humanística e ética. [Em 2014, dos médicos em atividade no País, 159.341 eram generalistas, representando 41% dos profissionais. Especialistas representavam 228.862, ou seja, 59%, de acordo com a Demografia Médica no Brasil 2015.] Para isso, nosso aluno está dentro do ambiente hospitalar e Unidades Básicas de Saúde desde o primeiro ano, sempre sob orientação direta de um professor/instrutor e com matriz curricular integrada.

CONTRIBUIÇÃO À SOCIEDADE
Atualmente, o quadro docente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, criada em 1963, é composto, principalmente, por graduados na própria faculdade, com 372 professores, sendo 282 (75,8%) doutores, 73 (19,6%) mestres e 17 (4,5%) especialistas, que lecionam para 1.158 graduandos, 250 pós-graduandos “stricto sensu” e 1.400 pós-graduandos “lato sensu”. Está posicionada entre as melhores instituições de ensino superior em Medicina do País, sendo sua contribuição para tal desenvolvimento ratificada pelas inúmeras pesquisas tecno- -científicas nas áreas básica e clínica. Os estudos são aplicados em diversas entidades, como Hospital Central, Hospital São Luís Gonzaga, Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental, Centro de Saúde-Escola Barra Funda e Hospital Geriátrico Dom Pedro II. Em 2008, foram iniciadas as atividades de Telemedicina, com a iniciativa de prover cursos de curta duração para instituições.