Eduardo Cordioli – O paciente certo no lugar certo

Na opinião do gerente médico do Einstein, esse é o poder da Telemedicina, que ajuda a reduzir filas nos prontossocorros, a espera por especialistas e os custos na Saúde

Entrevistas

Graduado pela Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, com residência e mestrado em Ginecologia e Obstetrícia na mesma instituição, Eduardo Cordioli ainda concluiu MBA executivo em Gestão de Saúde pelo IBMEC/HIAE. Além de presidente da Comissão de Ultrassonografia em GO da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), atualmente é Gerente de Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein.

Resumidamente, o que o Einstein já está fazendo em Telemedicina?
Mensalmente, o Hospital atende 25 mil pacientes no pronto-socorro, sendo que cerca de 70% dos casos poderiam ser resolvidos por Telemedicina. Por isso, temos hoje 42 produtos na área, sendo 28 com clientes ativos. Atendemos o paciente via Telemedicina, prescrevendo, de forma a evitar que ele precise se deslocar até o pronto-socorro e melhore sua experiência de maneira geral. A maioria é infecção de via área superior, diarreia, coisa básica.

Além de melhorar a experiência, ajudamos também na mobilidade urbana. Considerando que a distância média entre a casa do paciente e o hospital seja de 5 km, são 10 km ida e volta, então se 70% das pessoas deixarem de vir para o Einstein, a economia em “pegada” de carbono, por exemplo, equivaleria a 19 hectares de floresta por mês. Ainda reduz os custos para o setor de Saúde, já que a consulta no hospital é mais cara que uma por Telemedicina, e você deixa o pronto-socorro só para quem precisa dele, então um infartado não vai dividir fila com um paciente que está com gripe.

Quais seriam outras possibilidades e benefícios?
Também temos a Televisita em UTI, para vários pacientes, em várias unidades, prescrevendo medicação e orientando os médicos que estão em outras UTIs. Tivemos hospitais que contrataram esse nosso serviço e reduziram a mortalidade pela metade, em quatro, cinco meses de projeto. No caso da Teleneurologia, por exemplo, sabemos que quando um paciente chega com um AVC no pronto-socorro, quanto mais rápido você fizer o anticoagulante, no caso de acidente vascular cerebral isquêmico, maior a chance de ele sair sem sequela e sobreviver. Por isso, temos feito trombólise a distância. Nem todo lugar tem neurologista e, às vezes, o paciente precisa ser deslocado para outro lugar. Nesse meio tempo, você perdeu aquela janela ideal do tratamento.

Dentro do Einstein, economizamos mais de R$ 90 mil por mês para o sistema só de não precisar ter um neurologista em cada posto de pronto atendimento, pois ele ficando na central (Morumbi), atende todas as unidades avançadas do hospital (seis na cidade de São Paulo), além dos dois hospitais públicos que damos assistência. Com a Teleneurologia, conseguimos evitar 25% das transferências que eram realizadas entre os hospitais do M’Boi Mirim e do Campo Limpo por conta de traumas cranioencefálicos.

Também é possível reduzir filas de espera?
A Teledermatologia foi um projeto que fizemos com a Prefeitura de São Paulo, que tinha cerca de 60 mil pacientes na fila da Dermatologia, o que dava aproximadamente um ano de espera. Conseguimos encaminhar rapidamente quem tinha lesão com suspeita de malignidade para biópsia. Por meio de um app, no qual o médico ou enfermeiro do posto de saúde tira fotos das lesões, que vão para um servidor, o nosso dermatologista faz o laudo e retorna, normalmente com orientações simples, já que em 70% das vezes o paciente não precisava se consultar com um dermatologista. Só 3% dos casos precisavam de biópsia. Com isso, acabamos com a fila para consultas de Dermatologia em São Paulo.

