José da Silva Guedes – O financiamento talvez seja o maior problema do sistema

José da Silva Guedes é médico sanitarista e figura notável na saúde pública paulistana e nacional. Hoje, é professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Antes, foi secretário municipal e estadual de Saúde de São Paulo.

Entrevistas

Com a colaboração do colega Ricardo Oliva, lista o que enxerga como os três principais problemas do SUS, mas não só isso: também mostra o que o sistema trouxe de positivo à população.

SISTEMA REVOLUCIONÁRIO

O SUS fez uma verdadeira revolução na Saúde do povo brasileiro. Seguramente não teríamos o desenvolvimento social que o País alcançou se não houvesse uma política pública que garantisse um serviço universal e igualitário de atenção para toda a população.

“As universidades preparam os profissionais de Saúde com foco no mercado privado e inexistem políticas públicas de educação permanente para o SUS.”

PROBLEMAS FUNDAMENTAIS

Primeiro, o SUS ainda não tem financiamento adequado para fazer frente a todas as suas responsabilidades assistenciais. Se no futuro houver maior restrição de recursos, o SUS será totalmente inviável, mais ainda pela mudança do perfil epidemiológico da população. Apesar do grande avanço realizado, ainda existem conflitos de organização da assistência em diferentes níveis, pela dificuldade dos governos federal, estaduais e municipais estabelecerem um modelo de gestão que atenda aos princípios de hierarquização e integralidade da atenção em saúde. Grande parte das filas e da demora no atendimento é resultado da desorganização do sistema. E também, por fim, a qualidade da atenção prestada ainda precisa melhorar muito, principalmente porque não existe no Brasil, em todos os campos da educação, uma política de formação profissional adequada às necessidades do SUS.

DISTRIBUIÇÃO DE GASTOS

A Emenda Constitucional 29 foi um grande avanço, mas ainda não é respeitada por parte dos gestores. Importante salientar que nestes 30 anos, o maior crescimento do aporte de recursos vem sendo feito pelos municípios, muitos deles já superaram os 30% da receita com gastos em Saúde. Por outro lado, os governos estaduais e federal vêm diminuindo progressivamente a proporção de recursos que aportam ao sistema. Finalmente, é necessário discutir e garantir fontes de receita permanentes, que não sejam contingenciáveis, e a forma pela qual o sistema complementar se responsabilize pelas despesas do SUS com seus segurados na realização de atendimentos cobertos pelos planos.

ATENÇÃO BÁSICA

Existe consenso dos gestores quanto à importância da atenção básica na as sistência e já existem políticas públicas nesse sentido há muito tempo. Desde 1995, por iniciativa de Adib Jatene como ministro da Saúde, o Programa de Saúde da Família é uma pratica em expansão permanente em âmbito nacional. O problema da atenção básica é a desorganização dos serviços, a qualidade e resolutividade e a inexistência de linhas de cuidado que garantam a hierarquização da assistência de forma efetiva.

FALTA DE MÉDICOS

Não é a falta de escolas em locais de pouco desenvolvimento e a baixa remuneração que impedem a fixação em pequenos municípios. O grande problema é o modelo econômico do País, que leva os profissionais a se fixarem nos grandes centros. Uma das formas de reduzir a desigualdade seria a implantação de uma Carreira de Estado para profissionais de Saúde de nível superior, que permitisse que os médicos iniciassem a carreira em regiões remotas e pudessem progredir. Sempre se capacitando de forma permanente, mediante um programa de educação continuada e com a opção de mudança de local de trabalho nos vários níveis de governo do SUS, ao longo do tempo.

MANUTENÇÃO

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que todas as normas constitucionais do SUS ainda são altamente pertinentes e adequadas para o contínuo desenvolvimento do sistema como política essencial para o País e exemplo internacional. Os Estados Unidos, durante o governo Obama, buscaram implantar um sistema de saúde de acesso universal, que vem sendo descontinuado pelo presidente Donald Trump. Assim, não vejo necessidade de mudanças estruturais, mas sim de modificações e aperfeiçoamentos que possam superar as dificuldades apontadas anteriormente.

JOSÉ DA SILVA GUEDES
ESPECIALIDADE – Saúde Pública
CARREIRA – Secretário municipal (1983 a 1985) e estadual (1995 a 2002) de Saúde de São Paulo
OCUPAÇÃO – Professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Entrevista publicada na Revista da APM – edição 696 – janeiro/fevereiro 2018