A partir de uma discussão sobre a necessidade de garantir a qualidade de médicos estrangeiros que pretendem atuar no Brasil, o deputado federal Eduardo Costa (PTB/PA) iniciou uma reflexão. O parlamentar observou que, muitas vezes, os médicos e a sociedade conduzem debates calorosos sobre este tema, mas deixam de observar a qualidade dos profissionais de Medicina que são formados no País. Desta maneira, ele apresentou o Projeto de Lei 4.667/20, que estabelece a aprovação em um exame nacional de suficiência em Medicina, com provas teórica e prática, como condição para exercer a profissão.
Eduardo Costa é médico formado pela Faculdade Estadual de Medicina do Pará (Uepa), especialista em Ortopedia e Traumatologia, e pós-graduado em Administração Hospitalar e em Perícia Médica. Antes de ser deputado federal, cumpriu quatro mandatos como deputado estadual no Pará. Confira abaixo as ideias do parlamentar.
REVISTA DA APM: Como surgiu a ideia de propor um exame de suficiência para os graduandos em Medicina?
EDUARDO COSTA: Inicialmente, é interessante colocar que uma das bandeiras que temos é o Revalida. Tivemos uma discussão em 2019 sobre a Medida Provisória 890, que criava o Médicos pelo Brasil – com intenção de substituir o Mais Médicos. Na época, discutimos muito a questão dos médicos cubanos e outros formados no exterior, visto que no Médicos pelo Brasil não haveria profissionais sem inscrição em um Conselho Regional de Medicina. Mais de dois mil cubanos ficaram no País após o Mais Médicos e receberam a promessa, no atual Governo, de poderem ter a chance de revalidar seus diplomas.
A discussão sobre o Revalida, então, foi muito intensa e calorosa. Houve, no entanto, muita polêmica sobre como seria o exame e sobre a qualidade das faculdades que formam esses profissionais. Tivemos, inclusive, a oportunidade de visitar Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) e conhecer algumas faculdades. As que conheci, como a Unabol e a Ucebol, eram boas faculdades, com laboratórios e formação da prática médica em hospitais. Naquele momento, percebi que discutíamos a qualidade dessas faculdades, mas deixávamos de debater as nossas faculdades. Houve aumento muito grande do número de escolas médicas no País durante os governos petistas. Hoje, são mais de 340 escolas médicas e a moratória de abertura de novas irá acabar em dois anos. Considerando só as escolas que foram legalizadas antes da moratória, teremos, em aproximadamente oito anos, 35 mil médicos formados ao ano.
São muitos profissionais. Médicos que, muitas vezes, não foram preparados para atuar no mercado, sem a qualificação técnica mínima. Muitas das faculdades não têm, inclusive, hospitais associados ou convênios. Das mais de três centenas de escolas, cerca de 70 possuem convênios. Isso acende uma luz vermelha no que diz respeito ao tipo de médico que está sendo preparado por essas instituições. Lembro, ainda, que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) criou, em 2005, uma prova para avaliar os médicos paulistas. E o Exame do Cremesp indicou que cerca de 50% dos médicos que fizeram a prova eram reprovados. Por esse parâmetro, temos certeza que a gente tem de atuar em várias frentes. Uma delas é a de ter atenção ao profissional que está sendo preparado no País da mesma forma que temos com os de fora. Todo médico precisa comprovar condições mínimas de exercer a profissão. Foi isso que nos motivou.
Além dos médicos, entende que as escolas médicas devam ser avaliadas?
Temos que acompanhar de perto o desempenho das instituições no País. Hoje, temos uma prova que mede a qualidade delas: o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). A avaliação, porém, tem algumas falhas. Entre elas, o fato de que os alunos que a realizam são escolhidos a dedo pelas escolas. Mesmo nas faculdades mais deficitárias, há pessoas mais preparadas, pois estudam além do conteúdo programático. Desta forma, elas alcançam bom conceito, mas não podemos usar como parâmetro. Além disso, o conceito do Enade não é punitivo para quem fica abaixo da média. Assim, temos uma referência, mas nenhum mecanismo que faça com que as escolas possam ser aprimoradas. Entendo que as instituições com conceito baixo deveriam ter ferramentas para analisar o que há de errado e tentar melhorar. Também vemos que, com a aproximação do fim da moratória para abertura de novas escolas, já há promessas de faculdades de Medicina em várias regiões do País. Isso não pode ser uma bandeira política. Quanto mais escolas tivermos, menos condições de fiscalizar teremos. Por consequência, menos condições de termos serviços de qualidade e profissionais capazes de atender a sociedade com segurança.
Quais as expectativas de tramitação do projeto?
Irá depender de vários fatores. Um deles é a situação da pandemia, pois a Casa hoje funciona em regime diferenciado. Basicamente, temos votado projetos que tenham relação com a Covid-19. Apesar do exame de suficiência ser um tema importante, que diz respeito à saúde pública, não acreditamos que tenhamos urgência neste momento. Penso, porém, que podemos realizar um trabalho de sensibilizar os líderes de partidos e o presidente da Câmara dos Deputados para mostrar a importância de termos uma legislação nesse sentido. Espero que possa acontecer em 2021. Vamos trabalhar por isso.
Voltando ao Revalida, o exame ocorreu após três anos em dezembro último. Acredita que é um filtro suficiente para os profissionais estrangeiros?
Sim, é uma prova com várias etapas, com avaliação teórica e prática, medindo o conteúdo daquilo que o aluno deveria saber quando finaliza o curso de Medicina. Agora, para o futuro, imagino apenas uma prova para os formados no exterior e para os médicos formados nas escolas brasileiras. Para que todos passem por esse crivo. Como ocorre nos Estados Unidos, que tem uma avaliação em três etapas. É importante reforçar que diversos países têm provas nesse modelo. Não podemos, no Brasil, ser diferentes. É até estranho não termos formas de avaliar quem está exercendo a Medicina no País. Por isso, vemos inúmeros erros médicos no Brasil – mais de 55 mil ao ano.
Em uma avaliação ampla, como enxerga a saúde brasileira neste momento?
Acredito que o Sistema Único de Saúde (SUS) é um patrimônio que temos. Muitos países tentaram criar um sistema semelhante e não conseguiram. O nosso presta um serviço fantástico desde a prevenção, passando por atendimento em postos e unidades básicas, até o tratamento etc. Existem falhas? É impossível um sistema tão complexo, tão grande e com tantas atribuições não as ter. Mas é um grande patrimônio a ser preservado. Houve, recentemente, discussão na Câmara sobre a possibilidade de privatizar as Unidades Básicas de Saúde e isso deixou muita gente, como eu, preocupada. Não podemos regredir, mas sim avançar. Cada vez mais, precisamos disponibilizar atendimentos e serviços de alta complexidade para a população, para que todos tenham as mesmas oportunidades, como a Constituição prevê.
Publicada na edição 724 – jan/fev de 2021 da Revista da APM
Fotos: Fabio Lacerda