A Telemedicina tem o poder de colocar o paciente certo no lugar certo. Usamos dados da Teledermatologia através de campos estruturados, alimentamos a máquina e ensinamos o aplicativo, que hoje consegue acertar o que é a lesão entre 80% e 90% das vezes. Com isso, você consegue tornar o método mais produtivo, a ideia é fazer o computador realizar um pré-laudo do que é, o médico confere e dá a palavra final, mas não precisa ficar escrevendo, só escolhe o que está certo ou errado do que a máquina fez. Reduzimos custos da Saúde e aumentamos o acesso da população.

Quanto poderia ser economizado no Brasil com projetos como esses?
É difícil calcular, mas a Telemedicina pode economizar bilhões. Primeiro, colocando o paciente certo no lugar certo. Em segundo lugar, resolvendo situações nas quais o atraso do diagnóstico e do tratamento pode aumentar a complexidade e o custo do problema. Por exemplo, se você diagnosticar um câncer de pele em uma situação inicial, a cirurgia é muito simples, com anestesia local e retirada da lesão. Mas se ele se espalha pelo corpo, vira uma questão pra Oncologia, necessitando de exames complexos, radioterapia e quimioterapia, com o paciente podendo vir a óbito.

O acesso a especialistas fora dos grandes centros também melhora, correto?
Sem dúvidas, pois no Brasil os médicos especialistas estão concentrados de Belo Horizonte para baixo. Nas demais localidades, é muito difícil encontrá-los fora das capitais. Eles não dão conta de tudo e os pacientes acabam tendo que se deslocar para outros lugares. Mesmo em Porto Alegre, a fila para consulta com um reumatologista no SUS chegou a um ano e meio. Colocamos especialistas à disposição em alguns projetos, e conseguimos evitar que o paciente precisasse ser deslocado para uma consulta presencial em 98% das vezes.

A Telemedicina quebra a barreira geográfica, você pode colocar um médico do Einstein para atender um paciente de uma cidade que fica a 5 horas, de barco, de Santarém (PA). O Brasil tem muito médico, mas estão concentrados no Sul e no Sudeste, e muitos não querem ficar longe dos grandes centros, em locais que não têm amenidades para sua vida social e estrutura para a família. A Telemedicina pode colocar um médico bom, especialista e brasileiro, nesses lugares, e abrir campo de trabalho para nossos profissionais, não é preciso contratar estrangeiros.

Como ficamos em termos de segurança?
O nível de segurança dos softwares que fazem Telemedicina responsável mantém a confidencialidade semelhante à dos bancos. Tudo é digital e auditado, é algo que veio para ficar. Só nos Estados Unidos, mais da metade das consultas hoje já são feitas por Telemedicina. Temos resultados, que vão ser publicados em breve, de praticamente 90% de redução do tabagismo com doze consultas on-line, envolvendo acompanhamento psicológico e prescrição de medicamentos. Além de custar metade do preço do que seria presencialmente, o paciente não precisa sair do trabalho ou casa, deixa de perder tempo com deslocamentos, fica mais produtivo.

E a opinião dos pacientes?
Eles adoram. Temos 93% de satisfação nos nossos atendimentos diretos ao paciente via Telemedicina, eles ficam muito satisfeitos. E estamos aumentando, crescendo exponencialmente, vamos chegar perto de 100 mil atendimentos este ano, no Brasil inteiro e também a pacientes do Uruguai, da Inglaterra etc. Nosso País perde apenas na questão da regulamentação da Telemedicina, que já poderia ter avançado. Também precisamos melhorar alguns pontos de tecnologia, de conexão e de infraestrutura de rede, para dar mais acesso à população, mas estamos caminhando bem e acredito que a Telemedicina pode ser transformadora para o sistema de Saúde. Como toda inovação, a Telemedicina deve ser feita de forma responsável e com dados auditados.

RAIO-X
EDUARDO CORDIOLI
ESPECIALIDADE
Ginecologia e Obstetrícia
ATUAÇÃO
Presidente da Comissão de Ultrassonografia em GO da Febrasgo;
Coordenador do Núcleo de Telemedicina do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo

Entrevista publicada na Revista da APM – edição 706 – dezembro 2018
Fotos: Osmar Bustos